O movimento feminista está presente com ação política na Cúpula dos Povos. O debate que estamos levando enfrenta o mito da neutralidade da crise ambiental, demonstrando como ela impacta de forma avassaladora, na vida cotidiana das mulheres e da população negra em situação de pobreza

Carmen Silva
Educadora do SOS Corpo (Recife - PE), integra o Fórum de Mulheres de Pernambuco e a Articulação de Mulheres Brasileiras

A iniciativa mobiliza vários movimentos como a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a Secretaria de Mulheres da Contag, entre outros.

Estamos vivendo, hoje, no mundo de diferentes crises: climática, de alimentos, energética e financeira são alguns exemplos. O forte no debate do momento é a crise ambiental, que coloca em risco a sustentabilidade da vida no planeta. É ao mesmo tempo uma crise do padrão de acumulação capitalista, ou seja, o modelo de desenvolvimento adotado pelos Estados- Nação e pelas empresas capitalistas.

Esse padrão é produtor da crise e ao mesmo tempo um produto dela. Embora isso seja verdade, estamos vivendo também uma crise civilizatória. O que está em cheque não é apenas o meio ambiente ou a acumulação capitalista, mas todo o modo de produção, consumo e organização da vida social ao qual estamos submetidas.

O modelo de civilização que predomina é o baseado na exploração dos seres humanos e da natureza. A riqueza é apropriada por poucos e se constrói por meio do trabalho e da exploração de muitos. Por meio da apropriação da natureza, sem limites.

Este formato é naturalizado por processos ideológicos e está diretamente ligado às formas de dominação próprias do sistema patriarcal e racista: um sistema de dominação dos homens sobre as mulheres, que confere valor e poder às pessoas brancas e oriundas de países centrais deste modo de desenvolvimento capitalista, em prejuízo às pessoas dos países que foram colonizados, de etnias originárias destes países, ou que são negras, afrodescendentes.

Embora vivamos uma crise civilizatória que atinge toda humanidade, o fato de vivermos num sistema capitalista, patriarcal e racista, faz com que os efeitos não afetem a tod@s com a mesma intensidade. Mulheres, pessoas negras, indígenas e outros grupos étnicos dominados são atingidos de forma distinta dada a sua situação nas relações de poder na sociedade e as realidades socioeconômicas, territoriais e culturais que vivenciam.

Vendo por este ângulo, falar em racismo ambiental significa que as populações negras e indígenas são aquelas mais fortemente atingidas pela degradação ambiental e sofrem as maiores consequências da crise climática.

Nossa crítica feminista, na Articulação de Mulheres Brasileiras, tem tomado como refe-rência as ideias sobre patriarcado, as nossas lutas contra os projetos de desenvolvimento e suas consequências sobre as mulheres e as experiências das mulheres quilombolas, indígenas e de outras populações tradicionais.

O patriarcado é anterior ao capitalismo e à colonização da América Latina, mas se fortalece com esta forma civilizatória dominante. A crítica feminista a esse modo de organização social toma como referência a exploração e a dominação das mulheres perpetuadas pelo sistema patriarcal racista e capitalista.

Também consideramos relevante resgatar que nós, mulheres, individualmente e como sujeit@s polític@s coletiv@s, resistimos e lutamos contra este sistema. No Brasil, o patriarcado e o capitalismo estão completamente articulados desde a colonização do território pelos portugueses. Ambos se estabeleceram a partir da dominação étnica-racial. Esses sistemas se retroalimentam, no domínio econômico e político do território, da natureza, dos povos escravizados e dizimados, em especial das mulheres, incluindo o nosso território-corpo.

O domínio e a exploração da natureza se articulam diretamente com o domínio da força de trabalho humana escravizada e com a sobre-exploração das mulheres. Para além da exploração econômica, este sistema constitui uma profunda força ideológica de negação da população racializada, de seu corpo e de seu ser, como humanidade, e gera as condições para a manutenção do racismo na formação social brasileira. A consequência disso é que hoje nós, mulheres, somos quem vivemos as piores condições de exploração nos territórios de implantação de grandes projetos econômicos, incluindo nossos corpos para fins sexuais. São as mulheres negras, pobres e encarregadas das famílias que vivem nos territórios urbanos submetidos às piores condições ambientais. São as mulheres indígenas, quilombolas e trabalhadoras, que têm menos poder nas organizações políticas e nos processos de negociação com o Estado brasileiro para a garantia de direitos e de seu território.

Ainda hoje continuamos a ser colonizadas: nossos corpos, nosso tempo, nossa força de trabalho. Por isso, queremos dialogar com a sociedade sobre nossas vidas, nossas lutas e o mundo que queremos viver.

Programação Feminista na Cúpula dos Povos

Dia 17
Manhã e tarde: Plenárias de Convergência
Noite: Vigília da Cúpula dos Povos

Dia 18
8h00 - Mística de boas-vindas
8h30 - Tribuna das Mulheres: “Direitos e Justiça Socioambiental”
10h30 - Passeata das Mulheres
14h00 - Plenárias de Convergência
18h00 - Atividades Culturais

Dia 19
9h00 - Tribuna das Mulheres: Modelo de Desenvolvimento, Energia e Industrias extrativas
11h00 - Tribuna das Mulheres: Defesa dos Bens Comuns e contra a Mercantilização da vida
14h00 - Assembleia dos Povos: Causas estruturais da crise e as falsas soluções de mercado

Dia 20
Mobilização Global - Cúpula dos Povos

Dia 21
9h00 - Tribuna das Mulheres: Mulheres rurais e Soberania Alimentar e Acesso à terra
11h00 - Tribuna das Mulheres: Trabalho - por uma outra economia e novos paradigmas de sociedade
14h00 - Assembleia dos Povos: Nossas Soluções

Dia 22
9h00 - Assembleia dos Povos - Agenda de Lutas e Campanhas
14h00 - Ato de Encerramento


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