Neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, professores e estudantes de comunidades tradicionais afirmam que a data deve ser tratada como um momento para relembrar as lutas que ainda devem ser enfrentadas; atividades na USP apresentam cotidiano de escolas indígenas

  Publicado: 09/08/2023 - Jornal da USP

 

Texto: Danilo Queiroz*

Arte: Carolina Borin e Joyce Tenório**

 

Em comemoração ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, a USP celebra a existência, em todo o País, de docentes, funcionários e estudantes que pertencem às mais de 200 comunidades tradicionais localizadas no território brasileiro. 

Não é apenas hoje, e nem em abril, que a Universidade celebra. Durante todo o ano, grupos de estudos, pesquisa e extensão apresentam que um caminho possível para a autoafirmação indígena é a educação.

E de fato é! Após a implementação da Lei de Cotas, o número de indígenas no ensino superior no Brasil foi ampliado. Consequentemente, produções acadêmicas e científicas passaram a ser protagonizadas por essas pessoas. Mas nem sempre foi assim. Casé Angatu, da aldeia Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia, doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, afirma ao Jornal da USP que a data não é comemorativa, mas sim uma data para ser lembrada a respeito das lutas que ainda precisam ser travadas.

Casé Angatu Xukuru Tupinambá - Foto: Reprodução/LEER-USP

Casé Angatu Xukuru Tupinambá - Foto: Reprodução/LEER-USP

“É um avanço termos um Ministério dos Povos Indígenas, sim. É um avanço termos como presidente da Funai uma mulher indígena, sim. Desde que esses nossos parentes tenham suas existências asseguradas a partir da demarcação de terras indígenas e de políticas voltadas à promoção da educação indígena”, diz. “Mesmo que não tivéssemos o reconhecimento da ONU, responsável pela criação dessa data, sabemos que ser indígena significa lutar todos os dias”, acrescenta. 

Ele também conta que dentro das universidades ainda falta muito a ser feito. Na época que ingressou no ensino superior, ao fim da ditadura militar, não havia outras pessoas indígenas ali presentes para inspirá-lo. Mesmo assim, sem cotas e tampouco vestibular indígena e programas de permanência estudantil, ele não desistiu. “Não que seja uma necessidade nossa o conhecimento não indígena. Eu costumo dizer que é a academia que precisa reconhecer os nossos saberes”, afirma. “Para mim, ingressar no ensino superior significava ter mais flechas no nosso arco da luta”, acrescenta ele, que atualmente é professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e do programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

Nós somos povos coletivos. Estudar para mim era também uma decisão coletiva.”

Historiador, Casé defende a importância de reconhecer a história a partir de outras perspectivas e visões. Isso porque, “durante muito tempo, as escolas e universidades produziram um conhecimento que não levava em consideração as nossas culturas e peculiaridades. A educação nos auxiliou, mas foi a nossa luta que possibilitou o avanço de se orgulhar em ser indígena. No Nordeste, por exemplo, em 2019, a Bahia tinha oito povos originários, hoje tem 30”, diz. “E vai crescer mais, porque à medida que lutarmos ainda mais pelos nossos direitos, mais pessoas irão se reconhecer indígenas.”

No Brasil, houve um aumento de quase 90% na população indígena registrada pelo Censo de 2022. Os dados que foram divulgados na última segunda-feira, 7, demonstram a mudança de metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em relação ao que significa ser indígena no Brasil. Nesta edição, que contou com auxílio das próprias comunidades para realizar o levantamento, recenseadores passaram a fazer a pergunta “você se considera indígena?” à lista de questões em locais que não são oficialmente terras indígenas. Para Casé, esse foi um passo muito importante, porque “a ascendência indígena é diferente de perguntar sobre a cor da pessoa, como aconteceu nas outras vezes.”

Para os indígenas, segundo ele, não basta apenas ingressar nas universidades. O movimento de retomada às suas comunidades é muito importante e necessário não só para contribuir com os conhecimentos adquiridos fora delas, mas também para auxiliar no processo de autoafirmação e pertencimento a partir do contato com diversas etnias. 

Moramoñanga Ñerana Icobé: lutar, resistir e existir

Jean Silva, primeiro estudante indígena do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, sabe muito bem disso. Natural do Rio de Janeiro, Jean encontrou nos coletivos urbanos indígenas um dos possíveis caminhos para se reconhecer indígena. Isso porque ele se considera uma pessoa não aldeada, ou seja, que não possui vínculo com a sua comunidade étnica.

“Eu sou a primeira pessoa que se autodeclara indígena dentro do Departamento de Jornalismo da USP. Isso é um absurdo! Como a comunicação poderá respeitar nossas diferenças sem a nossa presença nesses espaços?”

Jean Silva - Foto: Arquivo pessoal

Jean Silva - Foto: Arquivo Pessoal

Anuário da USP

Segundo último levantamento do Anuário Estatístico da USP, o número de estudantes indígenas na graduação passou para 0,13% – Gráfico: Sistema Marte/USP

Essa não é uma procura fácil e confortável para Jean. Até porque o processo de colonização foi brutalmente violento durante o modo impositivo de deslocamento das comunidades. Por isso, ele reforça a importância do Dia Internacional dos Povos Indígenas para o reconhecimento da presença dos povos originários não apenas nas Américas. “Estamos na África, na Europa, na Oceania. Esse caminho de retomar quem somos é que dói, porque fomos marcados não só pela violência física, mas pela violência epistêmica, ou seja, o apagamento dos saberes ancestrais. Não é por eu me considerar uma pessoa indígena que eu deixo a minha ancestralidade africana, que eu também carrego na minha aparência, por exemplo.”

Não é apenas nos coletivos que Jean tem realizado esse movimento de retomada. A educação tem sido utilizada por ele também para isso. Em contato com outros estudantes indígenas, ele tem pesquisado na iniciação científica a respeito das representações culturais de etnicidade e racialidade no Brasil nas obras literárias e de suas adaptações audiovisuais em Macunaíma, O Cortiço e Triste Fim de Policarpo Quaresma.

Como estudante de graduação, Jean acredita que há uma dicotomia presente nas universidades. “Ao mesmo tempo que as instituições nos reconhecem, também nos desvalorizam. É possível perceber, por exemplo, que apesar de existir a Lei de Cotas, na USP ainda não há vestibular indígena nem aceitação do português como segunda língua nos programas de pós-graduação”, pontua.

Ele também defende que “apenas nas universidades somos levados a sério. Por isso, a importância de atividades e grupos de pesquisa liderados por indígenas, a fim de não nos tornarmos objetos de estudo como há tanto tempo fomos.”

 

Atividades na USP

Em memória ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, a USP está com atividades voltadas ao dia. Confira:

Formação de professores no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE)

O Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP estará promovendo na quinta-feira, 10, das 9 às 12 horas, uma formação de professores com Alisson Silva e Gleyser Marcolino, líderes Guarani Nhandewa da aldeia Nimuendaju, do interior do Estado de São Paulo. As inscrições ocorrem pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.ou por telefone no (11) 3091 4905.

Gleyser é professor e explica ao Jornal da USP que a atividade tem como objetivo promover possibilidades de abordagens da temática em sala de aula. “Para nós, nossas crianças têm liberdade na escola. Elas não devem ficar caladas, ouvindo apenas um professor”, exemplifica. “Também não ficamos dentro de um prédio, presos. Andamos pelo nosso território, em contato com a nossa terra.” 

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Gleyser Marcolino - Foto: Arquivo Pessoal

Abrir esse espaço para nós ajuda a preservar nossos saberes, nossas etnias e nossas línguas. Não devemos criar divisões entre nossos conhecimentos, mas sermos aliados.”

A formação dos professores no MAE ocorre há muitos anos a partir de uma perspectiva colaborativa com as comunidades tradicionais. O museu universitário, que já produziu um kit educativo sobre brinquedos infantis indígenas, é referência nesse tipo de atividade no País. Está em cartaz no MAE a exposição Resistência já! Fortalecimento e união das culturas indígenas Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena, que inclui a participação dessas etnias localizadas no centro-oeste paulista no processo de curadoria.

Educação indígena Kalapalo na Faculdade de Educação (FE) 

No auditório da Faculdade de Educação (FE) da USP, na próxima quarta-feira, 16, a partir das 19h30, estará acontecendo uma palestra sobre educação indígena do povo Kalapalo, etnia distribuída em dez aldeias, localizadas no território indígena do Xingu, no Mato Grosso. Para participar basta se inscrever neste link. Haverá transmissão on-line pelo canal de Youtube da faculdade. A realização é do Grupo de Pesquisa Linguagem, Memória e Subjetividade (GPLIMES) da FE.

Quem estará presente contando as experiências didático-pedagógicas e de gestão, na Escola Estadual Indígena Central Aiha, será Ugise Kalapalo, professor do ensino médio e formado em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele conta que “a educação da sua comunidade está mudando. Estamos lutando para preservar a educação que temos após o contato que tivemos com as pessoas não indígenas.” Ugise também desenvolveu em parceria com pesquisadores da Unicamp uma série de materiais didáticos na língua indígena.

 

*Sob supervisão de Antonio Carlos Quinto

fonte:  https://jornal.usp.br/diversidade/educar-a-partir-de-uma-perspectiva-indigena-e-caminho-para-a-autoafirmacao/


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