Quase lá: Um SUS de primeira classe deve ser a luta de todos. Conferência com Lígia Bahia

Para a médica, deve-se acabar com a ideia de que o SUS é somente para pobre e que usar planos de saúde é uma forma de aliviar o sistema. Isto fere mortalmente o princípio da universalidade da saúde pública no Brasil

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Por: Edição: João Vitor Santos | 13 Julho 2023 - IHU

Certa vez alguém disse que viver é estar em constante contradição. Isto até pode ser verdade, mas existem contradições que realmente afundam projetos muito importantes, como é o Sistema Único de Saúde. Em videoconferência realizada no Instituto Humanitas Unisinos – IHULígia Bahia, médica, professora e referência nacional em Saúde Pública, revelou como algumas contradições podem ferir de morte o SUS.

Ela reconhece que o sistema é defendido por grande parcela da população. Mas essa grande parcela também mantém seus planos privados de saúde, muitos até são profissionais da saúde. “Eu espero que os sindicatos dos profissionais de saúde parem de vender planos de saúde. Pelo menos que eles parem de fazer propaganda de planos de saúde, porque quando abrimos uma página na internet de sindicato, a primeira coisa que está lá é um plano de saúde. Por favor, né? Depois faz coraçãozinho para o SUS, assim não dá”, dispara a professora durante a conferência.

Lígia usa essa caricatura para mostrar como a ideia de dois sistemas de saúde no Brasil é muito forte. Ou seja, teríamos um sistema público e um sistema privado. Esse sistema privado seria para quem pode pagar e, assim, “desobstruiria” o sistema público para os pobres. “É uma ideia oportunista, conveniente, porque nós não temos dois sistemas definitivamente”, esclarece. E, na prática, o que se vê é um crescimento do sistema privado sem melhoria no público. “O número de pessoas com plano de saúde aumentou, especialmente nos anos 2000, e não aconteceu nada em relação ao SUS. Continua tendo fila, não foi desonerado em nada. Tudo mentira, porque, na realidade, nós não temos dois sistemas. Temos um sistema que dentro dele tem um setor privado muito grande, inclusive em expansão, mas com muitas conexões com o público”.

E aí está mais uma contradição: se não são dois sistemas, há, na verdade, um privado que precisa do público para existir, bem como um parasita. É por isso que Lígia observa que os planos privados de saúde são uma das faces do problema. Ainda há as organizações sociais que terceirizam os serviços de saúde, as instituições filantrópicas e até os hospitais privados que se passam por filantropos só para não pagar impostos, sem falar das farmácias que querem até vender telessaúde. “O SUS constitucional é uma política de igualdade. É preciso incluir a adversidade na igualdade, porque do contrário talvez resulte um apoio fraco ao SUS”, esclarece.

No entanto, há esperanças e Ligia aponta-as claramente na palestra. Aqui a palestrante fala do presidente Lula na recém-encerrada 17º Conferência Nacional de Saúde. “Lula fez uma afirmação que eu considero importantíssima. Talvez a mais relevante que fez sobre a Saúde ao longo da sua longa carreira políticaLula disse: ‘nós queremos um SUS de primeira classe’”. Segundo a médica, por trás dessa afirmação há uma virada de chave que, finalmente, parece assumir a universidade constitucional do SUS.

E não só. “Qual é o pressuposto contido nesta afirmação? O pressuposto de um sistema público de primeira classe para cidadãos de primeira classe. Temos que olhar para essa afirmação, cheirar essa afirmação e entronizar, incorporar essa afirmação. Queremos um SUS de primeira classe, ou seja, uma mudança grande em relação a formulações anteriores de um SUS para pobres”, pontua Ligia.

Lígia Bahia (Foto: Abrasco)

Ligia Bahia é professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Possui graduação em Medicina pela mesma instituição, e mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Políticas de Saúde e Planejamento, principalmente nos seguintes temas: sistemas de proteção social e saúde, relações entre público e privado no sistema de saúde brasileiro, mercado de planos e seguros de saúde, financiamento público e privado, regulamentação dos planos de saúde. Entre suas publicações, destacamos: Planos e seguros de saúde: o que todos devem saber sobre a assistência médica suplementar no Brasil (Unesp, 2010) e Saúde, desenvolvimento e inovação (Cepesc, 2015).

 

A seguir, confira os principais trechos da palestra. 

Começo fazendo uma homenagem ao Zé Celso [José Celso Martinez Corrêa morreu no dia da conferência de Ligia, 06-07-2023, na capital paulista, aos 86 anos, por complicações depois de um incêndio em seu apartamento. Dramaturgo, diretor, ator e encenador, é considerado ícone das artes cênicas brasileiras]. Hoje, o Zé Celso é o rei, é o nosso rei de todas as velas. Zé Celso será para sempre o nosso eterno dramaturgo desse drama que é ser brasileiro. E ser brasileiro num país tão desigual, mas ser brasileiro num país tão potente, não é mesmo? Zé Celso, nossas homenagens, nossas homenagens da área da saúde para você. É legal ter podido participar junto com você de tantos momentos importantes da história desse país.

 

“Nísia fica”

Bem, abrimos o um debate superimportante porque ele ocorre em um momento muito interessante, especialmente para a saúde. É um momento muito instigante e promissor, porque a Nísia Trindade [ministra da Saúde] fica. Afinal, ontem, o presidente Lula esteve na 17ª Conferência Nacional da Saúde e afirmou que a ministra da Saúde fica no Ministério, pois a pasta que vinha sendo cobiçada pelo centrão, pelo PT, pelo PL, enfim. Então, Nísia fica e isso é instigante porque, de alguma maneira, se supera uma turbulência que havia ali em torno do debate sobre sistemas de saúde, Ministério da Saúde, etc.

 

 

 

SUS de primeira classe

É um momento muito oportuno e promissor também porque, ontem, Lula fez uma afirmação que eu considero importantíssima. Talvez a mais relevante que fez sobre a Saúde ao longo da sua carreira política. Lula disse: “nós queremos um SUS de primeira classe”. Ele contou a história de um amigo que está internado, um amigo do MST do Paraná, que está em um hospital do SUS. E este amigo disse ao presidente que está sendo atendido como um cidadão de primeira classe. E Lula, então, transmitiu esse recado, inclusive para ministra Nísia.

 

Esta formulação do SUS de primeira classe, cidadania de primeira classe, talvez por querer ou sem querer, vai ficando nos ouvidos da história. A história tem ouvidos, é uma afirmação importantíssima de David Lloyd George [primeiro conde Lloyd-George de Dwyfor, 1863-945, estadista britânico e o último membro do Partido Liberal a ser primeiro-ministro do Reino Unido], que é o construtor do sistema nacional de saúde inglês, o National Health Service – NHS, e que, de certa forma, foi recuperada por Lula.

Qual é o pressuposto contido nessa afirmação? O de sistema público de primeira classe para cidadãos de primeira classe. Precisamos olhar para essa afirmação, cheirar essa afirmação e entronizar, incorporar essa afirmação. Queremos um SUS de primeira classe, ou seja, uma mudança grande em relação a formulações anteriores de um SUS para pobres.

O amigo do presidente Lula não é um miserável e ele está internado num hospital de primeira classe. Sentir-se um cidadão de primeira classe é isso. Este é o SUS aprovado na Constituição de 1988, um SUS para todos e todas, um SUS igualitário, um SUS democrático, baseado no princípio de igualdade. De certa maneira, reencontramos aí um presidente como um formulador do SUS, e do SUS constitucional.

Pode parecer pouco, mas não é. Isto porque temos vivido com percalços, temos percorrido um terreno muito acidentado na disputa do que é o SUS. O SUS é um programa assistencial para quem não pode pagar ou o SUS é uma política baseada numa oferta pública para todos os cidadãos brasileiros? Não é a mesma coisa. Distinguir essas duas vertentes é uma primeira medida muito interessante neste momento.

Essa fala do Lula foi ontem [05-07-2023] e hoje estamos aqui com a certeza de que Nísia fica e fica com a missão de levar o SUS adiante, mas um SUS de primeira classe. Essa questão da permanência da ministra era uma tormenta que estávamos enfrentando pela cobiça que existe em relação ao Ministério da Saúde, o que estava afetando a saúde como um todo.

 

Cobiça ao Ministério da Saúde

Essa cobiça ao Ministério da Saúde acontece também porque as emendas não são mais as emendas discricionárias, de cada parlamentar. As emendas precisam ter um conteúdo técnico, é preciso uma avaliação técnica e isso certamente contrariou os interesses das bancadas que são mais paroquialistas, que não têm projeto, as bancadas políticas que, como a maioria do Congresso Nacional, se voltam às demandas e reivindicações muito localizadas e que não se conectam com um projeto político de melhoria da Saúde. E a Saúde é o segundo maior orçamento entre os ministérios. Então, por tudo isso é um objeto cobiçado.

A mudança dessa dinâmica das emendas afetou esses interesses que são interesses econômicos e eleitorais. Mas também é preciso entendermos que a área da saúde elegeu muita gente. Foi eleito desde Eduardo Pazuello [ex-ministro da Saúde na gestão Bolsonaro], o segundo deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, o que parece um paradoxo. O Rio de Janeiro também é um estado que teve uma letalidade enorme por covid-19. Então, como o Rio de Janeiro elege alguém que teve um desempenho tão absurdo na pandemia? Isso aconteceu.

E ainda houve a eleição de inúmeros secretários de saúde que, aliás, tiveram uma performance espetacular nessas últimas eleições. Por isso, é importante frisar que a saúde também elege, não é só um interesse econômico que elege seus representantes. É um potencial de eleição que já vínhamos estudando e que se revelou de maneira exuberante nas eleições de 2022.

 

 

Jogos políticos e interesses paroquiais

Precisamos falar desses jogos políticos, pois temos interesses que são mais paroquiais, voltados para esse jogo do sistema político brasileiro. Mas também temos interesses políticos e empresariais. Digo políticos e empresariais porque há uma bancada conectada com os empresários da saúde no Congresso Nacional. Não são empresários que se autorrepresentam, mas uma bancada muito conectada com o setor empresarial e que, neste momento, conseguiu chegar muito perto. Afinal, eles estão dentro do Conselhão, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Social.

A maior parte de uma bancada da saúde no Conselhão está constituída por empresários. Temos empresários da indústria farmacêutica, temos empresários de farmácias e drogarias, temos empresários de planos de saúde privados, temos empresários das indústrias de equipamentos, todas as representações empresariais estão lá. Temos representantes no Conselhão até da medicina privada de São Paulo, o que é muito estranho. Enquanto isso, no Conselhão não temos enfermeiros, que tanto estiveram na linha de frente contra a covid. Também não temos agentes comunitários de saúde, nem sequer médicos de família.

A partir deste ponto, vejamos o que podemos chamar de um capitalismo político. Sou de um grupo de pesquisa que estuda o empresariamento da saúde. Temos estudado a financeirização, o neoliberalismo progressista, e temos lido os autores que explicam o que acontece no Brasil. Observe que os empresários fazem política e estão nos espaços de negociação, de representação, de articulação política. E nós, no Brasil, temos grandes grupos econômico-empresariais.

 

Desafio diante de interesses políticos e econômicos

São estes interesses políticos e econômicos que nos impõem novos desafios. O primeiro desafio está relacionado ao fato de que o sistema de saúde brasileiro está sendo privatizado ainda mais. Estamos em pleno processo de expansão dos setores privados de saúde. O exemplo mais evidente são as farmácias e drogarias. Estes estabelecimentos cresciam antes da pandemia e continuaram a crescer durante a pandemia também. Todo o processo pandêmico foi extremamente benéfico para as farmácias e drogarias, que permaneceram abertas vendendo álcool em gel e, depois, máscaras e demais produtos.

 

Agora, elas tiveram a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa para, além vacinar, poderem realizar testes de análises clínicas. Esse subsetor tem uma agenda muito explícita, pois querem também participar das atividades de telessaúde. Estão propondo realizar uma telemedicina vinculada aos estabelecimentos comerciais das farmácias e drogarias.

Anvisa, que tanto foi saudada por nós na pandemia, é também a Anvisa que autoriza o uso de agrotóxicos. Todos nós sabemos que o Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos. Anvisa é o locus de aprovação dos agrotóxicos. Essas contradições também penetram as instituições. Não temos uma Anvisa completamente favorável a um sistema de saúde público universal, igualitário. A Anvisa está atravessada por interesses empresariais. São negócios milionários, bilionários. Hoje, podemos olhar para o que a Takeda está fazendo com a vacina da dengue, a QDENGA®.

 

Temos a entrada de uma vacina para dengue, que é um problema enorme de saúde pública no Brasil. Temos casos de dengue, sorotipos, espalhados em todos os estados brasileiros, que ainda precisam ser estudados e, mesmo assim, em clínicas privadas está à venda com um preço elevadíssimo. De certa maneira, a presente situação está quase impedindo que a vacina resolva ou tente mitigar um problema que é de saúde pública.

Passamos por essa experiência na pandemia, em que é preciso ter altas coberturas vacinais para que uma endemia, como a dengue, seja controlada. A dengue é endêmica, vem os verões e temos muitos surtos que só são possíveis de controlar como a vacina se tivermos altas coberturas vacinais, o que é praticamente impossível. Era impossível com a vacina da Sanofi e está se mostrando inviável com a Takeda.

É um jogo de gente grande com relação à indústria farmacêutica. E ainda mais que o Brasil vai tentar tirar a saúde do Acordo Europeu. Isso é uma questão que está implícita, mas existe esse jogo delicado, pois precisamos, ao mesmo tempo, afirmar que somos favoráveis à vacina, ainda mais da dengue, que tem alta letalidade. Mas também precisamos pensar e viabilizar a vacina e a vacinação para todos.

 

 

Armadilhas no PROADI – SUS

É o caso do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – PROADI-SUS, que é uma coisa escandalosa. São seis hospitais, cinco em São Paulo e um no Rio Grande do Sul, que é o Hospital Moinhos de Vento, que desfrutam de um benefício fiscal imenso e uma quantidade de recursos que parece que conformam fundo financeiro bastante grande. São hospitais que não atendem SUS ou tem uma organização social e aí constroem um outro hospital que atende SUS. Mas, na realidade, o hospital não é deles, é da secretaria estadual ou da secretaria municipal de Saúde. 

Esse PROADI cresce, cresce e cresce porque na realidade são grupos hospitalares que atendem as autoridades públicas brasileiras. São os hospitais filantrópicos de São Paulo, mas que são filantrópicos e ao mesmo tempo não são. São filantrópicos privados, então.

 

São seis hospitais no Brasil em 7.000, em 5.000 hospitais, dependendo de como classificamos hospitais, que têm esse privilégio de serem considerados filantrópicos, portanto, desfrutam desses atos filantrópicos e não pagam uma série de contribuições, impostos e não atendem efetivamente o SUS. É uma coisa bastante paradoxal num país em que precisamos tornar a saúde possível a todos e todas.

 

Planos de saúde e suas bandeiras

Nesse cenário, temos ainda os planos de saúde, que é o que mais estudamos no grupo de pesquisa. Estes planos de saúde estão muito bem representados no Congresso Nacional, no Conselhão, junto à própria Presidência da República. São amigos que frequenta as mesmas festas, os mesmos casamentos, etc. E nessas relações surge uma pauta muito explícita desse setor, que é a de aumentar o número de brasileiros e brasileiros com planos privados de saúde. E, ainda, com pouca cobertura, plano de saúde tipo “um Melhoral e copo d’água”.

Nesse momento, há uma agenda clara por parte desse setor de fazer um plano de saúde ou de especialidades, mas só ambulatorial, tirando a possibilidade do atendimento de emergência do plano de saúde e fazendo os atendimentos de especialidades via telemedicina. Isto teria um valor de mensalidade bem mais em conta. Mas, precisamos falar melhor sobre isso. Muitas vezes, nos perguntam por que somos contra isso, pois com esses planos mais baratos as pessoas teriam acesso a saúde. Mas, mesmo sim, nós somos contra.

Acreditamos que esse tipo de atenção à saúde é sintomática com zero resolução. As pessoas terão acesso a uma teleconsulta, uma teleconsulta de especialidade e já embutida nessa consulta medicamento, o que torna a consulta mais cara para o cidadão e para cidadã atendidos e não tem continuidade nesse atendimento. Esse é um atendimento que está parado num determinado ponto do espaço e do tempo. Por isso essas pessoas precisarão, certamente, ter outros atendimentos. Mas caso a obtendo outro atendimento por esse modelo, inclusive, não será com mesma pessoa. Assim, é um atendimento com baixíssima qualidade e baixíssima resolução e por isso somos contra essa ideia.

A ideia de consumo na saúde, de qualquer consumo de saúde, é bastante controvertida. Não só nós aqui no Brasil, mas em todo o mundo. Os especialistas em saúde vêm tentando falar sobre isso, explicitar essas relações que não são relações simples de consumo. A relação na saúde não é quanto mais consumo melhor.

 

Quem apoia o SUS?

Precisamos falar também sobre os apoios ao SUS. Afinal de contas, quem apoia o SUS? Como é que o SUS vem ao longo do tempo, desde 1990, data da Lei Orgânica da Saúde, como se construindo? Temos uma metáfora que diz que é como se fosse uma construção de igreja, aquelas construções tão prolongadas que essas igrejas podem se tornar catedrais, católica, mas também podem se tornar mesquitas, ou templos evangélicos. Ou seja, uma construção de longuíssimo prazo.

SUS tem sido isso, um projeto extremamente generoso, muito adequado à sociedade brasileira, que continua atual em relação ao que nós somos e o que é necessário para a saúde no Brasil. Mas vamos perdendo não só os anéis, mas também os dedos ao longo do tempo. O que perdemos ao longo do tempo? Perdemos o apoio, porque no início tínhamos a apoio dos médicos, dos médicos democratas, progressistas, de entidades de classe das classes médias e dos cientistas, dos advogados, etc. Atualmente, ficou alguma coisa apoiada numa consciência.

 

A população brasileira apoia, é a favor da troca de impostos por políticas sociais inclusivas e de excelência, tanto na saúde quanto na educação. Entretanto, as classes médias brasileiras têm planos privados de saúde e isso não é alguma coisa que acontece sem dor, sem problemas. Sindicatos de trabalhadores são a favor dos planos de saúde, sindicatos de servidores públicos são a favor de planos de saúde, temos planos de saúde nas universidades, no que podemos chamar de “planeta ciência” – esse “planeta ciência” é habitado por corretores de planos de saúde, uma coisa super estranha, mas que acontece.

 

Temos movimentos sociais, inclusive, importantíssimos no país, movimentos feministas, movimento negro, movimentos que acabam incluindo nas suas pautas os planos de saúde. Querem ser atendidos por eles, como no exemplo mais recente das pessoas com deficiência, que tiveram uma vitória expressiva em relação aos planos de saúde. Pais e mães de crianças autistas conseguiram que seus filhos sejam atendidos através de planos de saúde.

  

Todas essas são lutas para se garantir planos de saúde, não em relação ao SUS. Isso certamente torna o SUS menos tensionado pelas demandas, pelas reivindicações que são mais atuais.

  

 

E a igualdade?

Temos uma base de apoio, certamente o SUS é apoiado, a 17ª Conferência Nacional de Saúde acabou ontem [05-07-2023] e uma conferência emocionante, com mais de 5000 pessoas, com movimentos indígenas, negros, LGBTQIA+, uma diversidade maravilhosa. Mas, talvez a pauta da Conferência tivesse de ter sido mais forte do lado do reconhecimento do que do lado da igualdade.

   

Então, é a luta pelo reconhecimento, pelo reconhecimento das mulheres negras, pelo reconhecimento dos negros no sistema de saúde, pelo reconhecimento das deficiências, mas e a igualdade? A igualdade precisaria estar ali mais presente. Não é fácil, claro que não. Claro que estou falando aqui na condição de uma mulher branca tentando acentuar a igualdade, mas certamente essa é uma contradição em si, uma contradição entre liberdade, igualdade, entre emancipação e igualdade.

Entretanto, o SUS é uma política de igualdade.SUS constitucional é uma política de igualdade. É preciso incluir a adversidade na igualdade, porque do contrário talvez resulte um apoio fraco ao SUS, num processo de reformismo fraco – estou usando a expressão do André Singer – nesse processo que é muito prolongado, muito arrastado de construção do SUS. Nós vimos o que ocorreu durante a pandemia, muito rapidamente o SUS foi desmontado. Então, quais são as bases estabilizadoras de um processo que seja um processo que ande para frente?

 

Não existem dois sistemas de saúde

É preciso falarmos sobre qual é a trajetória que seria mais virtuosa para que o sistema de saúde brasileiro se torne SUS e não essa ideia de privatização, ou ideia de dois sistemas. Não concordo com essa ideia de que tenhamos dois sistemas [por exemplo o SUS e os planos privados de saúde]. É uma noção errônea, mas muito presente. Todos se referem aos dois sistemas, mas faço um parêntese nessa ideia de chiclete com dois sistemas grudados.

É uma ideia oportunista, conveniente, porque nós não temos dois sistemas definitivamente. Dentro dessa lógica, se pensa que é bom que o setor privado cresça, porque ele desonerou o setor público. Há sindicalistas, inclusive de esquerda, que afirmam “nossa, eu tenho um plano de saúde porque eu estou dando o meu lugar na fila do SUS para um pobre”. Ou seja, uma ideia meio Robin Hood ao contrário, pois já que posso escolher, posso pagar, então eu pago um plano e aí eu deixo a pobreza entrar.

Só que isso jamais aconteceu. É uma mentira, pois o número de pessoas com plano de saúde aumentou, especialmente nos anos 2000, e não aconteceu nada em relação ao SUS. O SUS continua tendo fila, não foi desonerado em nada. Tudo mentira, porque, na realidade, nós não temos dois sistemas. Temos um sistema que dentro dele tem um setor privado muito grande, inclusive em expansão, mas com muitas conexões com o público.

Os profissionais de saúde andam para lá e para cá andam, saem do público e vão para o privado, inclusive os pacientes também. Muitas vezes fazem entram nesta “viagem” que é o público-privada. É uma ideia que além de defendida, inclusive pelo setor empresarial, para aumentar o número de planos de saúde, de forma que parece que estamos sempre fazendo um superbem para Brasil.

 

Desafios no financiamento do SUS

SUS é subfinanciado, nós não temos a menor dúvida disso. Temos uma árdua disputa pelo fundo público, porque o Brasil já gasta 9% do Produto Interno Bruto – PIB com saúde isso é um indicador. Nós estamos bem no gasto com saúde em relação ao PIB. Não adianta aumentarmos mais, se não reduzimos o gasto público. Então, é um desafio.

Um desafio duplo, pois tem que aumentar os recursos para o público, mas tem que reduzir para o privado. Se não, iremos ter um gasto com saúde com o PIB mais ou menos como o caminho que Estados Unidos fizeram. Eles aumentaram o gasto público, aumentaram o gasto privado, que tem um gasto enorme com saúde no PIB e não necessariamente tem bons indicadores de saúde. Todos nós aqui da saúde sabemos disso. Ou seja, formulando numa frase: precisamos de uma proporção de gasto público muito maior do que a proporção de gasto privado para que o sistema de saúde tenha resultados, para que consiga impactar as condições de saúde, de vida.

 

Se isso não ocorre, excluímos. É um processo sempre de estratificação, exclusão na saúde. E já sabemos disso desde o final do século XIX, quando se evidencia a importância da igualdade na saúde, da igualdade em relações a exposição aos riscos e, também, em relação às ações e serviços de saúde.

 

SUS só para pobre e o sistema privado

Quero voltar a essa ideia de que o SUS é só para os pobres, esse papo furado que é extremamente disseminado e se associa a essa ideia de dois sistemas de saúde, um público e um privado. Há sindicalistas que falam sobre isso e, outro dia, infelizmente, uma autoridade pública do Partido dos Trabalhadores falou isso na televisão. A área econômica dos governos, em geral, pensa assim, seja de que partido for, seja originário da grande esquerda ou da direita.

Por trás disso, está a ideia de um SUS para pobre. Por isso que a fala do presidente Lula ontem foi tão relevante. Precisamos falar sobre isso, pois temos esse problema do financiamento, uma disputa do fundo público, porque, é claro que o gasto privado com saúde com no Brasil é maior do que o gasto público. Tem fundo público envolvido nesse gasto privado. Vou dar dois exemplos: o BNDES financia empresas de saúde e considera que isso é ótimo, porque assim estamos desonerando os SUS. Precisamos conversar com o BNDES sobre isso.

 

Se nós temos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, esse Banco tem que financiar o sistema público. Não pode financiar o setor privado. Não pode, simplesmente não pode. É contraditório, pois ao financiar o setor privado nós estamos alocando um fundo que nesse caso não é tão público, pois sabemos que o BNDES faz empréstimos, mas não, isso não pode, não pode fazer empréstimos com menor juro, com maior prazo de pagamento para financiar o setor privado.

O outro exemplo é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. É um órgão do Ministério da Justiça e que também aprova fusões, aquisições dos grupos de saúde privada. O CADE é a favor da concentração empresarial no Brasil exatamente com argumento de que estamos fortalecendo o setor privado para desonerar o SUS. Então, também temos que conversar com o CADE.

 

É preciso falar sobre isso, bater nessa tecla, insistir que isso é inconstitucional. Afinal, o que foi aprovado pela Constituição não foi isso.

  

 

STF, piso da enfermagem e sistema público X sistema privado

Há outros exemplos de outras instituições. É o caso da aprovação do piso da enfermagem pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Não sei se vocês repararam, mas é muito curioso que o STF aprovou o piso da enfermagem e em relação ao setor público vai ser pago. Inclusive, com apoio de recursos federais. Em relação ao setor privado, observem que vai haver negociação, e uma negociação que é muito desfavorável para quem é enfermeiro, técnico de enfermagem etc.

Se essa negociação não for bem-sucedida, aí sim fica valendo o piso. Como é que essa negociação vai ser bem ou malsucedida? Então, o STF quebrou a asa de forma favorável ao setor privado. O setor privado está bastante tranquilo agora, porque não vão pagar, como já não pagam. Na realidade, o pior problema sempre foi no setor privado. Ele faz uma polarização salarial, paga bem mal para os enfermeiros e aí consegue pagar melhor para os médicos, especialmente para algumas especialidades.

 

Temos, assim, uma polarização das profissões da saúde, o que também redunda num sistema de saúde de má qualidade. É o caso, por exemplo, de problemas de segurança no atendimento aos pacientes.

 

Organizações sociais

Outra questão é referente às organizações sociais, pois elas vieram para ficar e tem organização social na saúde em todo o Brasil. Mas, o problema é que elas continuam sendo apresentadas como sendo a solução. Por exemplo, agora no Piauí, que é um estado governado pelo PT, tradicionalmente governado pelo PT, com ministros que vieram dessa experiência de governo, etc. e que querem adotar um modelo de organização social para o sistema estadual de saúde. Claro que é isso não é um pecado mortal, ter uma organização social não é um pecado mortal, pode até ser uma solução pontual. Mas, jamais uma solução para o sistema de saúde.

Isso porque sem servidores públicos não há serviço público. Precisamos também falar sobre isso. O que nós temos hoje na saúde, nesses casos, é “um barata-voa”, as pessoas não têm contratos, estão em precarização completa dos vínculos empregatícios, tanto no setor público quanto no setor privado, e esse intercâmbio público privado o tempo todo. Inclusive, há interesses contraditórios. Não é possível que não se fale sobre isso.

Então, as organizações sociais não só vieram para ficar, mas elas agora são como um sistema de saúde. Muitas vezes, ao invés de nós termos uma Secretaria Municipal de Saúde, uma Secretaria Estadual de Saúde, nós temos diversas OS que subsecretaria, uma fragmentação muito grande. Sem servidores públicos, não temos o que os ingleses sempre souberam: os servidores públicos são tradutores de cidadania. Para isso, também precisam ser servidores públicos de fato, porque no Brasil também não é simples. Os servidores públicos têm planos privados de saúde. Precisaríamos ter servidores públicos mais públicos.

 

Só fazendo um parêntese: não é a mesma coisa na educação. Na área da educação, se tem o maior número de professores trabalham na rede pública e o maior número de alunos está na rede pública. Na saúde, o maior número de profissionais não está mais na rede pública, não só os médicos. Também os enfermeiros não estão mais na rede pública e, veja, temos 25% só de pessoas com plano de saúde. Isso significa que temos um conjunto enorme de recursos para atender 25% da população.

Temos, assim, na saúde, poucos recursos humanos. E estamos falando de recursos humanos para atender a maior parte da população. É uma coisa assustadora este processo de privatização. Vira algo como “tanto faz”, “tanto faz dar plantão aqui ou ali”. Mas esse formato não dá. Não há um pertencimento do servidor público ao público.

 

Esperanças

Quero falar que há muitas esperanças. Indico um filme do cineasta Adirley Queirós, que tem sua origem numa favela de Ceilândia, região metropolitana de Brasília, cujo título é Branco Sai, Preto Fica.

  

 É um filme que eu sugiro que todos assistam. É maravilhoso. O filme é superimportante, uma produção prenhe de esperanças. Virei fã do filme e, a partir dele, consigo visualizar esperança. Há muitos movimentos. O Brasil não está parado. Certamente temos novos movimentos, inclusive em relação à assistência à saúde, os cuidados à saúde.

Vimos isto na pandemia. Observe como a fisioterapia foi importante para a recuperação dos pacientes. Temos novos cuidados que vêm de áreas como a dança, novos cuidados. É o corpo como algo que não é só material. Vemos que não é mais só uma assistência mecânica, localizada anatomicamente. É alguma coisa muito legal, inovadora, importantíssima.

 

E temos esperança porque esse modelo neoliberal está em crise. Não deu certo, não tem emprego, não tem saúde, não tem educação de qualidade. Estamos diante dos desafios da mudança climática também. Precisamos nos adequar e a saúde é uma área que tem o que dizer sobre isso. Pode inovar em relação aos seus processos de trabalho, aos seus processos de cuidado, gerando e qualificando empregos e entrando numa radicalização em relação à mudança do modelo de atenção.

Esse modelo não pode mais ser baseado em médico, ambulância e remédio. Mas também não prescinde nem de médico, nem de ambulância, tampouco de remédio. Então, como equilibrar? Como é que podemos mudar o modelo? Temos que mudar o modelo de atenção que, a partir de agora, precisa ser muito mais favorável à promoção da saúde do que de uma suposta cura que que nunca virá. Isto porque não somos imortais. Somos seres mortais e, por isso, essa ideia heroica de uma cura, de uma juventude eterna, é uma distopia. Precisamos estar colados nesses processos de mudanças e estimulando-as.

Por movimentos sociais genuínos

Outra esperança é o fato de que os movimentos tradicionais também estão em crise. Sou médica e temos agora eleições para os conselhos regionais de medicina e para o conselho federal de medicina, conselhos que tanto prejudicaram o Brasil durante a pandemia. Certamente perderemos as eleições, porque não conseguimos mais distinguir movimentos de médicos que sejam médicos progressistas. Há sempre algum tipo de iniciativa e temos a Associação Brasileira de Médicos para a Democracia, mas são movimentos incipientes.

No entanto, há uma insatisfação muito grande de colegas nossos. Médicos que são médicos progressistas, comprometidos com atendimento de qualidade a todos e todas. Diante disso, precisamos retomar essa participação na construção de movimentos sociais que sejam movimentos sociais mais genuínos, mais autênticos, não colados em políticas governamentais.

Acho que a esperança é de mais democracia, de radicalização da democracia e de uma sociedade civil realmente mais potente. Ou seja, não apostar todas nossas fichas no governo; devemos apostar nossas fichas numa interlocução com ele, que seja uma interlocução exigente de democracia e igualdade.

Ao fim da conferência, a professora Lígia Bahia respondeu a perguntas enviadas por expectadores. Confira os principais pontos.

Pergunta de João Santos – Como a senhora analisa essa luta pelo pagamento do piso a profissionais de enfermagem sob perspectiva da luta pelo fortalecimento do SUS?

Ligia Bahia – Avalio que essa luta pelo piso da enfermagem – uma luta de mais de 10 anos – é superjusta. É justo que um profissional de enfermagem receba no mínimo um salário digno. O que me preocupa é que eu acho que essa luta pelo piso da enfermagem caminhou sozinha, ela foi uma luta bem economicista. Ela acabou se descolando da luta pela melhoria da qualidade, da atenção à saúde para a cidadania. Acho que os enfermeiros ficaram nos devendo isso.

É preciso destacar que esses profissionais vão atender com mais dignidade, personalizar o atendimento, não chamar ninguém de “vovó”, não chamar ninguém de “mãezinha”. Precisamos combinar isto com o aumento de gastos com a saúde, com aumento da melhoria da saúde. Sou favorável e vejo que essa conquista agora vai puxar o piso da assistência social, piso da fisioterapia e, quando puxar, precisamos tentar chegar mais próximo da saúde. Afinal, por que que queremos aumentar o valor pago aos profissionais? Porque queremos melhorar a saúde, não é uma coisa desvinculada.

Espero que os sindicatos dos profissionais de saúde parem de vender planos de saúde. Pelo menos que eles parem de fazer propaganda de planos de saúde, porque quando abrimos uma página na internet de sindicato, a primeira coisa que está lá é plano de saúde. Por favor, né? Depois faz coraçãozinho para o SUS, assim não dá. Coração OK, mas sem propaganda de plano de saúde. Fazer propaganda de plano de saúde faz mal à saúde.

 

Pergunta de Vítor – Pensemos um pouco nos hospitais filantrópicos, numa mistura entre o privado que presta serviços públicos. Estas instituições não tomam pagamento do piso da enfermagem como pacífico. Como pensar estas instituições dentro do contexto do SUS?

Lígia Bahia – É um desafio superimportante. Vários países transformaram seus sistemas antes privados em sistemas universais. Por exemplo, a Inglaterra estatizou os filantrópicos de cara. Depois da segunda guerra, o sistema de hospitais filantrópicos virou um sistema de hospitais vinculados ao sistema nacional de saúde. No Brasil, nós não fizemos isso. Pelo contrário, temos uma aliança sempre muito grande com as igrejas que mantêm estas instituições de saúde. Esta aliança entre governo e igrejas é algo que precisa ser mais bem estudado.

Deixamos estes hospitais filantrópicos onde estão. Mas, como lembrado, eles não irão pagar o piso da enfermagem. Eles entrarão num acordo, porque estão protegidos por uma decisão do STF. O poder público não tem como intervir, até porque os hospitais são filantrópicos, tem uma bancada grande no Congresso Nacional, elegem e reelegem seus representantes.

Então, ficamos assim. Mas é importante não alimentar a ideia de que o governo federal irá resolver tudo. Talvez consigamos retomar essa luta, mas retomá-la agora querendo que os hospitais filantrópicos sejam mais SUS do que o que eles são. Porque os hospitais filantrópicos também fazem o que querem, são pouco aderentes ao projeto do SUS. Quem sabe agora a enfermagem adota essa luta dizendo que querem ser inseridos na rede. Se não for assim, para que o setor público vai pagar para a enfermagem do privado?

 

Pergunta de Marcílio Pereira – Se faltam profissionais da saúde, como médicos, por que o governo proibiu a abertura de cursos de medicina?

Ligia Bahia – Foi o contrário. O governo liberou a abertura de cursos no Brasil. Primeiro, temos uma privatização medonha das matrículas nas faculdades de medicina. Teremos, em 2040, número muito grande de médicos formados em faculdades privadas. Não em universidades, em faculdades privadas, porque houve uma abertura indiscriminada de faculdades de medicina.

Agora, nosso problema não é ter médico, nós temos médicos. Nosso problema é que temos uma concentração absurda de médicos nas cidades mais ricas, nos bairros mais ricos dessas cidades mais ricas. Então, há um problema de distribuição. E estes médicos estão sendo dirigidos para o setor privado. Temos uma dupla concentração, uma dupla desigualdade. Nas cidades e nos lugares mais ricos e no setor privado é onde estão os médicos.

Precisamos abrir mais faculdade de medicina, formar médicos que sejam diferentes dos atuais médicos. Eu tenho uma proposta que não é só minha. É preciso fazer um curso de medicina para indígenas numa universidade pública. Temos que fazer um curso de medicina para pessoas do MST numa universidade pública. Claro, com critérios de entrada, mas com uma formação excelente desses personagens. Ela não é uma ideia nova, pois existe na Austrália, existe nos Estados Unidos, existe no Canadá.

 

Assista a íntegra da conferência:

  

 

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