Estado brasileiro deverá oferecer reparação a familiares de camponês morto e a pessoas feridas em repressão no ano 2000

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

Sentença prevê também a adoção de medidas para proteção do monumento erguido em homenagem a Antônio Tavares no município paranaense de Campo Largo - Juliana Barbosa/MST

 

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que nesta quinta-feira (14) anunciou a condenação do Estado brasileiro pela morte do camponês Antônio Tavares, no ano 2000, foi recebida como uma vitória pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e pelas entidades que denunciaram o caso ao tribunal internacional, as organizações Justiça Global e Terra de Direitos.

"Finalmente, depois de 24 anos, a justiça chegou", resumiu Roberto Baggio, da coordenação nacional do MST no Paraná. "A decisão da Corte é uma decisão contundente, que alimenta a luta pela reforma agrária, que alimenta a luta por direitos e para que se avance no país a democratização da propriedade da terra", afirmou.

A Corte determinou que o Estado brasileiro (isso inclui a União, os estados e municípios) deve indenizar a viúva e os filhos de Tavares. Além disso, foi determinado o pagamento de indenizações que vão de 15 a 20 salários mínimos a outras pessoas que foram atingidas no ataque em 2000, além de fornecimento de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico às pessoas feridas.

Em postagem na rede social X, antigo Twitter, o dirigente nacional do MST, João Pedro Stedile, celebrou: "Hoje a luta pela Reforma Agrária vive um momento histórico! Após 24 anos aguardando por justiça, o Estado brasileiro foi condenado pela CIDH sobre o assassinato do Antonio Tavares, morto pela polícia do Paraná, durante uma marcha do MST. Lutar não é crime!"

O episódio alvo do julgamento na CIDH aconteceu em 2 de maio de 2000. Um grupo de mais de 1,5 mil integrantes do MST sofreu repressão policial: uma tropa de agentes bloqueou a rodovia BR-277 e usou armas de fogo para impedir a chegada de uma comitiva de 50 ônibus à capital paranaense.

"Os fatos aconteceram há 24 anos, mas o que a Corte diz hoje para o Estado brasileiro é bastante atual. Diz que lutar por direitos não é crime e as autoridades devem, ao invés de reprimir e agir com violência, proteger as pessoas que se organizam para lutar por direitos. A Corte diz que basta de impunidade em relação à violência policial", afirmou a coordenadora de incidência internacional da Terra de Direitos, Camila Gomes.

Um inquérito policial militar instaurado alguns dias após a repressão policial que levou à morte de Antônio Tavares terminou com arquivamento. A argumentação da Justiça Militar foi de que os agentes atuaram com "estrito cumprimento do dever legal". Já o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná encerrou processo criminal sobre o caso, em consequência do arquivamento feito pela Justiça Militar.

Diante disso, um dos trechos da sentença publicada nesta quinta pela Corte Interamericana de Direitos Humanos determina que a Justiça Militar não tem competência para julgar e investigar militares que cometam crimes contra civis no Brasil.

"Ao determinar que o Estado brasileiro altere a competência da Justiça Militar e ela perca a atribuição para julgar crimes contra civis, a Corte empurra o Brasil para dar um passo decisivo no enfrentamento à impunidade e a violência policial no país", avaliou a diretora-executiva da Justiça Global, Glaucia Marinho.

As petições ao tribunal internacional foram apresentadas após o esgotamento das possibilidades de justiça no cenário local. Por ter se submetido voluntariamente à Corte Interamericana, o Brasil deve acatar as decisões tomadas. Não cabe recurso.

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Trabalhadores sofreram repressão policial durante manifestação / APP-Sindicato

"Estamos falando de um histórico de um país que tem muitas terras, inclusive terras públicas, que poderiam ser destinadas pra reforma agrária. Terras que não cumprem sua função social; um país que nunca implementou de forma ampla, universal, uma política de reforma agrária. Essa realidade da concentração da terra cria o que nós chamamos desse cenário de violência", destacou Ayala Ferreira, integrante do setor de direitos humanos do MST, em entrevista ao programa Central do Brasil.

 

A sentença determinou ainda a realização de um ato público de reconhecimento de responsabilidade do Estado brasileiro e inclusão de conteúdo sobre o caso nas atividades de formação das forças de segurança do Paraná, além da adoção de medidas para proteção do monumento erguido em homenagem a Antônio Tavares no município paranaense de Campo Largo.

"O coração ainda continua a mil. É uma vitória grande que a gente conseguiu depois de todos esses anos. Foram mais de 20 anos de batalha. A gente se sente ser humano diante dessa decisão. Essa decisão, pra nós que somos da classe baixa, da família sem-terra, é uma vitória imensa. Outra vitória é o monumento poder ficar ali, e a gente poder visitar", disse Loreci Lisboa, sobrevivente do massacre, que viu de perto a morte de Tavares.

Repressão em ato

Antônio Tavares, que tinha 38 anos, era casado e tinha cinco filhos, foi atingido e morreu depois que ele e outros passageiros desceram de um dos ônibus. No mesmo contexto, outros trabalhadores e trabalhadoras ficaram feridos e não receberam socorro.


Antônio Tavares tinha 38 anos quando foi morto / Acervo familiar

A análise do caso pela Corte, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), começou em fevereiro de 2021. Em junho do ano seguinte aconteceram audiências na Costa Rica, com a presença da viúva de Tavares, Maria Sebastiana; da sobrevivente Loreci Lisboa; de organizações representantes das vítimas; e de integrantes dos governos do Brasil e do Paraná, representando o Estado brasileiro.

As entidades que fizeram a denúncia destacam que o contexto da época no Paraná era de muita violência contra trabalhadores e trabalhadoras do campo, com criminalização da luta pelo direito à terra, ameaças e assassinatos, como os de Diniz Bento da Silva (conhecido como Teixeirinha), Sebastião Camargo e Sétimo Garibaldi – o país já foi sentenciado na corte pela morte de Garibaldi.

Edição: Nicolau Soares


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