A história de vida da coordenadora geral da FENATRAD se confunde com a própria luta da categoria 

Luiza Batista. Foto: Divulgação/FENATRAD

 

Se o trabalho doméstico no Brasil tivesse uma biografia, certamente seria muito parecida com a vida de Luiza Batista, coordenadora geral da FENATRAD ( Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas). Como tantas mulheres negras, a pernambucana teve a infância roubada pelas dificuldades de sobrevivência, que a fizeram começar cedo no serviço de cuidados domésticos, que era totalmente precarizado. 

Dados de 2022 do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS) mostram que 5,8 milhões de pessoas se dedicam ao trabalho doméstico no Brasil, sendo 92% mulheres e 61,5% delas mulheres negras. O cenário remonta também ao regime escravocrata e racista que marca a história do Brasil e as estruturas das relações sociais e trabalhistas do país. Um dos efeitos da presença viva desse passado escravocrata é o fato de que a legislação brasileira só equiparou o serviço doméstico, com todos os direitos trabalhistas, no ano de 2013, com a chamada “PEC das Domésticas”. Ainda assim, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi motivo de polêmicas e protestos na sociedade brasileira. 

Os protestos, conta Luiza, vinham principalmente da classe média, inconformada com a perda do privilégio de acessar mão de obra barata para o trabalho doméstico. No entanto, essa estrutura de desigualdade – que vem melhorando, mas ainda existe, – se alicerçou no sacrifício e dor de muitas mulheres, tal como Luiza. 

“Eu comecei a trabalhar aos nove anos de idade, no Recife, tomando conta de uma criança de cinco. Diziam que era pra eu ‘brincar’ com a criança, só que não era só isso. Eu tinha que cuidar do jardim, passar cera na casa toda e outros serviços da casa, além da criança. Em troca, eu tinha comida e algumas roupas e minha mãe recebia uma pequena cesta com a ‘feira’ (alimentos)”, conta. Nessa época, foi espancada com fio de ferro, depois que acabou brigando com a criança de quem cuidava, embora também fosse criança. 

O episódio marcante fez com que Luiza fosse trabalhar com sua mãe, também empregada doméstica. E foi através de uma patroa que conseguiu se matricular numa escola para poder estudar, o que não durou muito tempo – somente até a quarta série. “Aos 16 anos tive tuberculose e tive que parar de estudar. Foi muito difícil”, lembra. A volta aos estudos só ocorreria anos depois, em 2006, aos 50 anos, já com a militância pelos direitos das trabalhadoras domésticas. 

Mas Luiza nunca deixou de ser aprendiz, como faz questão de enfatizar. “Eu sei que, hoje, ainda tenho muito a aprender. A gente é eternamente aprendiz. Mesmo o maior cientista, pode ser que não saiba fritar um ovo”, destaca, entusiasmada, aos 78 anos.  

 

Inspiração

Foi com a volta aos estudos, em 2006, que Luiza Batista começou a se destacar como liderança do movimento de trabalhadoras, passando por coletivos de mulheres, pelo sindicato das trabalhadoras domésticas, até chegar na FENATRAD. Ao contar sua trajetória, Luiza sempre enfatiza a importância de outras mulheres – especialmente as mulheres negras como ela – na construção da luta das trabalhadoras domésticas. 

Segundo o MDS, em 2022, de cada 100 trabalhadoras negras, 16 eram trabalhadoras domésticas. No caso das mulheres brancas esse número cai para menos de nove. A categoria é a que mais emprega mulheres no Brasil e ainda precisa de muita luta organizada para garantir seus direitos, já que ainda faltam políticas públicas de proteção e acesso a esses direitos. A informalidade, a precarização, a má remuneração e o baixo acesso às diferentes formas de proteção social ainda são condições predominantes no cotidiano das trabalhadoras domésticas. 

Nesse contexto, Luiza Batista destaca que fatores como o avanço da extrema direita e o crescimento no número de evangélicos alinhados às práticas e ao discurso da direita conservadora, têm sido um desafio para articulação das trabalhadoras. Mesmo assim, a força e a esperança de Luiza Batista são inspiradoras: mesmo enfrentando um intenso tratamento de saúde, ela segue coordenando a FENATRAD e também compartilhando reflexões lúcidas e necessárias para a luta política. 

 

Desafios políticos para as domésticas

Luiza destaca que, com a ascensão da extrema-direita com o governo Bolsonaro, ficaram reduzidas as possibilidades de diálogo entre  empregadores e os movimentos de trabalhadores em geral, inclusive de domésticas. Mas, ela destaca que a recente retomada dos rumos mais democráticos também permitiu uma reaproximação com o governo e, consequentemente, o encaminhamento de pautas para ampliação dos direitos. 

O mesmo contexto faz com que os casos de abusos de poder patronal e precarização do trabalho de domésticas sejam cada vez menos tolerados. Em abril de 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania lançou uma campanha contra o trabalho doméstico escravo, cujas denúncias passaram a ser acolhidas também pelo Disque 100. Recentemente, a Justiça Federal de Minas Gerais condenou um casal a 14 anos de prisão por escravizar uma trabalhadora doméstica durante 39 anos. 

“É uma luta que a gente não pode nunca desistir. Mas a gente tem esperança, até porque, em termos de leis, o Brasil é o país que mais avançou na luta. Essas leis só não são plenamente respeitadas”, analisa Luiza. Neste 27 de abril, quando se comemora o Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas, essa esperança de Luiza Batista é uma luz para que as leis sejam garantidas e o emprego digno seja respeitado. 

 

Texto: Cfemea/Verônica Lima


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