Apesar das divergências teológicas, católicos e evangélicos têm investido em uma aliança estratégica para tentar frear o avanço de pautas como a descriminalização do aborto e o casamento LGBTQIA+. É desta forma que a pesquisadora Ana Carolina Marsicano define o neoconservadorismo: "uma aliança programática entre católicos e evangélicos".
Do UOL, em São Paulo
12/05/2025 05h30

Em entrevista ao UOL, a doutora em sociologia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) detalhou o papel dos católicos no campo do conservadorismo e como essa ala tem ganhado força dentro da igreja.
Marsicano, que estuda o tema há cinco anos, publicou em 2024 a tese "Os leigos cristianizam o mundo —católicos e política antigênero no governo federal (2019-2022)". No trabalho, ela analisa como a política de gênero se apresenta nos âmbitos legislativo, executivo e jurídico do país.
Aliança 'estratégica' entre católicos e evangélicos
Para a pesquisadora, o avanço de agendas consideradas progressistas levou católicos e evangélicos a se articular para barrá-las. No governo de Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, a então ministra da Família, Damares Alves (Republicanos), representava a ala evangélica, e sua número dois, Angela Gandra, o catolicismo. Gandra hoje é secretária de Relações Internacionais na gestão Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo.
"É uma aliança por um bem maior, na perspectiva deles, que é impedir que a agenda pró-aborto, do casamento igualitário e dos direitos sexuais e produtivos avance", afirmou. A atuação desses grupos religiosos, entretanto, não é a mesma, segundo Marsicano.
Neoconservadorismo é essa aliança programática entre católicos e evangélicos que se dá, sobretudo, a partir do avanço de pautas de movimentos sociais, como o movimento feminista, o movimento LGBTQIA+, pautas relacionadas à justa distribuição, às cotas raciais, programas sociais e políticas redistributivas.
Há uma perspectiva política que se alimentou da ideia de que o campo evangélico é a única ameaça religiosa. As pessoas alimentaram essa falsa ilusão de que a gente só precisa estar atento aos evangélicos, de que [a senadora e ex-ministra] Damares Alves é a única ameaça ao campo dos direitos humanos.
Conservadorismo plural
A atuação dos representantes das igrejas Católica e evangélicas é diferente, e a pluralidade de figuras no conservadorismo é estratégica, afirma Marsicano.
Como exemplo, ela cita os perfis da deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) e da secretaria municipal Angela Gandra. "Essa pluralidade no campo do conservadorismo se soma, se agrega", explica a pesquisadora.
É importante para o conservadorismo católico que haja uma figura como Chris Tonietto que faça esse contraponto, que tenha essa atuação tão incisiva, militante. E é importante ter nos bastidores, mas nem tão nos bastidores assim, alguém como a Angela Gandra.
Renovação da ala conservadora do catolicismo
Enquanto lideranças evangélicas, como o pastor Silas Malafaia, chamam atenção da opinião pública por entoarem discursos efusivos, líderes de outras religiões buscam se reaproximar dos fiéis de outras formas. A socióloga aponta que a ala conservadora e com atuação política tem se renovado na Igreja Católica. "As pessoas não têm percebido as mudanças que têm acontecido no campo católico", afirma.
Estamos enfrentando hoje uma disputa em torno da noção de cidadania. Essa relação de forças [entre os campos progressista e conservador] vai continuar existindo. Às vezes, a esquerda e o progressismo caem na cilada de entrar num regime de acusação que não lhe permite enxergar ou entender a estratégia usada pela direita.
A relação entre política e religião no Brasil e a atuação dos católicos e do catolicismo é de longa data e foi se naturalizando. Isso fez com que as pessoas não olhassem com a devida atenção para as mudanças nesse campo.
Alimentar esse modelo de família significa, na perspectiva política dessas pessoas, não investir em políticas de assistência social. Para eles, tem que ter esquecimento absoluto das políticas de assistência social.
Angela Gandra e a representatividade para os católicos
Um dos eixos sobre os quais a pesquisadora se debruçou nos últimos anos foi a trajetória de mulheres católicas da extrema-direita e o trabalho desenvolvido por elas durante o governo Bolsonaro. Entre as representantes está Angela Gandra.
Para Marsicano, a filha do jurista Ives Gandra é uma "figura-chave no conservadorismo, no cristianismo e no catolicismo". Reportagem do UOL mostrou o crescimento de Gandra na política —Marsicano foi uma das pesquisadoras entrevistadas.
Muitas pessoas deram muita visibilidade e se concentraram na figura de Damares, que era a política de direitos humanos no governo Bolsonaro, sendo que havia muita coisa acontecendo nos bastidores.
A dobradinha Damares e Angela Gandra foi fundamental para essa política conservadora, pró-vida, pró-família, para se conquistar tamanho avanço e eficiência dentro da perspectiva bolsonarista.
O que me chamou a atenção é que a Secretaria Nacional da Família tinha uma composição massivamente católica. Percebi que a Angela Gandra tinha, desde o início, um posto estratégico predestinado. Diferentemente de Damares Alves [senadora pelo Republicanos-DF], que tem uma política de muito trânsito no âmbito legislativo, Gandra tinha uma influência internacional e trânsito com organizações, acadêmicos e ativistas internacionais.
Ela foi fazendo uma agenda mais voltada às visitas nos municípios, em outros estados, se articulando com câmaras legislativas nas instituições de frentes parlamentares pró-vida e pró-família, de secretarias pró-família.