A publicação é um marco na imprensa negra gaúcha e brasileira. Idealizada por um grupo de jornalistas negros, ela se propunha, naquele momento de ditadura militar

opinião -  (crédito: Caio Gomez)
Publicado no jornal Correio Braziliense em 16/09/2023 

 EMÍLIO CHAGAS e JEANICE RAMOS

Lançada em Porto Alegre (RS), em 1978 — então, a primeira publicação negra no Brasil depois de mais de 30 anos — a revista Tição é um marco na imprensa negra gaúcha e brasileira. Idealizada por um grupo de jornalistas negros, ela se propunha, naquele momento de ditadura militar, a ser um brado contra a discriminação racial, a violência policial, e denúncia da falta de mercado de trabalho, do racismo e, ao mesmo tempo, de exaltação da descoberta da negritude, dos valores afro-brasileiros, da estética e cultura negras. À frente, estavam os fundadores Jorge Freitas, Emílio Chagas, Jeanice Ramos, Vera Daisy Barcellos, grupo ligado ao jornalismo, ao qual se somaram outros três fundadores históricos: o poeta e pesquisador Oliveira Silveira, o sociólogo Edílson Nabarro e o militante Walter Carneiro. Já o jornalista Jones Lopes passa a integrar a equipe a partir da segunda edição.

Foi a primeira publicação voltada para a militância e temática negras no país, trazendo temas que seriam recorrentes ao futuro movimento negro, que se organizaria no país a partir dali. As perspectivas da Tição eram de combate, enfrentamento e denúncia, buscando formar consciência e sentimento de pertencimento na população negra. Há 45 anos, a realidade da comunidade negra brasileira era muito diferente da atual, embora a sua situação de exclusão e discriminação, em essência, seja a mesma. É importante registrar que naquela época não havia nenhuma entidade oficial/governamental que contemplasse ou representasse a comunidade negra. Os negros nos cursos superiores eram raros, e as políticas afirmativas e cotas, então, inimagináveis — assim como ministério, secretarias ou políticas públicas para o povo negro. A sua visibilidade restringia-se aos clássicos, permitidos e limitados espaços: futebol, música, carnaval, etc.

O primeiro número da revista circulou em março de 1978, exibindo na capa a imagem de um menino negro, enquanto o segundo, em 1979, estampava a fotografia, a cores, de um amalá de Xangô. Eram afirmações da realidade e do imaginário da negritude. Em 1980, circulou a última edição, em versão jornal, com apenas quatro páginas. A vendagem das revistas era típica das publicações alternativas da época: espaços culturais, estudantis, redutos negros etc, e uma precária comercialização em bancas de jornais e revistas.

Planejamento era inconcebível e incompatível com o momento e com a proposta alternativa e militante. Criando grande expectativa na comunidade negra de Porto Alegre, o grupo, além da edição das revistas, também acabou se envolvendo em outras atividades, principalmente de cunho cultural, como Mostra de Cinema Negro e o espetáculo Música Negra do Sul, no Clube Náutico Marcílio Dias — uma tentativa de aproximação com a grande “maioria silenciosa” da sociedade negra porto-alegrense.

A publicação começou a ser gestada em meados dos anos 1970, quando a ditadura militar mostrava sua dura face. Mesmo assim, a Tição teve a coragem de abordar temas cruciais (que permanecem até hoje) e bandeiras históricas — sem, contudo, deixar de exaltar e tratar das demais questões sob a ótica da negritude como educação, música, literatura, estética, carnaval, política, história, religião, futebol, entre outros. O contexto da época ainda trazia reflexos do movimento negro dos Estados Unidos (EUA) — a onda Black Power e os Panteras Negras; os movimentos de libertação do colonialismo das nações africanas, como Guiné Bissau, Angola e Moçambique e a influência de sociólogos como Florestan Fernandes e Clóvis Moura.

O surgimento da revista contribuiu para a formação do movimento negro contemporâneo a partir daí. Objeto de estudos e pesquisas acadêmicas, entrevistas dadas à revista, nesses seus 45 anos, continuam atuais em sua temática, mesmo com as alterações no quadro da realidade racial existente. Existe hoje outra conjuntura, mas na essência a luta antirracista continua a mesma, agravada pela exclusão social e o recrudescimento do racismo. Mercado de trabalho discriminatório, desigual e excludente; violência policial institucionalizada; genocídio da juventude negra, entre outras realidades, mostram que o resgate da revista, enquanto documento e registro histórico, e a sua volta, são fundamentais para prosseguir na denúncia, no enfrentamento e na luta antirracista.

Emílio Chagas e Jeanice Ramos - Jornalistas e fundadores da Tição

 

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2023/09/5125755-artigo-revista-ticao-quatro-decadas-de-resistencia-negra.html

 


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