Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que fala do presidente brasileiro ecoa em países do Sul global

Leandro Melito
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Presidente Lula durante encontro com presidentes da União Africana no sábado (17) - Ricardo Stuckert

 

Ao subir o tom contra Israel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca o Brasil em posição de liderança no movimento de oposição à política de Israel contra o povo palestino. Essa é a opinião dos especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato sobre o cenário político e o embate diplomático entre o Brasil e Israel. A posição do Brasil, avaliam, deve ecoar entre os países do Sul global e estimular outros países a tomarem posição sobre a guerra em curso no Oriente Médio.

"Nesse momento é capaz que Lula lidere o movimento junto com a África do Sul e outros países que suspenderam relações diplomáticas com Israel. Que isso possa ser entendido como indicativo de que Israel está perdendo apoios no seu crime contra a humanidade", avalia a historiadora Arlene Clemesha, diretora do Centro de Estudos Árabes da USP.

"Lula assumiu uma posição política como o genocídio em Gaza. Há muito tempo se acumulam as denúncias contra Israel e isso está se normalizando. Lula subiu o tom para chamar a atenção e está num contexto favorável", avalia Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. A fala do presidente brasileiro aconteceu durante a 37ª Cúpula da União Africana.

Nesta segunda-feira (19), Netanyahu convocou embaixador brasileiro em Israel para uma "dura conversa de repreensão", após ter afirmado no domingo que Lula cruzou a "linha vermelha". Como resposta o governo brasileiro convocou também o embaixador brasileiro em Israel. A queda de braço diplomática teve início após afala de Lula, no domingo, que compara o massacre das forças militares de Israel contra a população na Faixa de Gaza ao genocídio promovido por Adolf Hitler contra os judeus.

Reginado Nasser ressalta que Colômbia, Chile e Bolívia tiveram posições contundentes em relação a Israel no final de 2023, momento em que ele considera que a posição do presidente brasileiro ficou aquém do contexto regional. "Essa posição do Lula também vai ser importante na América Latina, ainda é um momento inicial, mas tem essa liderança em relação à questão de Gaza."

Mohammed Nadir, também avalia que a posição do governo Lula pode colocar o Brasil em uma posição de liderança  diante da desorganização do sistema penal internacional, provocada pelo desrespeito de Israel às legislações internacionais.

"Não esqueçamos que o Brasil é uma potência, aspirante a uma potência global e tem todas as condições para desempenhar esse papel. É um país que defende o multilateralismo, com um projeto de mexer com esse sistema internacional pós-Segunda Guerra mundial, que é dominado pelos Estados Unidos e seus seguidores europeus. Então há um contexto maior de potências regionais que estão contestando essa situação de desorganização do sistema interancional", disse.

O contexto da fala de Lula

Nasser acredita que a fala de Lula foi estratégica para chamar a atenção sobre o massacre em Gaza, já prevendo uma reação mais dura por parte do Estado israelense, quando se fala em Holocausto.

Para Arlene Clemesha, essa reação é uma tática de defesa utilizada por Israel para se proteger de ataques. "Era esperada a resposta de Netanyahu, a maneira de atuação da política do Estado de Israel tem sido acusar qualquer crítica que se faça à atuação do estado como antissemita. Essas comparações com o Holocausto são um dos pontos mais utilizados para atacar os oponentes. O que o Estado de Israel faz com a memória do Holocausto é instrumentalizar essa memória em benefício de suas políticas atuais", afirmou.

Bruno Huberman, professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP acredita que a fala de Lula no domingo foi espontânea, feita de improviso, e não uma decisão pensada do Itamaraty em conjunto com a Presidência da República.

"Embora o presidente mande na burocracia do Estado, existe uma relação ali que às vezes um constrange o outro. E o que a gente tem visto desde 7 de outubro é o presidente Lula puxando de alguma forma a burocracia do Estado para a esquerda, digamos assim, no caminho de uma solidariedade internacional com os palestinos. Porque essa movimentação do Lula a gente vê desde as primeiras semanas, de falar, por exemplo, que isso era um genocídio".

Hamas e Israel

Cobrado por um posicionamento em relação aos ataques do Hamas contra Israel no dia 7 de outubro, que resultaram na morte de cerca de 1,4 mil pessoas, o Ministério das Relações Exteriores se manifestou no dia 12 de outubro por meio de uma nota em que explicou a motivação do governo Lula para não adotar a classificação de grupo terrorista ao se referir ao Hamas. 

“No tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU”, disse a pasta no comunicado.

Na véspera do comunicado, um requerimento assinado por 61 deputados bolsonaristas, entre representantes do PL, Podemos, MDB, PSD e Republicanos, cobraram que o governo Lula (PT), por meio do Itamaraty, reconhecesse o Hamas como uma “organização terrorista”.

Uma semana após a divulgação da nota, no dia 20, o presidente brasileiro classificou pela primeira vez os atos de Hamas como terrorismo e classificou a reação de Israel como “insana”.

Em discurso durante a cerimônia de 20 anos do Bolsa Família, Lula chamou a atenção para o número de crianças mortas no conflito pelos ataques israelenses. "Hoje, quando o programa completa 20 anos, fico lembrando que 1.500 crianças já morreram na Faixa de Gaza. Que não pediram para o Hamas fazer ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse de forma insana e matassem eles. Exatamente aqueles que não tem nada a ver com a guerra, que só querem viver, que querem brincar, que não tiveram direito de ser criança",disse.

Netanyahu quer ‘acabar com a Faixa de Gaza’

No dia 25 de outubro, Lula usou pela primeira vez o termo “genocídio” para classificar os ataques de Israel contra Gaza em uma endurecimento do discurso contra a reação desproporcional de Israel em relação aos ataques do Hamas. 

“Não é uma guerra, é um genocídio que já matou quase 2 mil crianças que não têm nada a ver com essa guerra, são vítimas dessa guerra. E sinceramente, eu não sei como um ser humano é capaz de guerrear sabendo que o resultado dessa guerra é a morte de crianças inocentes”, disse.

Naquele dia, Lula tinha uma conversa por telefone com o emir do Catar como parte do esforço diplomático para a repatriação de brasileiros, diante do impasse entre as autoridades sobre a abertura da fronteira com o Egito. Naquele momento, o presidente brasileiro já havia conversado com líderes de diversos países, incluindo Israel, Autoridade Palestina, Egito, Irã, Turquia, França, Rússia e Emirados Árabes, com o objetivo de mediar uma solução para o conflito.

Naquele momento, o número de mortes em Gaza pelos ataques israelense já se aproximava de 5 mil pessoas. Dois dias depois, durante um café da manhã com jornalistas que cobrem a Presidência da República no Palácio do Planalto no dia 27, Lula endureceu novamente o discurso ao afirmar que o objetivo do  primeiro-ministro de Israel seria “acabar com a Faixa de Gaza”.

“Agora, o que nós temos é a insanidade do primeiro-ministro de Israel querendo acabar com a Faixa de Gaza, se esquecendo que lá não tem só soldado do Hamas, que lá tem mulheres e crianças, que são as grandes vítimas dessa guerra”, disse. Na ocasião, o presidente brasileiro deixou claro que seu governo não considera o Hamas como um grupo terrorista, apesar de adotar essa classificação para o ataque do dia 7.

 "Não queria que a imprensa brasileira tivesse dúvidas sobre o comportamento do Brasil. Ele só reconhece como organização terrorista aquilo que o Conselho de Segurança da ONU reconhece. E o Hamas não é reconhecido pelo Conselho de Segurança da ONU como uma organização terrorista, porque ele disputou eleições na Faixa de Gaza e ganhou. O que é que nós dissemos? Que o ato do Hamas foi terrorista", disse Lula.
 

Edição: Lucas Estanislau

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/02/19/ao-subir-o-tom-contra-israel-lula-coloca-brasil-na-lideranca-de-movimento-contra-massacre-em-gaza

Gaza: Parar a "carnificina" e restaurar a força do direito internacional

O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel

 
 
2202 opiniao -  (crédito: Caio Gomez)
2202 opiniao - (crédito: Caio Gomez)
José Geraldo de Souza Júnior
artigo de opinião postado em 22/02/2024 06:00- Correio Braziliense
 

O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel. No espaço das audiências públicas para ouvir a posição dos países-membros das Nações Unidas sobre os 56 anos de ocupação de Israel em territórios palestinos, que a CIJ realiza, a avaliação do Brasil busca interromper o curso de uma resposta unilateral de Israel que, descolada da via jurídica do direito internacional, acaba levando a uma ação não de força, mas de pura violência, "desproporcional e indiscriminada", que não expressa uma disposição de justiça e se cobre de finalidade geopolítica, neocolonial.

A intensidade da ação militar na região havia levado o presidente Lula a classificá-la como "genocídio", na esteira das preocupações lançadas pela CIJ, a ponto de comparar a ofensiva como equivalente àquela infringida aos judeus na Alemanha nazista. (https://www.cartacapital.com.br/mundo/mundo-nao-pode-normalizar-a-ocupacao-de-territorios-palestinos-por-israel-defende-o-brasil-em-haia/).

A manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita durante a 37ª Cúpula da União Africana, não foi um arroubo. Só a vê assim, aqueles que, por posicionamento ou tática política de mobilização de interesses e de alianças, estão de acordo com a prepotência da intervenção de força para concretizar hegemonias de qualquer matiz, estratégica, econômica ou ideológica. No local ou no global, acaba difundido uma narrativa que esconde a intencionalidade de suas razões, deslocando a objeção que deveria se dirigir ao argumento, para desqualificar o oponente.

Note-se que a manifestação não é a de uma voz isolada. O Vaticano pela palavra do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, também falou de uma resposta "desproporcional" em comparação com o ataque do Hamas. É preciso "parar a carnificina". O direito à defesa, o direito de Israel de garantir a justiça para os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina". (https://www.ihu.unisinos.br/636611-por-tras-das-frases-do-cardeal-parolin-tem-o-consentimento-de-francisco).

A posição do presidente Lula, desde o início do conflito, mantém-se coerente e firme, na chamada à mediação pelo direito internacional, como pela possibilidade mediadora de um conjunto de países, com assento na Assembleia-Geral, mas que não têm seus interesses estratégicos envolvidos na região e no conflito, ou em sua ideologia.

Em minha participação, juntamente com Cristovam Buarque — os dois únicos sul-americanos convidados e presentes no Colóquio Internacional de Argel - Encontro de Personalidades Independentes sobre o tema "Crise du Golfe: la Derive du Droit", instalado exatamente em 28 de fevereiro de 1991, dia do cessar-fogo na chamada Primeira Guerra do Golfo, o que procuramos foi indicar, a partir da premissa de convocação do Colóquio, que a crise coloca o direito à deriva, tendo perdido o seu rumo no trânsito ideológico entre a "historicidade constitutiva dos princípios que consignam a sua força e força mesma, representada como Direito porque formalizada como norma de Direito Internacional".

Já então, uma inquietação com o emprego hegemônico de razões de fato, para que, em qualquer caso, principalmente quando há nítida disparidade entre forças, inclusive militares, que se deixem arrastar por um pretenso "direito de violência ilimitada", cuja resultante "sugere a cessação da beligerância pelo aniquilamento inexorável de toda forma de vida". Minhas razões completas estão no texto A Crise do Golfo: a Deriva do Direito, in Sousa Júnior, José Geraldo de. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, p. 133-144).

O que urge é "restaurar a humanidade incondicional em Gaza". Essa é afirmação de um médico sem fronteiras (https://www.msf.org/unconditional-humanity-needs-be-restored-gaza). O que assistimos aqui, diz ele, em matéria que me enviou o querido amigo Alessandro Candeas, o incansável e presente diplomata brasileiro, embaixador do Brasil na Palestina: é um "bombardeamento indiscriminado [que] tem de acabar. O nível flagrante de punição coletiva que está atualmente a ser aplicado ao povo de Gaza tem de acabar". É preciso "parar a carnificina". Resgatar o humano que se perde nesse drama. E restaurar a mediação dos verdadeiramente fortes, que confiam e aplicam a força cogente (Hannah Arendt) do direito internacional e dos direitos humanos.

JOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR, Ex-reitor da UnB; membro benemérito do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília; coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/02/6806406-gaza-parar-a-carnificina-e-restaurar-a-forca-do-direito-internacional.html

 


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