"A marcha das Margaridas, tipicamente feminina, parece não temer nem o risco de suas vidas. Contra a inércia coletiva e o paternalismo estatal, bem ou mal intencionado, contra a estratégia capitalista de tratar como invisíveis, ou inexistentes, as/os camponesas/es e trabalhadoras/es rurais, no quanto atrapalham ou impedem a emancipação das mulheres e dessas organizações", escreve Jacques Távora Alfonsin procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

 

Dias 15 e 16 deste agosto, estão sendo esperadas em Brasília mais de 100.000 mulheres, para a já famosa “Marcha das Margaridas”, uma caminhada de encontros e reuniões de mulheres, especialmente das trabalhadoras rurais e camponesas do Brasil e da América Latina, que visa empoderar uma renovada pauta de reivindicações relacionadas com os direitos humanos dos seus direitos ameaçados ou desrespeitados.

Em quase 20 anos de história, essa é a sexta vez que elas se reúnem e, agora, com o lema Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência, conforme noticia o Brasil de Fato, edição do dia 9 deste mês.

Toda essa mobilização feminina, vale recordar, inspira-se em Margarida Alves, uma das primeiras mulheres brasileiras a presidir sindicato, dotada de extraordinária coragem em defesa da vida, das condições de trabalho e emprego das/os trabalhadoras/es rurais e camponesas/es do Brasil. Dia 12 deste agosto, venceram-se 40 anos do assassinato dessa mulher, em Alagoa Grande, município do Estado da Paraíba e, m 12 de agosto de 2021, para marcar bem uma data a não ser esquecida, o site G1 revelou como “a historiadora Ana Paula Romão, pesquisadora de memórias camponesas, educação das relações étnico-raciais e ensino da história” resumia a militância de Margarida Alves: “a luta de Margarida Maria Alves era pelos direitos trabalhistas do campo, pela educação e pelas mulheres.” “Ela lutou muito pelo direito à carteira profissional, à carteira de trabalho, documentos do trabalhador do campo. Ela fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto com Paulo Freire. Ela também fundou o movimento Mulheres do Brejo

Passados tantos anos, desde essa morte matada, como dizia João Cabral de Melo Neto, seria mais do que licito esperar-se que a violenta reação latifundiária contrária aos direitos trabalhistas das/os trabalhadoras/es rurais e camponesas/es e os direitos fundamentais relacionados com o acesso à erra, tivessem diminuído, no campo brasileiro. Não foi e não é o que tem acontecido e ainda se verifica. Em 5 de julho de 2019, por exemplo, o site “Último Segundo” noticiou o seguinte:

“Entre 1985 e 2018, 1938 pessoas foram executadas em conflitos por terra, água e trabalho no Brasil e 1789 desses casos (92%) continuam sem qualquer responsável julgado ou preso. A informação é de um levantamento inédito da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que aponta os crimes e julgamentos registrados neste período. O trabalho escancara a impunidade que protege mandantes e executores há mais de três décadas, em especial no estado do Pará, onde foram registrados mais de 40% de todos os casos no país. Do total de mortes, apenas 370 tiveram suspeitos identificados, mas apenas 117 julgamentos foram realizados. As condenações foram realizadas apenas para pouco mais da metade dos mandantes apontados pela polícia e um terço dos executores identificados.”

Com os assassinos de Margarida Alves não foi diferente. Ninguém foi preso, a não ser um deles e por pouco mais de três meses. Fatos dessa gravidade, somados à violência com que, nos últimos quatro anos, as agressões à natureza, o desmatamento, a mineração não fiscalizada, o mercúrio jogado às águas dos rios, o uso abusivo dos agrotóxicos, as invasões de terra quilombolas e indígenas, o descaso com a grilagem, motivam A “Marcha das Margaridas” deste ano, sob redobrado empenho e vigor, como se pode ver pela lista de reivindicações que elas estão levando ao Governo federal, de acordo com nota que o próprio Ministério das Mulheres publicou em 22 de junho passado:

“Construído de forma coletiva, o documento está estruturado em 13 eixos políticos que apontam para a reconstrução de um Brasil sem fome e sem violência: 1. Democracia participativa e soberania popular; 2. Poder e participação política das mulheres; 3. Vida livre de todas as formas de violência, sem racismo e sem sexismo; 4. Autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e a sua sexualidade; 5. Proteção da natureza com justiça ambiental e climática; 6. Autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética; 7. Democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios (territórios costeiros, influenciados pela maré); 8. Direito de acesso e uso social da biodiversidade e defesa dos bens comuns; 9. Vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional; 10. Autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda; 11. Saúde, previdência e assistência social pública, universal e solidária; 12. Educação pública não sexista e antirracista e direito à educação do e no campo; 13. Universalização do acesso à internet e inclusão digital.”

A grandeza desses meios e fins de clara emancipação feminina pressupõe, evidentemente, um outro modelo de economia para uma nova vida. De economia, aquela que garanta bem-estar para todas/os as/os brasileiras/os não centrada exclusivamente no interesse próprio individual e no lucro, como a que nos infelicita atualmente. De vida, como aquela sonhada por Margarida Alves, na qual a vida, a cidadania e a dignidade de cada pessoa não sejam vividas sob a indiferença, a hostilidade ou a opressão sobre a vida das outras.

Bem examinadas cada uma daquelas metas e dos direitos que lhes correspondem, na marcha das Margaridas, já é perfeitamente visível, por um lado, ali identificarem-se as causas das injustiças individuais e sociais que as mulheres padecem e, por outro lado, o extraordinário peso dos encargos que elas, juntamente com os Poderes Públicos, querem assumir empoderar para vencê-las. Para isso, parece que Margarida Alves poderia estar agora nos advertindo de que: “Os latifundiários e seus representantes empregam uma grande variedade de táticas contra os movimentos incipientes. A intimidação, o isolamento, a corrupção ou a eliminação dos dirigentes (!) e dos líderes potenciais dos movimentos camponeses parecem ter sido os mais frequentes... Em todos os casos, o esforço para criar organizações camponesas verdadeiramente representativas só pode ser empreendido por pessoas dispostas a arriscar suas vidas.” (in “Teologia da TerraMarcelo Barros e José L. Caravias, Petrópolis: Vozes, 1988, p. 52).

marcha das Margaridas, tipicamente feminina, parece não temer nem o risco de suas vidas. Contra a inércia coletiva e o paternalismo estatal, bem ou mal intencionado, contra a estratégia capitalista de tratar como invisíveis, ou inexistentes, as/os camponesas/es e trabalhadoras/es rurais, no quanto atrapalham ou impedem a emancipação das mulheres e dessas organizações, Margarida Alves parece estar avisando também, com os mesmos autores: “O perigo, no qual se cai com frequência, é ficar parado em atitudes servis, contentando-se com migalhas e isolando-se do resto. Mas, bem aproveitados, esses movimentos reivindicadores podem servir para pôr em marcha (!) autênticas organizações camponesas, contanto que saibam se desligar a tempo do paternalismo estatal e sigam adiante em suas lutas {...} de uma forma autônoma. Trata-se de recuperar o vazio que deixa o capitalismo deforma que o camponês continue conservando e fomentando sua identidade.” (Idem. Grifos nossos).

Vão Margaridas. Por seu exemplo e coragem, o povo de todo o país está agradecido e confiante no sucesso da marcha de vocês.

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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/631442-marcha-das-margaridas-uma-pauta-de-defesa-das-mulheres-que-exige-uma-outra-economia-e-um-novo-direito-para-uma-nova-vida

 


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