Enquanto o mundo todo assiste insencível ao genocídio transmitido por TVs e Internet que o governo de extrema-direita de Israel promove na Faixa de Gaza, Eman Abusidu nos remete às proximidades das mulheres brasileiras e as mulheres palestinas. Somos mais próximas que você acha!
12 de abril de 2025, às 10h32 - Monitor do Oriente Médio
Mulher agita uma bandeira palestina durante uma manifestação contra a ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza, no Rio de Janeiro, Brasil, em 19 de outubro de 2023. [Tercio Teixeira/AFP via Getty Images]
Através de oceanos e continentes, as mulheres palestinas — seja nos bairros sitiados de Gaza ou nas extensas cidades do Brasil — estão unidas por um profundo legado de resistência. Diante da ocupação, do exílio e da discriminação sistêmica, sua força não é apenas a sobrevivência — é o poder de liderar, organizar e exigir justiça em seus próprios termos.
Para as mulheres palestinas que fizeram do Brasil seu lar, sua jornada é de equilíbrio e celebração de suas raízes palestinas, ao mesmo tempo em que abraçam as oportunidades e os desafios da vida brasileira. Essas mulheres têm um pé em dois mundos — um marcado pelas lutas de seus ancestrais e o outro pela paisagem vibrante e em constante mudança do Brasil.
Essa mistura única de herança palestina e influência brasileira criou uma identidade distinta para essas mulheres, permitindo que contribuam profundamente para suas comunidades. Do ativismo à preservação cultural, as mulheres palestinas no Brasil estão causando um impacto duradouro.
Quando muitos palestinos começaram a emigrar, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil se tornou um dos maiores destinos para refugiados palestinos, especialmente aqueles que fugiam das consequências da guerra e da ocupação. Entre eles, as mulheres palestinas levaram sua herança para o Brasil, não apenas como sobreviventes, mas também como portadoras de cultura, histórias e um profundo senso de identidade.
Um dos aspectos mais visíveis dessa herança tem sido o papel que as mulheres palestinas desempenharam na paisagem cultural do Brasil. Por meio da gastronomia, da arte e da música, elas ajudaram a introduzir a cultura palestina na sociedade brasileira. Pratos tradicionais palestinos, como musakhan, homus e falafel, encontraram espaço nas cozinhas brasileiras, e as mulheres palestinas se tornaram figuras-chave na preservação e no compartilhamento dessas tradições culinárias.
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Mas, além da comida, as mulheres palestino-brasileiras têm atuado ativamente na preservação de sua herança por meio da educação e das artes. Embora a preservação cultural seja um aspecto importante da diáspora palestina no Brasil, as mulheres palestinas no país também estão alcançando avanços significativos nas áreas de ativismo social e engajamento político. Enquanto o mundo continua a lidar com questões como desigualdade de gênero, violência contra as mulheres e justiça social, as mulheres palestino-brasileiras têm se mostrado ativas em levantar suas vozes e criar mudanças.
Da mesma forma, muitas mulheres palestinas se envolveram no movimento feminista no Brasil, destacando os desafios singulares enfrentados por mulheres de comunidades imigrantes. No contexto do cenário político brasileiro, essas mulheres têm trabalhado para amplificar as vozes de comunidades marginalizadas, garantindo que as lutas das mulheres palestinas e de outras populações imigrantes não sejam ignoradas.
Esse espírito ecoa na vida de mulheres como Fátima Hussein, dentista e a primeira mulher muçulmana a se candidatar à Câmara Municipal de Florianópolis. Sua campanha não se limitou a quebrar barreiras na política local — foi também uma declaração de presença. “Estou aqui para dar voz aos que não têm voz”, declarou ela, representando não apenas as comunidades muçulmana e árabe-brasileira, mas também a luta mais ampla das mulheres marginalizadas em todo o Brasil.
Fátima Hussein em sua clínica odontológica. [Monitor do Oriente Médio]
Da mesma forma, Soraya Misleh, jornalista e ativista brasileira de ascendência palestina, dedicou sua carreira a contar a história palestina sob uma perspectiva feminista e anticolonial. Seus escritos conectam a América Latina e o Oriente Médio, chamando a atenção para os pontos em comum entre a resistência palestina e as lutas das comunidades indígenas e afro-brasileiras. Através de sua voz, a dor de Gaza se torna real em São Paulo — assim como sua esperança.
Na academia, Soraya Misleh, pesquisadora brasileira de origem palestina, tem trabalhado para desmantelar estereótipos sobre as mulheres árabes, revelando a profundidade histórica de seu envolvimento na literatura e na resistência política. Sua pesquisa sobre os papéis das mulheres palestinas do século XIX ao período pós-Nakba mostra que sua luta nunca foi nova — apenas raramente contada.
Entre as notáveis mulheres palestino-brasileiras que moldam suas comunidades está Shahla Othman, cuja história pessoal exemplifica resiliência e orgulho cultural. Nascida no Brasil, filha de um refugiado palestino, Shahla cresceu profundamente conectada tanto às suas raízes palestinas quanto à sua herança brasileira. Essa dupla identidade alimentou seu compromisso em construir pontes de entendimento, defender apaixonadamente os direitos dos refugiados e celebrar a cultura palestina na sociedade brasileira.
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Por meio de seu ativismo e engajamento público, Shahla enfatiza consistentemente como sua origem palestina influenciou profundamente seus valores de perseverança e solidariedade, enquanto sua educação brasileira enriquece sua abordagem ao diálogo multicultural e à justiça social. Shahla Othman se destaca como um símbolo vibrante de como as mulheres palestino-brasileiras contribuem de forma única para a formação de comunidades inclusivas e dinâmicas.
Oula Al-Saghir, uma cantora palestino-brasileira, incorpora uma fusão vibrante de suas ricas raízes culturais com o espírito dinâmico de sua terra natal adotiva, o Brasil. Filha de refugiados palestinos na Síria, Oula descobriu sua paixão pela música por meio do pai, um tocador de alaúde, e começou a se apresentar publicamente com apenas quatro anos de idade. Forçada pelo conflito a se mudar para o Brasil, ela continuou perseguindo seus sonhos artísticos, fundando a banda Nahawand, que reúne músicos palestinos, tunisianos e libaneses-brasileiros, destacando instrumentos tradicionais do Oriente Médio, como o bazuq, o qanun e o riq, para celebrar e preservar a herança cultural palestina.
A jornada artística de Oula ressoa profundamente com a resiliência inabalável e a resistência inabalável demonstradas pelas mulheres palestinas em Gaza. Assim como Oula canaliza o deslocamento em poderosas expressões de preservação cultural por meio da música, as mulheres em Gaza se destacam como símbolos de força, sustentando suas famílias e comunidades em meio a imensas dificuldades.
A médica Bacila Badwan, renomada cardiologista radicada em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, é filha de um refugiado palestino deslocado durante a Nakba de 1948. Nascida em Uruguaiana, cidade no sul do Brasil, ela não apenas construiu uma distinta carreira médica, mas também se destacou como uma proeminente líder cívica e cultural.
Como presidente do Rotary Club Feminino de Cruz de Lorena e membro ativa da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), Badwan exemplifica o duplo compromisso que muitas mulheres palestino-brasileiras carregam: servir suas comunidades locais e, ao mesmo tempo, permanecer profundamente conectadas à luta por justiça na Palestina.
Seus esforços foram formalmente reconhecidos quando ela foi nomeada Cidadã Honorária de Santo Ângelo pelo Prefeito Jacques Gonçalves Barbosa.
A história de Badwan faz parte de uma ampla rede de mulheres palestinas em todo o Brasil que estão moldando a sociedade com propósito e resiliência. Sejam médicas, educadoras, artistas ou ativistas, essas mulheres estão entrelaçando sua herança palestina ao tecido social brasileiro — construindo pontes entre continentes e gerações.
Suas histórias refletem as de mulheres na Palestina que, diante das adversidades diárias, permanecem pilares de força. Seja criando famílias sob ocupação, organizando comunidades ou liderando a resistência por meio da educação, essas mulheres refletem a mesma resiliência vista em suas irmãs da diáspora.
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Refugiados palestinos no campo de Nuseirat, em Gaza - Eyad BABA / AFP
O jurista e professor de Direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) Salem Nasser criticou duramente a atuação de uma organização paramilitar que estaria controlando o acesso à ajuda humanitária à população palestina de Gaza, com apoio dos governos de Israel e dos Estados Unidos. Segundo ele, essa ONG criada recentemente estaria tomando alimentos e suprimentos arrecadados por agências da Organização das Nações Unidas (ONU) como parte de uma “política concentrada em produzir esse resultado, que é expulsar o máximo de palestinos e matar os que não quiserem sair”.
“São cenas cotidianas desse enorme crime que está sendo cometido dia após dia. Hoje, a população de Gaza estaria concentrada em cerca de 20% do território por conta da promessa de ajuda humanitária, de comida. As pessoas estão com fome. Eles estão usando a ajuda humanitária para facilitar o cometimento do crime, usando a comida para facilitar o que eles querem cumprir como objetivo final. As pessoas estão sendo bombardeadas enquanto procuram comida. É um toque de crueldade a mais”, analisa, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
O professor afirma que não há dúvidas de que, do ponto de vista do direito internacional, de que Israel está cometendo genocídio contra a população palestina de Gaza. “O mundo está permitindo não só a morte de crianças, mas os que são considerados os piores crimes na história da humanidade acontecerem nesses dias”, denuncia.
Mundo responde tarde demais
Representantes de 20 países estiveram em uma reunião presidida pelo Brasil neste domingo (25) em Madri, capital da Espanha, para discutir a criação do Estado da Palestina. O professor lembra que mais de 150 países já reconhecem a Palestina, inclusive o Brasil desde 2010, mas que o veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança impede a entrada como estado-membro da organização internacional.
Nasser destaca, no entanto, que os debates diplomáticos atuais são tardios e insuficientes diante da gravidade do que ocorre em Gaza. “A resposta do mundo é muito devagar. […] Enquanto eles discutem, Israel continua a fazer o que está fazendo”, diz. Para ele, só medidas concretas como sanções ou rompimento de relações diplomáticas dariam um sinal efetivo. “Não adianta ficar dando tempo para Israel cometer o seu genocídio.”
‘Não há caminho de volta’
Questionado sobre a declaração de Israel de que matou Mohammed Sinuar, líder do Hamas, Salem Nasser minimizou o impacto da ação. Para ele, o movimento já computou a perda simbólica de seus principais nomes e continua com sua base inspirada em resistência. “Eles não têm um caminho de volta. Para eles, só tem a opção de resistir ou morrer resistindo”, afirmou, destacando que muitos palestinos veem a morte na luta como uma forma de martírio.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo //www.youtube.com/@brasildefato/playlists" target="_blank" rel="noreferrer noopener">YouTube do Brasil de Fato.