O candidato Luís Inácio Lula da Silva ganhou as eleições presidenciais, confirmando a vitória dos interesses das classes populares. Com as eleições 2002, abriram-se novas possibilidades de exercício do poder. Os resultados deste pleito expressam uma mudança de mentalidade e de valores consolidados numa parcela significativa da sociedade brasileira.

Estas eleições traduziram a força da indignação de amplos setores da sociedade, expressa na surpreendente votação obtida pela oposição, durante o primeiro e segundo turnos. Diante da nova conjuntura política do país, o movimento feminista articula-se, dialoga, propõe e prepara-se para continuar desempenhando seu importante papel no debate sobre a democracia como regime político e como forma de vida.

Para Cristina Buarque, economista e cientista política, a vitória de Lula expressa mudanças importantes nas relações de poder, construídas no Brasil. "Acima de tudo, essa vitória atingiu o núcleo simbólico da trama política nacional, montada desde o período colonial, na qual existem príncipes - hoje príncipes cultos - formados no exterior, aptos a dirigir os povos. Existem, ainda, trabalhadores grosseiros, dependentes dos primeiros para serem felizes ou infelizes para sempre", explica Cristina.

A cientista política diz, ainda, que Lula presidente causa uma ruptura na base política brasileira: "é um número grandioso de pessoas que transgridem a seus preconceitos. Lula é um homem sem diplomas, é um trabalhador desejoso de poder para mudar a condição de opressão e exploração a que está submetida a maioria da população brasileira".

Justina Cima, integrante da coordenação da ANMTR (Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais), também analisa o significado da vitória de Lula, nas eleições de 2002. "Nós elegemos uma pessoa que representa a luta do povo brasileiro, nestes 500 anos, desde o descobrimento. Nesse momento, o companheiro, como podemos chamar o Lula, traz consigo uma grande esperança para o povo brasileiro", afirma Justina.

Segundo a PNAD de 1997, as trabalhadoras rurais correspondem a 33% dos trabalhadores na agricultura. A maior parte delas trabalha para o próprio consumo e não recebe remuneração. A equipe do novo Governo está consciente quanto à importância da participação das mulheres na agricultura familiar. Por isso mesmo, a presença feminina no campo está sendo citada em diversos pontos do Programa de Governo. A temática é abordada, por exemplo, no documento "Compromisso com as Mulheres". Este mesmo documento afirma que "o governo Lula estará comprometido com políticas sociais que contribuam para o exercício da cidadania de todos, para superar as enormes desigualdades e ampliar a democracia".

Expectativas

Na avaliação de Justina Cima, há muito a ser feito no meio rural. "Há questões importantes que precisam ser levadas em conta. Em primeiro lugar, a importância da reforma agrária nesse país, o assentamento imediato das famílias que estão, há muito tempo, lutando pela terra. Em segundo lugar, o investimento na pequena agricultura. É necessário um investimento imediato, para que se possa produzir alimentos com qualidade", explica a integrante da ANMTR.

Justina também lembra a luta das trabalhadoras rurais pela previdência: "os agricultores e as agricultoras devem ter acesso aos benefícios aprovados por Lei. Devido ao excesso de burocracia, às vezes esse direito não é garantido. Acredito que o acesso aos benefícios previdenciários também é uma forma de diminuir a fome no campo."

Jurema Werneck, sócia-fundadora do grupo Criola, fala sobre as expectativas da população afrodescendente. "Esperamos que a esquerda seja capaz de reconhecer nossa luta e a dívida que tem conosco. Também é fundamental a superação de seus próprios preconceitos e despreparo para lidar com o enfrentamento do racismo - e de sua parceria com o sexismo - iniciando um movimento de reparação que faça frente à histórica usurpação de riquezas e direitos que o Estado brasileiro e a sociedade têm empreendido contra todos os negros e, em especial, contra nós mulheres negras", explica Jurema.

A Plataforma Política Feminista aborda a questão étnico-racial e propõe, entre outros desafios, que o Estado destine recursos, incentive e priorize políticas de ação afirmativa para superar as desigualdades e combater a discriminação, promovendo a eqüidade de gênero e de raça/etnia.

Para Míriam Martinho, da Rede de Informação Um Outro Olhar, a Plataforma apresenta vários pontos de contato com o programa do presidente eleito Lula da Silva, "em particular, no que tange à rejeição às políticas neoliberais - que apenas empobrecem ainda mais a população e, ainda, no que se refere à afirmação de um novo modelo de governo preocupado com as questões sociais, a superação da fome, da miséria e das desigualdades, bem como a geração de empregos, a garantia de saúde e a promoção dos direitos humanos".

O processo de construção coletiva da Plataforma Política Feminista e a realização da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras expressa a vontade política dos movimentos feministas e de mulheres no sentido de se posicionar e assumir responsabilidades no contexto político.

Ao longo de sua trajetória histórica, os movimentos feministas vêm demonstrando uma capacidade de articulação, por meio de diálogos e idéias inovadoras, em busca de uma sociedade justa e igualitária. Por esses motivos, entre outros, a cientista política Cristina Buarque acredita que o governo Lula precisa dialogar com o movimento. "O grande desafio das feministas, no momento, é estabelecer uma relação, como movimento que traz uma grande base de reflexão sobre a democratização, sobre abandono de preconceitos, sobre a inclusão da população em vários setores e sobre a construção de novos sujeitos sociais. O governo terá de compreender o quanto o movimento feminista é facilitador da ruptura de preconceitos. É um desafio sermos chamadas para discutir com esse governo, como feministas".

Para Jurema Werneck, do grupo Criola, "o governo deve reconhecer no movimento feminista, de negras e não-negras, um aliado vigoroso na proposição de caminhos de superação das desigualdades. Inclusive, na veiculação das críticas necessárias à correção de rotas".


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