Quase lá: Análise jurídico-feminista revela violência de gênero em conflito entre irmãs

Tribunais utilizam critérios, não previstos em lei, para decisões sobre violência familiar que restringem a aplicação da Lei Maria da Penha e o reconhecimento, muitas vezes, também como violência de gênero

 

Publicado: 06/07/2023 - Jornal da USP
Por 
 
 
Há casos em que mulheres assumem papéis de gênero e reproduzem estereótipos masculinos com outras mulheres – Foto: Freepik
 
 

Conflitos entre duas irmãs, uma das quais se refere à outra como prostituta e vagabunda, é violência baseada no gênero? Essa análise é o tema do episódio desta semana da série Mulheres e Justiça. A convidada da professora Fabiana Severi para falar sobre o trabalho de reescrita de decisão judicial sob a perspectiva feminista, a partir desse caso, é a doutora em Ciências Criminais e professora do curso de pós-graduação em Direito na Universidade Federal de Pelotas, Carmen Hein de Campos.

Carmen Hein de Campos – Foto: Arquivo pessoal

Carmen conta que, em 2020, a partir de discussões sobre decisões de violência doméstica e familiar, com base na Lei Maria da Penha, e ao analisar decisões mais recentes dos tribunais e juízos de primeiro grau, seu grupo de pesquisa verificou a necessidade de entender por que magistrados e magistradas estavam vinculando conceito de violência baseada no gênero a determinados requisitos não previstos em lei, como, por exemplo, vulnerabilidade, hipossuficiência e subordinação. “Com isso, entendemos ser importante descobrir as primeiras decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde esses parâmetros foram delimitados.”

Ao analisar os argumentos do STF, nessas primeiras decisões verificaram a existência de determinados requisitos para o entendimento de que seria um caso de violência doméstica e familiar a necessidade da fixação de requisitos não previstos em leis, como vulnerabilidade e hipossuficiência. A partir disso, o grupo analisou um caso de 2008, relativamente recente em relação à criação da Lei Maria da Penha, em 2006, e um caso bem diferenciado, em que quase não se percebe a violência doméstica praticada por irmã contra outra irmã, chamada de prostitua e vagabunda. “O Tribunal entendeu que o caso era de mera desavença entre irmãs, que não havia uma violência baseada no gênero, pois não havia subordinação e, também, não era um caso de relação entre mulher e homem, ou seja, violência por parceiro íntimo.”

Mulheres que assumem papéis de gênero

Na reescrita sob a perspectiva feminista, as pesquisadoras discutem o conceito de violência baseada no gênero e mostram que há casos em que mulheres assumem papéis de gênero e reproduzem estereótipos masculinos com outras mulheres, ou seja, verbalizam expressões utilizadas por homens para desqualificar as mulheres. “Ao discutir profundamente o conceito de violência de gênero, concluímos que, neste caso em específico, estávamos diante de violência baseada no gênero e não meramente uma desavença entre irmãs.”

O principal resultado do grupo foi reescrever a decisão judicial desde uma concepção feminina de gênero, que não significa meramente relações entre sexos diferentes, entre mulheres e homens apenas. “A primeira consequência direta da aplicação da teoria feminista de gênero, ou das teorias de gênero, é demonstrar que as relações de gênero também se dão entre mulheres.” A pesquisadora alerta para a necessidade de repensar os critérios dos tribunais que permanecem e não estão previstos em lei e foram fixados em decisões de 2008, logo que a Lei Maria da Penha entrou em vigência. “Esses critérios restringem a aplicação da Lei Maria da Penha e nós queremos demonstrar que esses critérios violam a própria legislação e dificultam o acesso das mulheres à Justiça.” Participaram deste projeto, além da professora Carmen, as pesquisadoras Clarissa Campani Mainieri e Juliana Azevedo de Oliveira Alves.

A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.

 

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br

fonte: https://jornal.usp.br/atualidades/analise-juridico-feminista-revela-violencia-de-genero-em-conflito-entre-irmas/

 


Matérias Publicadas por Data

Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...