Misoginia e covardia de Senadores: Ministra ouviu ‘ponha-se no seu lugar’ e reagiu com firmeza. Episódio revelou tentativa de silenciamento diante da força de quem já superou obstáculos muito maiores.
Por Natuza Nery - Globo News
O que se viu nesta terça-feira (28), no Senado, foi uma cena de brutalidade explícita.
Não houve tentativa de vencer no argumento ou no debate. Houve tentativa de vencer no ataque.
Durante uma audiência na Comissão de Infraestrutura, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi interrompida várias vezes e teve o microfone cortado pelo presidente da sessão, o senador Marcos Rogério (PL-RO). A discussão chegou ao auge quando ele se virou para Marina e disse: “ponha-se no seu lugar”.
A frase provocou tumulto e foi seguida de mais provocações. O senador Plínio Valério (PSDB-AM), por exemplo, afirmou que era preciso separar “a mulher da ministra” — porque, segundo ele, “a mulher merece respeito, a ministra, não”.
Marina decidiu deixar a sessão. Em entrevista depois do episódio, disse que se sentiu agredida, mas saiu fortalecida. “Eles não conseguiram me intimidar”, afirmou à GloboNews.
A reação da ministra ajuda a dimensionar o peso do episódio. Mas é ainda mais revelador lembrar de onde ela veio.
Marina nasceu em uma comunidade seringueira no Acre. Em 2014, durante um comício, ela contou uma das memórias mais fortes da infância:
“Tudo o que minha mãe tinha para oito filhos era um ovo e um pouco de farinha e sal com umas palhinhas de cebola picadas. Eu me lembro de ter olhado para o meu pai e minha mãe e perguntado: ‘vocês não vão comer?’ E minha mãe respondeu: ‘nós não estamos com fome’. E uma criança acreditou naquilo. Mas eu depois entendi que eles há mais de um dia não comiam.”
É essa menina, forjada na privação, que se tornou ministra de Estado, candidata à Presidência e uma das vozes mais respeitadas do mundo na pauta ambiental. Não se intimida diante de brutamontes — nem da oposição, nem do governo. Homens que dificilmente alcançarão o local que Marina já ocupa na História.
Em nota, o senador Marcos Rogério disse que Marina foi "quem primeiro se exaltou, a partir de uma discussão travada com o senador Omar Aziz", que foi "seguidamente interrompido pela ministra que, apontando o dedo, dirigiu-me uma acusação desconexa, de não ter me importado com o que ela chamou de 'ditadura', e que, sua expressão de ter advertido a ministra a "se colocar em seu lugar" está sendo "deturpada e explorada pelo patrulhamento ideológico da esquerda". (veja íntegra abaixo).
Ministra diz sair fortalecida

'Me senti agredida, mas saio fortalecida', diz Marina Silva
Em entrevista ao Mais, da GloboNews, Marina disse que saiu mais fortalecida após os embates.
“Eu saí dali mais fortalecida. Eles não conseguiram me intimidar”, disse a ministra na entrevista. “Ninguém vai dizer qual é o meu lugar.”
Após o embate, o presidente Lula (PT) ligou para a ministra: "O presidente Lula fez questão de ligar para mim [...] Eu fiz questão de perguntar como ele estava, porque eu estava preocupada com a saúde dele, não queria levar mais questões. E ele fez a questão de dizer: 'Passei a me sentir melhor depois que você tomou a decisão de se retirar daquela comissão. Você fez o que era certo, de não tolerar desrespeito'".
Ofensas em comissão
A ministra foi alvo de ao menos três parlamentares ao participar de audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, nesta terça-feira (27).
A discussão começou quando Marina disse que se sentiu ofendida por falas do senador Omar Aziz (PSD-AM) e questionou a condução dos trabalhos feita por Marcos Rogério, que presidia a sessão na Comissão de Infraestrutura do Senado.
Rogério havia cortado o microfone de Marina várias vezes, impedindo-a de falar, e ironizou as queixas dela. A ministra respondeu dizendo que ele gostaria que ela "fosse uma mulher submissa". "E eu não sou", completou Marina.
Sentado ao lado da ministra, Marcos Rogério olhou para ela e disse: "Me respeite, ministra, se ponha no teu lugar". A declaração provocou novo tumulto e ele tentou se explicar. Disse que, na verdade, referia-se ao "lugar" de Marina como ministra de Estado.
Os ânimos continuaram exaltados. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que era preciso separar a mulher da ministra porque, segundo ele, a "mulher merece respeito e a ministra, não".
Não é a primeira vez que Valério ofende Marina. Em março, em evento no Amazonas, ele afirmou que tinha "vontade de enforcá-la". Na ocasião, a ministra rebateu a declaração do parlamentar.
Íntegra do comunicado do senador Marco Rogério
"Nota à Imprensa
Quem assistiu a íntegra da participação da ministra Marina Silva perante a Comissão de Infraestrutura testemunhou que foi ela quem primeiro se exaltou, a partir de uma discussão travada com o senador Omar Aziz. Coube a mim, como presidente, tentar seguir os trabalhos, passando a palavra para o próximo orador. Fui seguidamente interrompido pela ministra que, apontando o dedo, dirigiu-me uma acusação desconexa, de não ter me importado com o que ela chamou de “ditadura”. Ignorei a provocação e tentei dar andamento à sessão. Como a ministra insistia em continuar falando, de forma exaltada, impedindo que o próximo orador se pronunciasse, a adverti a que se colocasse em seu lugar, que, naquele momento, era o de ministra de Estado, servidora pública, cujo dever era ouvir os questionamentos dos senadores e respondê-los. Deixei isso muito claro à ministra e a toda a audiência da comissão. Como já era de se esperar, minha expressão está sendo deturpada e explorada pelo patrulhamento ideológico da esquerda, como se minha intenção tivesse sido diminuir a ministra por sua condição de mulher. Repudio essa exploração abjeta e maldosa, alimentada, inclusive, pelo vitimismo de quem, na condição de ministra de Estado, não respeitou o ambiente da comissão. Sigo firme cumprindo minha missão no Senado Federal, sempre pautado na verdade, na defesa do meu Estado de Rondônia e de todo o País.
Marcos Rogério"
Abaixo-assinado de Manuela D’Ávila pede cassação de Marcos Rogério por ataques à Marina Silva
Manuela D'Ávila classificou os ataques à Marina Silva como um caso de 'violência política de gênero e raça'

Na saída da comissão, a ministra falou com a imprensa. “Eu me senti agredida fazendo o meu trabalho" - Reprodução/Instagram/@manueladavila>
A ex-deputada Manuela D’Ávila lançou, nesta quarta-feira (28), um abaixo-assinado online que pede a cassação do mandato do senador Marcos Rogério (PL-RO), que protagonizou uma discussão com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Comissão de Infraestrutura do Senado, na última quarta-feira (27).
A ministra foi convidada para prestar informações sobre a criação de uma unidade de conservação marinha, na Margem Equatorial, no litoral norte do Amapá, onde a Petrobras pretende realizar estudos para a produção de petróleo. A discussão, no entanto, se concentrou na construção da BR-319 que corta a Amazônia, ligando Manaus (AM) a Porto Velho (RO), e no Projeto de Lei (PL) 2.159, conhecido como PL da Devastação.
“Essa é uma discussão técnica, causada pela ética, a ética do cuidado com as pessoas, com o meio ambiente, com o futuro do Brasil”, disse a ministra ao senador Omar Aziz (PSD-AM), que defende a construção da rodovia e o projeto de lei. “Cada um que votou aqui assuma sua responsabilidade”, afirmou Marina Silva.
Em seguida, o senador Marcos Rogério, presidente da comissão, disse que “essa é a educação da ministra Marina Silva”, sendo rebatido pela ministra: “Eu tenho educação. Mas o que o senhor gostaria é que eu fosse uma mulher submissa e eu não sou”. Na sequência, o parlamentar afirmou: “Agora eu sou sexista, ministra? Me respeite, ministra, se ponha no seu lugar”, causando tumulto dos presentes.
Em um momento posterior, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que em março disse que enforcaria Marina, afirmou “a mulher merece respeito, a ministra, não”. Na sequência, Marina Silva se retirou da reunião.
Na saída da comissão, a ministra falou com a imprensa. “Eu me senti agredida fazendo o meu trabalho. Fui chamada para mostrar tecnicamente que as unidades de conservação, que estão sendo propostas para o Amapá, não afetam os empreendimentos”, declarou Marina Silva à imprensa.
“Eu não posso aceitar que alguém me diga qual é o meu lugar. Meu lugar é o da defesa da democracia, do meio ambiente, da luta contra a desigualdade, da proteção da biodiversidade e da promoção da infraestrutura necessária ao país”, afirmou Marina. “Eu saí dali mais fortalecida. Eles não conseguiram me intimidar. Ninguém vai dizer qual é o meu lugar.”
No texto de divulgação do abaixo-assinado, Manuela D’Ávila classificou os ataques à Marina Silva como um caso de “violência política de gênero e raça”. Quando um senador diz isso [se ponha no seu lugar] a uma ministra, ele não está só sendo agressivo — está reproduzindo um sistema que insiste em calar, deslegitimar e expulsar as mulheres dos espaços de poder. O ataque de Marcos Rogério à ministra Marina Silva é um retrato nítido da violência política de gênero e raça”, defendeu D’Ávila.
“É também um lembrete de que o lugar da mulher ainda é disputado todos os dias — sobretudo quando essa mulher é negra, com trajetória de luta, e ocupa um cargo de liderança”, escreveu em suas redes sociais ao divulgar o link do abaixo-assinado.
Dedo apontado, gritos, interrupções e ameaças: Marina Silva é alvo de misoginia no Senado
Ministra do Meio Ambiente deixou a sessão após ocorrido; mulheres do governo reagem com indignação
A ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o senador Marcos Rogério (PL) discutem durante Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) nesta terça-feira (27) - Geraldo Magela/Agência Senado
“Ponha-se no seu lugar”, disse o senador Marcos Rogério (PL) à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que compareceu, como convidada, à Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, nesta terça-feira (27). O motivo do convite foi a prestação de informações sobre estudos para criar a maior unidade de conservação marinha do país, na Margem Equatorial, no litoral Norte do Amapá. Essa também é a região onde a Petrobras pretende realizar estudos para a produção de petróleo.
Mas a discussão começou sobre outro tema polêmico: a construção da BR-319 que corta a Amazônia, ligando Manaus (AM) a Porto Velho (RO) e é defendida pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A obra passa por 13 municípios, 28 unidades de conservação e 69 comunidades indígenas, sendo uma delas uma comunidade isolada, e depende de licenciamento ambiental.
Visivelmente exaltado, o senador Omar Aziz (PSD-AM) esbravejou, batendo no peito e apontando o dedo para a ministra. “A gente quer, sim, a BR-319 ministra para passear, como a senhora disse. Queremos sim. Nós temos o direito de passear na 319. E não é a senhora que não vai permitir que a gente passe na 319. Nós, amazonenses, queremos ter o direito de passear na 319. A senhora passeia na avenida Paulista, hoje nós queremos passear na 319”, disse o senador, que interrompeu a ministra diversas vezes durante sua tentativa de resposta.
“Eu peço para poder falar somente um minuto. Eu estou aqui como convidada”, disse a ministra, que chegou a ter o áudio do microfone cortado pelo presidente da sessão, senador Marcos Rogério (PL-GO). “A senhora está atrapalhando o desenvolvimento do nosso país, eu lhe digo com a maior naturalidade do mundo. Tem mais de 5 mil obras paradas por causa dessa conversinha de governança, nhen, nhen, nhen, bla, bla, bla.”
Nesse momento, o presidente da sessão decidiu seguir com o debate, sem permitir que a ministra respondesse, no tempo regimental, às afirmações de Aziz. “Os questionamentos são respondidos, os comentários, não”, disse Rogério.
Então, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) chegou a pedir ao presidente da sessão que assegurasse a fala da ministra, sendo repreendida por Rogério. “A senhora está atrapalhando”, disse o senador do PL, provocando um bate-boca com a parlamentar maranhense.
“O respeito precede dar a ela o direito de fala”, respondeu Gama. “Isso aqui não é ditadura (…) É inadmissível a forma como a senadora está sendo tratada”.
“Essa é uma discussão técnica, causada pela ética, a ética do cuidado com as pessoas, com o meio ambiente, com o futuro do Brasil”, disse a ministra Marina Silva. Logo, voltou a ser interrompida pelo senador Omar Aziz.
“Meia dúzia de ambientalistas pra falar besteira sem conhecer a nossa região. Nego pago para falar”, disse o senador.
“A história vai julgar”, respondeu Marina.
“A história vai lhe julgar, já está julgando”, disse o Aziz, sugerindo que a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.159, conhecido pelos ambientalistas como PL da Devastação, que flexibiliza e afrouxa as regras para o licenciamento ambiental no Brasil.
“Cada um que votou aqui assuma sua responsabilidade”, retrucou Marina, que foi interrompida pelo presidente da sessão.
Sexismo
“Essa é a educação da ministra Marina Silva”, disse Rogério.
“Eu tenho educação. Mas o que o senhor gostaria é que eu fosse uma mulher submissa e eu não sou”, disse Marina
“Agora eu sou sexista, ministra?”, questionou o senador Marcos Rogério. E seguiu: “Me respeite, ministra, se ponha no seu lugar”, gerando reação dos presentes.
“Que absurdo. Ponha-se o senhor no seu lugar”, disse a senadora Eliziane Gama.
Quando pôde retomar sua fala, a ministra defendeu o trabalho do Ministério do Meio Ambiente. “Ao defender o meio ambiente eu estou defendendo os interesses estratégicos do Brasil”, declarou.
A discussão seguiu com a ameaça do senador Marcos Rogério de aprovar, desta vez, uma convocação para um comparecimento da ministra à comissão.
Por fim, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que em março disse que gostaria de enforcar Marina, afirmou que a ministra não merecia respeito. “Olhando para a senhora, estou falando com a ministra, e não com uma mulher”, afirmou. “Eu sou as duas coisas”, retrucou Marina. “A mulher merece respeito, a ministra, não”, concluiu ele.
Marina, então, afirmou que o senador deveria pedir desculpa ou ela se retiraria da sessão. Como Plínio Valério sinalizou que continuaria a discussão, Marina Silva se retirou e, em seguida, a sessão foi encerrada.
Reações das mulheres do governo
Em nota, a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, qualificou de “completo absurdo” o ocorrido na Comissão de Infraestrutura do Senado. “Ela [Marina Silva] foi desrespeitada e agredida como mulher e como ministra por diversos parlamentares – em março, um deles já havia inclusive incitado a violência contra ela”.
“É um episódio muito grave e lamentável, além de misógino. Toda a minha solidariedade e apoio à Marina Silva, liderança política respeitada e uma referência em todo o mundo na pauta do meio ambiente. É preciso que haja retratação do que foi dito naquele espaço e que haja responsabilização para que isso não se repita”, finaliza o comunicado.
A primeira-dama Rosângela Silva usou sua conta da rede social Instagram para manifestar solidariedade e apoio à ministra. “Impossível não ficar indignada com os desrespeitos sofridos pela ministra Marina Silva durante sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado”, escreveu Janja.
“Sua bravura nos inspira e sua trajetória nos orgulha imensamente. Uma mulher reconhecida mundialmente por sua atuação com relação à preservação ambiental jamais se curvará a um bando de misóginos que não têm a decência de encarar uma ministra da sua grandeza”, afirmou a primeira-dama.
Na mesma rede, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, publicou um vídeo repudiando a postura dos senadores e declarando apoio à ministra do Meio Ambiente. “Como mulher negra, como ministra, como companheira de Esplanada, sinto profundamente cada gesto de desrespeito como se fosse comigo. Porque é com todas nós. A violência política de gênero e raça tenta nos calar todos os dias, mas seguimos em pé, de mãos dadas, reafirmando que não seremos interrompidas”, escreveu na publicação.
Na rede social X, a ministra dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Macaé Evaristo, afirmou que “Marina, simplesmente uma das mais importantes defensoras do meio ambiente, é reconhecida mundialmente”.
Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência, afirmou ser “inadmissível” o comportamento dos senadores. “Totalmente ofensivos e desrespeitosos com a ministra, a mulher e a cidadã. Manifestamos repúdio aos agressores e total solidariedade do governo do presidente Lula à ministra Marina Silva”, escreveu.
Ataque a Marina Silva pode ser enquadrado no Código Penal
Procuradores ouvidos pelo blog afirmam que episódio é grave, mas que Ministério Público depende da representação da ministra ou AGU; senador mandou ministra 'se colocar no seu lugar'.
Por Juliana Braga, g1 — Brasília

Procuradores do Ministério Público Federal ouvidos pelo blog afirmam que os ataques sofridos nesta terça-feira (27) pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), podem ser enquadrados como crimes. A ministra foi alvo de ao menos três parlamentares ao participar de audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado.
O presidente do colegiado, Marcos Rogério (PL-RO), exigiu que Marina se colocasse "no seu lugar". O senador Omar Aziz (PSD-AM) disse que ela não tinha "direito" de fazer seu trabalho com base nas leis. E Plínio Valério (PSDB-AM) disse que a respeitava como mulher, mas não como ministra.
O Congresso aprovou em 2021 a lei nº 14.192 para combater a violência política de gênero. O artigo 326-B, no entanto, que trata do assunto, não pode ser aplicado porque ele se restringe à violência sofrida por candidata ou detentora de mandato eletivo. Marina Silva é ministra, mas não disputou as eleições em 2022, portanto, não está respaldada.
Ainda assim, os procuradores ouvidos pelo blog acreditam que há tipificação criminal, desde que Marina ou a Advocacia Geral da União (AGU) representem no Ministério Público.
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Ministra Marina Silva protagonizou discussão acalorada na Comissão de Infraestrutura do Senado — Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
O ministro da AGU, Jorge Messias, manifestou-se após o episódio desta terça. Ele prestou solidariedade à ministra e a todas as mulheres que "seguem abrindo caminhos na política brasileira".
"O debate democrático exige respeito, independentemente de divergências políticas ou ideológicas. Não podemos tolerar atitudes que busquem constranger, intimidar ou deslegitimar mulheres em espaços de poder", disse Messias. O ministro não se manifesta, no entanto, sobre a possibilidade de representação no MP.
Após o episódio, Marina Silva se manifestou e disse ter se sentido agredida pelos ataques. "Eu me senti agredida fazendo o meu trabalho. Fui chamada para mostrar tecnicamente que as unidades de conservação, que estão sendo propostas para o Amapá, não afetam os empreendimentos", declarou Marina Silva à imprensa.
Nas redes sociais, Plínio Valério disse em seu perfil na rede social X que a ministra estava "irritadíssima com questionamentos sobre sua maléfica política ambiental" e que Marina "distribuiu provocações, dedo em riste e usou pretexto para fugir" de perguntas durante audiência no Senado.
Já Marcos Rogério falou que "lugar de ministro é no diálogo, com equilíbrio. Não nos espetáculos". "Seguiremos firmes, cobrando soluções reais para os problemas do povo e não abrindo espaço para cenas de desrespeito como a de hoje", escreveu na rede social X.
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Apoios à ministra
Diversas ministras do governo Lula saíram em defesa de Marina.
"Ela foi desrespeitada e agredida como mulher e como ministra por diversos parlamentares — em março, um deles já havia inclusive incitado a violência contra ela. É um episódio muito grave e lamentável, além de misógino", diz a nota da ministra das Mulheres, Márcia Lopes.
"Inadmissível o comportamento do presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, Marcos Rogerio, e do senador Plinio Valério, na audiência de hoje com a ministra Marina Silva. Totalmente ofensivos e desrespeitosos com a ministra, a mulher e a cidadã. Manifestamos repúdio aos agressores e total solidariedade do governo do presidente Lula à ministra", disse Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais.
Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues também condenou a misoginia. "É lamentável. Podia ter sido um debate proveitoso para avançar em pautas que são legítimas, mas a insistência de comportamentos machistas desqualificara o debate", condenou.
Na visão de Randolfe, no entanto, não é o caso de representação no Conselho de Ética Pública. Plínio Valério já foi representado no colegiado por ter dito que queria enforcar Marina Silva. O processo está parado desde março.
Oposição à proteção ambiental tenta silenciar Marina, dizem analistas

A naturalização da violência política de gênero e a oposição de parte do Legislativo às políticas de regulação ambiental defendidas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estão por trás dos ataques e ofensas sofridas pela experiente política nessa terça-feira (28), na Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado. A avaliação foi feita por especialistas ouvidas pela Agência Brasil.
Durante a audiência marcada por falas agressivas, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) disse que Marina não merecia respeito como ministra e o senador Marcos Rogério (PL-RO) mandou ela se colocar “no seu lugar”.
A professora de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Flávia Biroli argumentou que esse episódio é parte de uma história de ameaças e violações contra quem ousar defender os direitos ambientais no Brasil.
“A ministra representa uma posição indigesta para quem percebe os recursos ambientais como lucro e arrecadação. Sua história de ativismo, seu reconhecimento nacional e internacionalmente e sua posição de ministra dão força a uma agenda de regulação ambiental que dão a ela apelo político. Justamente por isso, aqueles que se opõem à regulação pelo meio ambiente atuam para silenciar e deslegitimar ela”, analisou Biroli.
O Brasil ficou como o 2ª país do mundo que mais assassinou defensores do meio ambiente em 2022.
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O episódio com a ministra ocorre uma semana após o Senado aprovar, por ampla maioria, projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil. Considerado por organizações ambientalistas como o maior retrocesso dos últimos 40 anos, o projeto foi duramente criticado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O caso ocorre ainda em meio às disputas pela exploração de petróleo na margem equatorial, próximo ao Amapá, projeto defendido pelo presidente da Casa, o senador Davi Alcolumbre (União-AP), defensor também das mudanças nos licenciamentos ambientais.
Violência de gênero
O conflito no Senado começou quando o senador Omar Aziz (MDB-AM), que é da base do governo, acusou Marina de travar o desenvolvimento do país, com duras críticas a política ambiental do MMA. Como Aziz interrompia a ministra nas suas respostas, começou um bate boca entre os dois.
O presidente da Comissão, Marcos Rogério (PL-RO), da oposição, não assegurou a palavra da ministra, ironizando o debate entre Marina e um senador da base governista. Após Marina exigir respeito do presidente da Comissão, Rogério disse para a ministra “se pôr no seu lugar”.
Para a professora e pesquisadora Michelle Fernandez, do Instituto de Ciência Política da UnB, para além das divergências políticas, houve um evidente caso de violência política de gênero, devido ao fato de a ministra ser mulher.
“Será que se fosse um homem naquele lugar, isso aconteceria? Existe uma leitura na sociedade de que aquele não é um espaço para as mulheres. Esse ‘coloque-se no seu lugar’, dito pelo senador Rogério, tem a ver com isso”, destacou.
Michelle Fernandez acrescentou que, mesmo sendo ministra de Estado e tendo sido senadora, deputada federal e candidata à presidência da República, Marina ainda é vista em um espaço que é tido como se não fosse para uma mulher.
“A gente está falando de um país que ocupa as últimas posições em participação de mulheres na política. Temos pouquíssimas mulheres de maneira ampla ocupando espaços de poder”, acrescentou a professora Michelle.
Para a especialista Flávia Biroli, tentar silenciar e constranger são ações típicas da violência política de gênero. “O fato de ela ser uma mulher negra de destaque incomoda ainda mais a esses homens, para quem ela está ‘fora do lugar’. Seu lugar, para eles, seria o de quem não tem voz nem influência", disse.
Respeito e forca
A fala que levou Marina Silva a abandonar a Comissão foi a do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que disse que não a respeita como ministra. Em outra audiência anterior no Senado, o mesmo parlamentar disse ser difícil ouvir Marina sem querer enforcá-la.
A professora de história da Universidade de Brasília Teresa de Novaes Marques, que estuda a participação das mulheres na política, avaliou que as agressões contra a ministra representam um declínio da compostura parlamentar observado no Brasil.
“Evidentemente que a pessoa confunde a afirmação de sua autoridade, fruto do cargo que ocupa, com a negação ao direito do outro de existir, falar. Hanna Arendt [filósofa e escritora] escreveu em uma de suas obras que o que distingue a condição humana é a capacidade de falar, de se expressar. Negar o direito de expressão, dentro das linhas do protocolo do debate político, é negar o direito do outro de existir”, comentou.
Para Teresa Marques, o episódio de ontem tem relação com o gênero, a origem social e até mesmo a condição fisicamente mais frágil da ministra. “[Tudo isso] estimula seus interlocutores a agredi-la. Ao se dirigir a ela na forma que fez, envia recado para subalternos amazônicos- ribeirinhos indígenas e seus defensores”, finalizou.
Defesa da ministra
Durante o bate-boca entre Marina, Omar Aziz e Marco Rogério, apenas a senadora Eliziane Gama (PSD-AM) levantou a voz para defender a ministra do meio ambiente.
“Eu quero apenas pedir que vossa excelência assegure a fala da ministra. Qual o problema de ela falar? Eu não vou permitir que se transgrida esse direito de fala da ministra”, disse a senadora.
O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), presente na sessão, não se manifestou durante o bate-boca. Após a audiência, o petista soltou nota condenando os ataques à ministra. “Não pode ser tolerado”, disse em uma rede social.
Após o senador Plínio dizer que Marina não merecia respeito, o líder do PT na Casa, senador Rogério Carvalho (PT-SE) pediu a fala e defendeu o direito de a ministra abandonar a Comissão por causa das falas desrespeitosas.
Na avaliação da cientista política Michelle Fernandez, faltou uma defesa mais incisiva e imediata da ministra no momento do debate.
“Vimos depois algumas notas condenando a atitude dos parlamentares e de respaldo a ministra, mas faltou uma efetiva defesa naquele momento. Isso tem relação com essa naturalização desse tratamento pejorativo com relação às mulheres, como se tivessem que aguentar esse tipo de enfrentamento, como se fosse natural”, analisou.
O tratamento dado a Marina na Comissão do Senado foi alvo de críticas por parte de vários membros do governo após o ocorrido. Por telefone, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu razão à ministra por ter abandonado a discussão.
Nota de Solidariedade da Articulação de Mulheres Brasileira à Ministra Marina Silva
A Articulação de Mulheres Brasileiras vem a público manifestar sua mais veemente e irrestrita solidariedade à Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, diante dos ataques misóginos e desrespeitosos perpetrados por senadores durante audiência na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal em 27 de maio de 2025.
Assistimos, com indignação e repulsa, à tentativa de desqualificação do trabalho e da pessoa da Ministra Marina Silva. As falas do Senador Plínio Valério, que ousou "separar a mulher da ministra" para justificar a falta de respeito ao cargo, e do Senador Marcos Rogério, que mandou a ministra "se pôr no seu lugar", não são apenas um ataque a uma figura pública; são um ataque direto a todas as mulheres que ocupam espaços de poder, que rompem barreiras e que, diariamente, precisam reafirmar sua competência e dignidade.
Reconhecemos em Marina Silva a força e a resiliência de milhões de mulheres brasileiras. Sua trajetória de vida, seu compromisso inabalável com o meio ambiente e sua postura firme diante da misoginia e da violência política de gênero são exemplos a serem seguidos. Ao se recusar a ser silenciada e ao exigir respeito, Marina Silva não apenas defendeu sua honra, mas a honra de todas nós.
O ocorrido no Senado Federal é um triste lembrete de que a violência política de gênero ainda persiste em nossos espaços democráticos, buscando calar vozes femininas e deslegitimar nossa participação. Não aceitaremos! A Articulação de Mulheres Brasileiras rechaça qualquer tentativa de silenciar, diminuir ou desrespeitar mulheres em suas posições de liderança. Exigimos que os agressores sejam responsabilizados por suas falas e que a Casa Legislativa tome as medidas cabíveis para garantir um ambiente de respeito e decoro.
Nossa solidariedade a Marina Silva é, acima de tudo, um grito de guerra: não nos calarão, não nos intimidarão e não recuaremos. Seguiremos juntas, lutando por mulheres na política, por ambientes livres de machismo e por uma sociedade onde o respeito seja a base de todas as relações.
Pela dignidade e respeito às mulheres na política!
Nota de apoio e solidariedade à ministra Marina Silva - Instituto Patrícia Galvão

Foto: Tomaz Silva/Agência BrasilMarina Silva - Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil
Marina Silva, sua bravura nos inspira.
Queremos o fim da violência política de gênero e raça!
A violência política de gênero e raça não começa com um tapa. Muitas vezes, ela se inicia de forma sutil: um comentário desdenhoso, uma interrupção constante, uma ameaça velada. É disso que se trata o que vem ocorrendo com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. É violência política e precisamos nomeá-la como tal.
Mesmo após eleitas, mulheres enfrentam obstáculos que seus colegas homens raramente conhecem. Ameaças, difamações, desvio de recursos de campanha, tentativas de silenciamento e exclusão de espaços de decisão ainda fazem parte da rotina de quem ousa ocupar o poder sendo mulher.
Não se engane. Declarações como “gostaria de enforcá-la” ou “ponha-se no seu lugar” não são episódios isolados de machismo e misoginia contra uma das maiores defensoras dos direitos socioambientais do país. Elas fazem parte de um padrão. O desrespeito é a regra e o respeito, quase exceção. Isso não afeta apenas mulheres eleitas, mas também ativistas, líderes de movimentos sociais e defensoras dos direitos humanos e dos direitos das mulheres.
A pesquisa Por Mais Mulheres na Política, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Ipec, com apoio do Ministério das Mulheres, escancara essa realidade: 4 em cada 10 brasileiros reconhecem que o assédio e os ataques machistas dentro e fora dos partidos são uma das principais barreiras à participação feminina na política. E 84% da população afirma que a baixa representatividade das mulheres em cargos políticos é consequência direta da discriminação e da violência.
Não bastasse isso, um em cada quatro brasileiros acredita que a política é um ambiente duro demais para as mulheres e que elas seriam “emocionais demais” para esse espaço. Mas os fatos mostram o oposto: mulheres na vida pública enfrentam com persistência e coragem múltiplas formas de violência, apenas por exercerem seus direitos políticos.
Vemos com profunda preocupação os ataques e agressões verbais direcionados à ministra Marina Silva, uma mulher negra, amazônica, cuja trajetória é marcada pela coragem, resistência e pelo compromisso histórico com o Brasil. Marina é referência na luta socioambiental nacional e internacionalmente e sua presença em um cargo de destaque é símbolo de resistência e avanço democrático em nosso país. É alarmante que, ainda hoje, mulheres em espaços institucionais continuem sendo alvo de violência política de gênero e raça. Nós, mulheres do Instituto Patrícia Galvão, expressamos nossa solidariedade à ministra Marina Silva e a todas as mulheres que, ao exercerem seus direitos políticos, enfrentam o machismo, a misoginia e a violência institucional. Seguimos firmes na luta por igualdade, respeito e por uma política democrática que vá além do discurso e se concretize em práticas efetivas.”
Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.