Após 4 décadas, MST é um dos maiores movimentos populares da América Latina e disputa modelo de agricultura com o agro

Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Atualmente uma das demandas do movimento é que 200 mil famílias sejam assentadas até o fim do governo Lula - Foto: Gilvan Oliveira /MST

 

Há exatos 40 anos, na cidade de Cascavel (PR), pouco menos de 100 pessoas participavam do encontro que fundaria o movimento popular camponês mais longevo da história do país e um dos maiores da América Latina. Quadro décadas depois, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está organizado em 24 estados, com 185 cooperativas, 1,9 mil associações, 120 agroindústrias, cerca de 400 mil famílias assentadas e outras 70 mil vivendo em acampamentos.

Em uma estimativa simples, segundo a média nacional de 2,79 de pessoas por residência constatada pelo Censo de 2022, ao menos 1,3 milhão de pessoas são integrantes e vivem em territórios organizados pelo MST.

No marco deste aniversário de 40 anos, o MST vai realizar em julho o seu 7º Congresso Nacional, para o qual são esperadas cerca de 15 mil pessoas em Brasília.

O último evento do tipo foi em 2014, quando o movimento definiu que, para além da democratização do acesso à terra, é preciso disputar o modelo produtivo de agricultura. Foi aí que incorporou a palavra "popular" à reforma agrária que defende, reivindicando de forma mais contundente, por exemplo, os debates ambientalistas e a defesa da agroecologia.

No evento deste ano, o MST deve trazer pontos novos ao seu programa agrário e delinear as prioridades para o próximo período, além de fazer um resgate dos seus 40 anos de história.

'Já nasce com cicatrizes'

Para o geógrafo Bernardo Mançano, autor, entre outros, do livro A formação do MST no Brasil (Editora Vozes) e pesquisador da entidade desde o início, o Estado e os governos são as instituições que marcam os períodos mais difíceis para o movimento. Na sua visão, o momento mais crítico do MST foi nascer.

"O movimento nasce no seio da ditadura. Ele já nasce com cicatrizes políticas de um processo que prendeu e ceifou vidas, mas ainda assim consegue conquistar territórios e começar o processo de espacialização da luta", afirma Mançano.


Camponeses participam do I Congresso Nacional, no Paraná, um ano após a fundação do MST / Arquivo e Memória MST

O caldo que deu as bases para a fundação do MST foi o das lutas pela redemocratização na virada das décadas de 1970 e 1980, com ocupações de latifúndios feitas por agricultores no Rio Grande do Sul. Uma das mais icônicas foi a Encruzilhada Natalino, em dezembro de 1980, que recebeu grande apoio da Igreja Católica e da população da região.

"Aqueles colonos estavam numa tentativa de sobrevivência muito concreta, certamente não pensavam no que isso viria a ser. Mas olhando no retrovisor da história, foi uma inovação do formato de luta por terra no Brasil: a ocupação com lona preta", ressalta Ceres Hadich, da coordenação nacional do MST. "A Encruzilhada Natalino inaugurou um jeito de pensar a luta pela reforma agrária e fazer política que viria a ser uma das grandes marcas do MST", resume.

Gilmar Mauro, também da coordenação nacional, não esteve no encontro fundacional do MST em 1984, mas se incorporou logo no ano seguinte, quando completou 18 anos. Nascido na cidade de Capanema (PR), uma região de pequenos agricultores, Gilmar participou da ocupação de Marmelheiro, que em 1986 se tornaria um assentamento regularizado.

Esta foi uma das tantas tomadas de latifúndio que o movimento realizou na região Sul logo depois que surgiu. Inspirados em experiências anteriores como a das Ligas Camponesas e do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), os criadores do MST definiram que ele seria nacional e teria três objetivos: a luta por terra, pela reforma agrária e por transformação social.


Em seu I Congresso Nacional em 1985, MST se posiciona pelo fim da ditadura militar / Arquivo e Memória MST

"Tempos depois, as pessoas foram entendendo o que significava isso: não era uma luta simplesmente pelo reparto fundiário", ressalta Gilmar Mauro. "Isso é essencial, porque parte do movimento sindical e popular no mundo acho que cometeu equívocos por separar o que considera luta econômica e luta política. Tipo movimento sindical e popular devem fazer luta econômica e partido deve fazer luta política. Um movimento que se volta para este viés fica puramente economicista. E um partido que não tem vínculos com a realidade socioeconômica de um país vira uma burocracia", avalia. "São lutas inseparáveis", sintetiza.

No seu 1° Congresso Nacional, em janeiro de 1985, os sem-terra decidiram atuar sob os lemas "Terra para quem nela trabalha" e "Ocupação é a única solução". Cinco meses depois, 2,5 mil famílias participaram de 12 ocupações de latifúndios improdutivos em Santa Catarina.


Outdoor na rua convocava para o I Congresso Nacional do MST em 1985 / Arquivo e Memória MST

"Já no início o movimento experimentou a produção com cooperativas", relata Ceres. "A educação também sempre teve um papel fundamental. Percebemos que era preciso criar nosso jeito de educar, formular uma pedagogia sem-terra", conta, destacando a experiência das escolas itinerantes. São espaços educativos sem lugar fixo que se estabelecem dentro dos acampamentos, sendo desconstruídos e reconstruídos sempre que a comunidade é obrigada a mudar de local.

Em 1989 houve um debate interno sobre a possibilidade de o movimento se dividir em dois. Para Gilmar Mauro, foi um momento em que "se revelou a essência do MST". "Algumas pessoas defendiam que deveria ter um movimento de assentados e assentadas e outro daqueles que não tinham terra. O primeiro iria para as reivindicações de produção, crédito, etc. E o MST seguiria fazendo a luta por terra", conta.

"Decidimos que não iríamos separar, que o MST era um só e que enquanto existir uma família de sem-terra nesse país, todos somos sem-terra. Isso foi um marco fundamental na nossa história", expõe Gilmar.

A violência, a reação e o boom do MST


Marcha histórica do MST com 100 mil pessoas em Brasília em 1997, no marco de um ano do massacre de Eldorado do Carajás / Douglas Mansur / Arquivo e Memória MST

Pouco depois, o movimento enfrentaria a sua década mais sangrenta, mas também aquela em que se fez conhecer pelo Brasil. Se a violência no campo esteve presente ao longo dos 40 anos do MST, para Hadich o período entre 1995 e 2010 é aquele em que a conjugação "Estado, milícia e latifúndio se revela especialmente".

O massacre de Eldorado do Carajás, que fez do 17 de abril o dia mundial de luta pela terra, é o mais emblemático destes episódios.

No entardecer daquele dia de 1996, cerca de 1,5 mil sem-terra chegavam ao local conhecido como Curva do S, no sudoeste do Pará. Caminhando já há uma semana, pretendiam ir até Belém para reivindicar ao Incra a desapropriação de uma fazenda. Nunca chegaram. Cercados e atacados por 155 policiais militares, 21 camponeses foram assassinados e 79 ficaram feridos.


Em memória dos mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, o MST realiza jornadas de luta anuais no mês de / Amnesty International

A comoção com o ataque, que teve cenas televisionadas, foi imensa. O debate sobre a reforma agrária tomou o centro da agenda política do país. Em 1997, três marchas simultâneas convocadas pelo MST saíram de pontos diferentes do país e caminharam por cerca de dois meses até chegar a Brasília no dia em que o massacre completou um ano, numa confluência de cerca de 100 mil pessoas.

"Foi histórico. Mas não foi o MST que colocou 100 mil. Foi a sociedade que aderiu. E colocou o movimento em outro patamar", salienta Gilmar Mauro.

Naquele 17 de abril de 1997 foi lançado o livro de fotos Terra, de Sebastião Salgado, sobre luta pela terra, com uma apresentação do escritor português José Saramago e acompanhado por um CD de Chico Buarque. Os três artistas doaram os direitos autorais do trabalho ao MST que, com o dinheiro arrecadado, construiu a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP).


A construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, referência internacional de espaço de formação política / Arquivo e Memória MST

Fernando Henrique Cardoso (PSDB), então na presidência da República, se viu pressionado a criar o Ministério do Desenvolvimento Agrário (extinto em 2016 pelo governo Temer e reinstituído em 2023 com o governo Lula). Em 1998, como fruto de uma demanda do MST, surge o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). De lá para cá, 191 mil jovens camponeses ingressaram em 531 cursos em todos os estados brasileiros.

É nesse período pós massacre de Eldorado do Carajás que a TV Globo transmite a novela O rei do gado. Com um enredo que envolve um romance entre uma sem-terra e um fazendeiro, a novela teve, na avaliação de Gilmar Mauro, "o intuito de domesticar o MST, de desfazer o conflito. Mas teve o efeito contrário. Acabou difundindo o tema da reforma agrária e o MST a nível nacional".

Para Gilmar, 1997 é um ano de virada para o movimento. "Ganhamos as cidades. Principalmente as universidades. Muita gente entra para o movimento. Até surge uma palavra de ordem na época: 'reforma agrária se faz no campo, mas se conquista na cidade'", relembra.

O crescimento, no entanto, não fez cessar a violência. Para Ceres, um dos marcos da nova roupagem da repressão, acompanhando as mudanças do agronegócio a partir dos anos 2000, com o boom da exportação de commodities, os transgênicos e a financeirização, foi a morte de Keno, como era conhecido o agricultor Valmir Mota de Oliveira.

Em outubro de 2007, aos 34 anos, Keno foi assassinado por seguranças contratados pela transnacional suíça Syngenta. Ele participava, com outras 150 pessoas da Via Campesina – articulação internacional de movimentos populares do campo que o MST integra –, de uma ocupação na cidade de Santa Tereza do Oeste (PR). A ação denunciava a ilegalidade dos experimentos que a empresa, uma gigante do setor de transgênicos e agrotóxicos, fazia na área.

Os militantes foram atacados por 40 homens armados da empresa NF Segurança. Além de Keno, a agricultora Isabel Nascimento de Souza foi colocada de joelhos para ser executada. Quando o tiro veio, ela ergueu a cabeça e foi atingida no olho direito. Ficou cega, mas sobreviveu. Outros três ativistas ficaram feridos. Em 2018, a Syngenta foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

"O diferencial do assassinato do Keno pela Syngenta é que a gente não estava falando mais da violência do latifundiário, do jagunço. A gente estava falando da transnacional, daquela empresa que está no mundo impondo os transgênicos, que tem sede na Suíça", caracteriza Hadich. Hoje, no local onde Keno foi morto funciona o Centro de Pesquisas em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira.

As décadas de 1990 e 2000, analisa Ceres, "revelaram a violência do capital e do agronegócio e, nesta dor, nos permitiu ser acolhidos pela sociedade brasileira. Escancarou isso: são trabalhadores pobres do campo que não têm nada, que estão numa luta digna e estão apanhando, morrendo por conta disso. Foi um período que, contraditoriamente, nessa violência e nesse luto, revelou à sociedade um MST que ninguém conhecia".

Transição para a disputa de modelo

Outra virada na história do MST aconteceu em 2014. A agroecologia – modelo de agricultura baseado em princípios ecológicos e relações socialmente justas, sem uso de fertilizantes sintéticos, agrotóxicos ou sementes transgênicas – já vinha sendo incorporada pelo movimento desde o início dos anos 2000. Foi no último congresso, no entanto, que o MST consolida o entendimento de que o enfrentamento ao agronegócio é, para além da disputa pelo pedaço de chão, uma disputa de modelo, sobre como se trabalha naquela terra.


Ação de distribuição de alimentos e combate à fome durante a pandemia de covid-19 em Florianópolis / Monte Serrat /Arquivo e Memória MST

"Entendemos que não faz sentido a defesa de uma reforma agrária puramente distributivista e produtivista, ao estilo clássico. Mas que no Brasil, pelas condições características, precisaríamos avançar para outro tipo, sim de reparto fundiário, mas pensando de outra forma a questão ecológica, produtiva, alimentos saudáveis e assim por diante", explica Gilmar Mauro. "É um salto de qualidade imenso", resume.

Neste ano de 2024, o 7º Congresso Nacional deve sistematizar o próximo salto. "Essa é uma grande expectativa", diz Ceres Hadich: "acertar na síntese que vai apontar por onde vamos caminhar nos próximos anos".

Edição: Nicolau Soares

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/01/22/mst-completa-40-anos-e-se-torna-o-movimento-popular-campones-mais-longevo-da-historia-do-brasil

 

MST 40 anos: confira 10 filmes que ajudam a conhecer e entender a história do movimento

Documentários retratam parte da luta cotidiana de pessoas em busca da reforma agrária popular

Redação
Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
"Chão" mostra a luta de acampados em busca da garantia por terra em Goiás - Divulgação

Às vésperas de completar 40 anos de história, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fez e faz parte das vidas de milhares de pessoas. E muitas dessas histórias são contadas em filmes que ajudam a entender como o movimento nasceu, cresceu e se consolidou. O Brasil de Fato apresenta agora uma lista de dez desses filmes – e há muitos outros mais.

Chão, de Camila Freitas

O filme, exibido em festivais internacionais, conta a história de mais de 600 acampados e da luta pela reforma agrária em zona dominada pelo agronegócio no Sul de Goiás. O cenário são as terras de uma usina de cana-de-açúcar em processo de falência, que são ocupadas pelas famílias. Entre outros destaques, recebeu os prêmios de melhor filme pelo Público e o troféu especial do júri no Festival Internacional de Cinema de Curitiba.

Raiz Forte, de Aline Sasahara e Maria Luisa Mendonça

Lançado em 2000, o documentário trouxe uma visão muito diferente do MST, em comparação com aquela que era (e ainda é) apresentada pela mídia hegemônica. Raiz Forte mostra pessoas que se juntaram ao movimento contando suas histórias sobre as buscas por terra e oportunidades em diferentes partes do país: Bahia, Pará, Paraná e Pernambuco.

A Classe Roceira, de Berenice Mendes

Um filme produzido ainda nos anos 1980, quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra dava os primeiros passos, A Classe Roceira mostra a luta por terra no Paraná e a formação do movimento no estado, no contexto do primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária.

Mulheres em Luta, Semeando Resistência

Quase 4 mil mulheres participaram da primeira edição do Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, em Brasília, em março de 2020. O momento histórico foi registrado e virou curta-metragem, que ajuda a relembrar e celebrar a luta feminina no Movimento.

 LGBT Sem Terra: o amor faz revolução

Produzido pela Brigada de Audiovisual Eduardo Coutinho, o curta-metragem apresenta relatos sobre cotidianos, lutas, sonhos e conquistas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nos assentamentos e acampamentos do MST. "Este documentário traz uma mensagem sincera e necessária sobre o amor, pois nestes tempos de ódio e perversidade, amar é um ato revolucionário", resumiu Alessandro Mariano, do Coletivo LGBT Sem Terra, quando o filme foi lançado, em 2020.

Sem Terrinha em Movimento: Brincar, Sorrir, Lutar

Realizado em 2018, o primeiro Encontro Nacional dos Sem Terrinha reuniu mais de mil crianças de todo o Brasil para debater os direitos sociais, a educação, a proposta de reforma agrária popular e alimentação saudável. Como não poderia deixar de ser, o encontro teve muita brincadeira, oficinas de arte e cultura e outras atividades. O curta-metragem Sem Terrinha em Movimento: Brincar, Sorrir, Lutar conta um pouco do evento e ajuda a mostrar o dia a dia dessas crianças.

Terra para Rose, de Tetê Moraes

Também lançado nos primeiros anos de atividade do MST, Terra para Rose, de Tetê Moraes, mostra a determinação de um coletivo de trabalhadores rurais sem terra no Rio Grande do Sul. Rose, que dá nome ao filme, representa mais de 100 mil trabalhadores que compunham o grupo na época.

Ocupar, Resistir e Produzir! - As feiras do MST

Realizadas em diversas partes do país, as feiras do Movimento Sem Terra são momentos de comunhão, celebração e de fazer com que mais pessoas conheçam a luta e o dia a dia do movimento. No filme Ocupar, Resistir e Produzir! - As feiras do MST é possível ver como funcionam os eventos. "Nós seguimos em luta, pois acreditamos que outro modelo de produção é a base de uma sociedade livre e justa. Alimentar é um ato político!", destaca o movimento ao apresentar o filme.

20 Anos de História: Escolas Itinerantes

Lançadas em 2003, as Escolas Itinerantes do MST foram criadas diante da necessidade de garantir o acesso à educação para as famílias Sem Terra. O projeto, que completou 20 anos no ano passado, é apresentado no documentário 20 Anos de História: Escolas Itinerantes, que narra a trajetória do projeto no interior do Paraná e mostra a importância da ferramenta para a Reforma Agrária Popular.

ENFF: Uma Escola em Construção

Fundada em 23 de janeiro de 2005, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do MST, é um espaço para formação política, aberto a todo público. O documentário ENFF: Uma Escola em Construção mostra como foram os primeiros passos do projeto e o funcionamento da escola, que fica em Guararema (SP).

Edição: Nicolau Soares

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/01/21/mst-40-anos-confira-10-filmes-que-ajudam-a-conhecer-e-entender-a-historia-do-movimento

Marco para o MST, exemplo de formação e produção coletiva: conheça a história do assentamento Annoni

Movimento Sem Terra completa 40 anos com exemplos de ocupações que viraram assentamento e desafiam lógica do agronegócio

Brasil de Fato

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Hoje são 423 famílias, organizadas em sete assentamentos - Roberto Santos/Arquivo e Memória do MST

A história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que completa 40 anos nesta semana, passa por uma terra no interior do Rio Grande do Sul. A Fazenda Annoni, no município de Sarandi, é umas das primeiras grandes ocupações realizadas após a constituição do movimento Sem Terra, em janeiro de 1984.

Antes de ser ocupado pelo MST, o local era dominado por capim, relatam os militantes que participaram daquela ação em outubro de 1985.

"Aqui só tinha capim. Não tinha nada nessa área aqui, absolutamente nada. Se você tem um pé de árvore aqui é porque foi plantado pelas famílias que vieram para cá", lembra a agricultora Irene Lill.

Na edição desta terça-feira (23) do programa Bem Viver, você confere os detalhes da visita do Brasil de Fato à Fazenda Annoni, que desde 1993 é um assentamento regularizado.


Na região conhecida como "berço da soja no Rio Grande do Sul", cooperativa do MST produz variedade de gêneros alimentícios para consumo próprio e comercialização / Pedro Stropasolas/Brasil de Fato

Hoje são 423 famílias, organizadas em sete assentamentos equipados com escolas, ginásios, igrejas, espaços de lazer, energia elétrica, água encanada e saneamento básico.

Essa organização se reflete também na produção de alimentos in natura e processados, contrapondo o cenário que se vê nas terras vizinhas do assentamento. Todo nordeste gaúcho é dominado pela plantação de soja transgênica.

"Nós hoje aqui produzimos leite, nós produzimos comida, carne, toda a produção para alimentação, para sair da monocultura, para enfrentar a monocultura e dar uma resposta para a sociedade. Para melhorar o padrão alimentar da sociedade com a nossa produção, com o nosso trabalho", explica Irene Lill, uma das responsáveis pela Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata (Cooptar).

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A área total de terra da cooperativa é de 205 hectares, sendo 12% de mata nativa. A variedade de alimentos plantados em hortas ao redor da agrovila abastece as cozinhas das famílias e também o refeitório coletivo. O excedente é comercializado por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

O leite é vendido a outra cooperativa situada na Annoni, a Cooperativa Agropecuária e Laticínios Pontão Ltda (Cooperlat), criada em 2006, e que hoje fornece laticínios para ao menos 50 escolas da região.

A educação é um dos focos dos assentados. Desde 2005 existe o Instituto Educar, que oferece ensino técnico em agropecuária com foco em agroecologia.

O Educar ainda oferece o curso de graduação em Agronomia e vai formar sua terceira turma de engenheiros agrônomos do movimento em março de 2025, no marco de 20 anos do instituto.

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Além dos números, a grandeza do MST se demonstra também no desafio que faz à lógica do agronegócio. Enquanto o país vê, ano após ano, crescer a quantidade de hectares de produção de soja transgênica, o Movimento Sem Terra aposta em outro caminho.

Na Fazenda Annoni, o MST investe em um experimento com 17 hectares de soja não-transgênica, com uso de bioinsumos e da semente convencional da planta.


Acampamento da Antiga Fazenda Annoni / Foto: Arquivo MST

"Nossa plantação só não é orgânica porque ainda precisamos usar herbicidas para controle de ervas daninhas, mas pretendemos fazer isso de forma mecanizada, usando máquinas apropriadas", explica Isaias Verdovatto, um dos responsáveis pela produção do assentamento.

O agricultor esteve naquele 29 de outubro de 1985, quando a história da Fazenda Annoni recomeçou.

"Eu cortei a cerca e desbarrancamos com a enxada para os caminhões passarem. E aí quando entrou foi só alegria, né. Foi uma zoada", conta Verdovatto sobre como foi a noite de ocupação, que mobilizou 1,5 mil famílias sem-terra.

No aniversário de 40 anos do MST, fica evidente como, de fato, é o movimento camponês mais importante do Brasil, organizado em 24 estados, com uma estrutura produtiva diversa. São 185 cooperativas, 1,9 mil associações e 120 agroindústrias.

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Edição: Nicolau Soares

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/01/23/marco-para-o-mst-visitado-por-paulo-freire-e-exemplo-de-producao-coletiva-conheca-a-historia-do-assentamento-annoni

 

Quatro décadas do MST: Reforma agrária e educação. Artigo de Gaudêncio Frigotto

"O fechamento do PRONERA pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e a patética e desmoralizada CPI contra o MST é o reconhecimento de que o que se plantou e ampliou nestes 40 anos não vai ser interrompido. Mais que isto, o horizonte da Reforma Agrária Popular para o conjunto da sociedade brasileira tem como interpelação e exigência um projeto de educação sob a direção dos trabalhadores do campo e da cidade. Esta é a diretriz que nos lega o patrono do MST Florestan Fernandes", escreve Gaudêncio Frigotto, filósofo e educador, professor titular emérito aposentado na Universidade Federal Fluminense. Atualmente professor colaborador no Programa de Pós graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) e no Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Eis o artigo.

Qualquer brasileiro que tenha um mínimo de responsabilidade, que tenha consciência da situação social real do nosso país, tem o dever de acompanhar e apoiar o trabalho e a luta do MST.
(Sebastião Salgado)

Acompanho ativamente desde seu nascimento o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Um movimento que surge não somente pela negação histórica da Reforma Agrária, mas, além disto, como expressão da forma que o capitalismo canibal, como o define a filósofa americana Nancy Fraser, avançou no campo a partir, sobretudo da década de 1970. Um processo escandaloso de concentração de propriedade sob o manto da ditadura empresarial militar deflagrada em 1964 e que se prolongou por 21 anos.

O MST ao lutar pela Reforma Agrária Popular reitera a luta dos escravos e de suas lideranças no processo da abolição da escravidão. Como observa Luiz Felipe Alencastro, a oligarquia agrária somente concordou com a abolição formal da escravidão, mediante a negação da luta dos abolicionistas que queriam que os escravos não apenas fossem libertos, mas tivessem como indenização uma quantidade de terra para produzir sua sobrevivência. O fracasso da reforma agrária, observa Alencastro, teve seu início nesta negação.

O que é cínico que 136 anos depois, não mais os barões da escravidão, mas de seus sucedâneos da expansão agrícola e concentração de propriedade das terras pelo agronegócio, os argumentos dos grandes proprietários de terras, do capital financeiro e industrial sejam os mesmos do escritor e político cearense Jose de Alencar. Percebendo as tendências abolicionistas nos quadros da Monarquia em 1871 advertia o que poderia ocorrer com a abolição: “Tolerado semelhante fanatismo do progresso, nenhum princípio social fica isente de ser ele atacado mortalmente ferido. A mesma monarquia, senhor, pode ser varrida para o canto entre o cisco das ideias estritas e obsoletas. A liberdade e a propriedade, essas duas fibras sociais, caíram desde já em desprezo ante os sonhos do comunismo”. (Ver: Juremir Machado da Silva. Raízes do conservadorismo brasileiro. A abolição na imprensa e no imaginário social. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2018, p. 75).

Nestes quarenta anos a luta, como destacou ao final da década de 1990 João Pedro Stédile, uma de suas mais importantes lideranças, o MST teve e tem que enfrentar três cercas: a do latifúndio, da ignorância e a do capital. Desde sua fundação como movimento orgânico, bravamente avançou na ruptura das duas primeiras cercas. A terceira, a do capital, desde os debates da Reforma Agrária Popular, o MST sinaliza que esta é uma questão a ser coletivamente enfrentada por todos os movimentos do campo e da cidade que queiram alimento saudável e futuro minimamente previsível.

O que se tem de Reforma Agrária nestes 40 anos é o rompimento das cercas do latifúndio improdutivo ou de terras públicas apropriadas indevidamente forçando assentamentos. Isto à custa de muito sofrimento e de muitas perdas de seus lutadores. Quando os grandes proprietários e a mídia que os representam propalam que o agronegócio dá segurança alimentar escondem duas realidades perversas em nossa sociedade: a fome endêmica de mais de trinta milhões de brasileiros e de outros 170 milhões com insuficiência alimentar; e, que uma reforma agrária como a maioria das nações civilizadas já fez, com pequenas e médias propriedades com assistência técnica com base na ciência da agroecologia, produziria a mesma quantidade ou mais, dando-nos soberania alimentar.

Mas, certamente, é no enfrentamento da cerca da ignorância que o MST é amplamente vitorioso e exemplar para o conjunto da sociedade. Nestas quatro décadas o MST afirmou a tese da educação “do campo” e não para ou no campo. “Do campo” para superar uma dupla deformação: a de um ensino e processos formativos colonizadores e de uma educação que ignorava que os campesinos são sujeitos de cultura, de conhecimento e portanto, o ponto de partida do processo pedagógico para uma formação por inteiro. Um processo, como afirma Roseli Caldart, educadora do MST, em seu clássico livro Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola (Petrópolis/RJ, Editora Vozes 2000), que não começa na escola, mas na sociedade e retorna para a sociedade.

Esta é a perspectiva de educação, realçando os valores do coletivo, da solidariedade, do principio do trabalho socialmente útil como tarefa de todos que se pautam as escolas dos assentamentos. A construção da Escola Florestan Fernandes, referência mundial de formação de novas lideranças, tem este DNA. Desde o processo de construção deu-se pelo trabalho coletivo e solidários de brigadas de jovens e adultos campesinos e se repete em todas as atividades formativas que lá se realizam.

Com a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) em 1988, especialmente ao longo dos Governos liderados pelo Partido dos Trabalhares (PT) deu novas perspectiva para os jovens do campo. A perspectiva da educação “do campo” penetrou os umbrais das Universidades, especialmente as públicas, criando centenas de cursos de licenciatura do campo, alguns programas de pós graduação com esta modalidade, formação de pesquisadores, etc. Um passo ainda mais importante foi a criação da Universidade Fronteira Sul, fruto da luta coletiva do MST outros movimentos sociais do campo. Em nenhum desses espaços o “céu é de brigadeiro”. Pelo contrário, move-se no duro e cotidiano embate da luta de classe.

O fechamento do PRONERA pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e a patética e desmoralizada CPI contra o MST é o reconhecimento de que o que se plantou e ampliou nestes 40 anos não vai ser interrompido. Mais que isto, o horizonte da Reforma Agrária Popular para o conjunto da sociedade brasileira tem como interpelação e exigência um projeto de educação sob a direção dos trabalhadores do campo e da cidade. Esta é a diretriz que nos lega o patrono do MST Florestan Fernandes.

“O que a Constituição negou, o povo realizará. Mas ele não poderá fazê-lo sem uma consciência crítica e negadora do passado, combinada a uma consciência crítica e afirmadora do futuro. E essa consciência, nascida do trabalho produtivo e da luta política dos trabalhadores e dos excluídos, não depende da educação que obedeça apenas à fórmula abstrata da “educação para um mundo em mudança”, mas sim da educação como meio de autoemancipação coletiva dos oprimidos e de conquista do poder pelos trabalhadores”.
(Florestan Fernandes, O desafio educacional, São Paulo, Editora Expressão Popular, 2020, p. p.29).

Um viva os 40 anos do MST e às bravas e bravos lutadores que dia a dia o sustentam e o ampliam.
 

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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/636206-quatro-decadas-do-mst-reforma-agraria-e-educacao-artigo-de-gaudencio-frigotto

 


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