Quase lá: Cinco livros que mostram que a ditadura não agiu pela pátria

Wagner William

 

A convite da seção ‘Favoritos’ o jornalista Wagner William indica cinco livros para compreender os interesses que cercaram o regime militar brasileiro

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A descoberta de milionárias caixas de joias abalou a convicção de muitos seguidores do ex-presidente Bolsonaro – aqueles que acreditavam que a principal motivação de Jair Messias era quase celestial. Afinal, ele teria chegado ao poder apenas para cumprir nobres missões e defender a família, a pátria e a liberdade.

Essa versão brochável dos fatos não condiz com documentos, declarações, vídeos e o enorme esforço dos homens do ex-presidente para recuperar os mimos das Arábias. A ideia de que não houve corrupção durante o governo Bolsonaro parece ser tão firme quanto uma construção erguida nas areias do Rub' Al-Khālī, um dos maiores desertos do mundo.

Mas será que esse escândalo dourado também serviu para mudar outra convicção que vem sendo repassada há décadas? A de que os generais da ditadura militar também agiram para defender a pátria, a família e a liberdade, como diziam?

Nesta lista, indico cinco livros que mostram como esses governantes de outrora igualmente se deixaram levar por empresas, governos estrangeiros, obras colossais e presentes milionários, realizando tenebrosas transações que destruiriam a imagem de qualquer regime que permitisse alguns centímetros de liberdade.

1964: A conquista do Estado

René Armand Dreifuss (Editora Vozes, 2006)

Obra angular para o entendimento dos movimentos econômicos que incentivaram o golpe e mantiveram os militares no poder. O cientista político uruguaio René Armand Dreifuss revela como a elite empresarial e poderosos grupos econômicos internacionais criaram um clima de fim de mundo para o presidente João Goulart, abrindo a torneira para irrigar com milhões de dólares o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática. As duas organizações – ou think tanks, para parecer moderno – dedicavam-se a criar filmes e programas de TV, financiar candidaturas à Câmara e promover publicações assombrando o país com o fantasma que rondava a Europa.

Nascido de uma pesquisa para uma tese de doutorado na Universidade de Glasgow, o livro é um caso raro que saiu da academia para tornar-se um – por que não? – clássico do jornalismo investigativo.. Com documentos oficiais, cartas e artigos da época, Dreifuss dá nome a instituições, políticos golpistas, empresários, jornalistas, conspiradores, corruptores e corruptos que adoravam uma caixinha, mas se apresentavam como defensores da Pátria e dos bons costumes.

Liberdade vigiada – As relações entre a ditadura militar e o governo francês

Paulo César Gomes (Record, 2019)

Durante a ditadura militar, Paris não foi uma festa. O Ministério das Relações Exteriores francês trocou informações com o regime brasileiro e seus colaboradores espionaram e até se infiltraram nos encontros dos exilados que acreditavam estar seguros às margens do Sena, principalmente após o golpe no Chile, que derrubou o presidente Salvador Allende em 1973. Da relação entre espiões e exilados, surgiram pilhas de informes e informações. Dessa montanha de documentos, Gomes fez um livro decisivo. Uma obra que revela como o Itamaraty também ergueu o estandarte ensanguentado da tirania.

A direita explosiva no Brasil

José A. Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto M. Fortunato (Mauad, 1996)

Espantoso relato de mais de 30 ações terroristas realizadas pela direita brasileira durante os governos de Juscelino Kubitschek, João Goulart e toda a ditadura. O livro, que mereceria mais atenção dos estudiosos do período, é construído a partir do depoimento do coronel de Artilharia Alberto Carlos Costa Fortunato, um dos principais integrantes do “Grupo Secreto”, que ganharia outros nomes nos anos seguintes.

Das revoltas de Jacareacanga e Aragarças, passando por tentativas de assassinar Goulart, até a carta-bomba para a OAB do Rio de Janeiro, a obra revela quem eram – e de onde vinham – os terroristas que verdadeiramente queriam explodir o Brasil.

Estranhas catedrais – As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil

Pedro Henrique Pedreira Campos (Eduff, 2014)

Vencedor do Prêmio Jabuti 2015, o livro escancara as relações nada saudáveis entre as principais empreiteiras do país com a ditadura. A obra nasceu de uma tese de doutoramento e vai além das ligações perigosas criadas após o golpe de 1964. Mostra como, durante o governo democrático de Juscelino Kubitschek, empresários da construção se organizaram e como, durante o regime militar, fizeram a festa.

Sem liberdade, não havia denúncia. Sem denúncia, não havia investigação. Sem investigação, não havia corrupção. Todos eram honestos. E assim a lenda tornou-se realidade. Como no livro de Dreifuss, os documentos e os nomes estão muito bem relatados em “Estranhas catedrais”. A eterna impunidade de corruptos e corruptores que nem investigados foram, também.

O método Jacarta

Vincent Bevins (Autonomia Literária, 2022)

Uma borboleta bate asas na Indonésia e um golpe militar ocorre no Brasil. Nessa teoria, a única certeza é que a borboleta é funcionária das agências de espionagem dos Estados Unidos. Escrita pelo jornalista norte-americano Vincent Bevins, a obra vai além de mostrar como, durante a Guerra Fria, a hipervalorização da ameaça comunista foi importante para os Estados Unidos manterem e aumentarem seu poderio econômico e geopolítico.

Onde a propaganda e uma confortável ajuda financeira deram certo, como no Brasil, um golpe de militares afinados com as doutrinas norte-americanas bastou. Já onde a população não engoliu as histórias de que comunistas comiam criancinhas, foi preciso fazer um pouquinho mais. Matar um milhão de civis com a ajuda do Exército indonésio, por exemplo. Um livro obrigatório.

Wagner William é roteirista e jornalista formado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero em 1989 e produtor de TV com mais de trinta anos de carreira com passagens pela Rede Globo, SBT (onde dirigiu o programa Nosso Século), Band e RecordTV. Ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos pela reportagem O primeiro voo do condor, publicada pela revista Brasileiros. É também autor de ‘Silvio Luiz: Olho no lance’ (BestSeller, 2002); ‘O soldado absoluto: uma biografia do Marechal Henrique Lott’ (Record, 2005), obra finalista do Prêmio Jabuti de Literatura; ‘Uma Mulher vestida de silêncio: a biografia de Maria Thereza Goulart’ (Record, 2019) e ‘A operação secreta Etiópia-Maranhão’ (Vestígio, 2021), livro vencedor do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo 2021.

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