Obra de Narcisa Amália, escritora do século 19 que foi redescoberta só agora no século 21, é leitura obrigatória para o vestibular
Jornal da USP - Publicado: 28/05/2025 às 15:51
Texto: Cláudia Costa
Arte sobre foto - Wikimedia Commons e Atlas FGV
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Dá-se o nome de Nebulosas às manchas esbranquiçadas vistas aqui e ali por todo o céu – (Delaunay, tradução livre), epígrafe da primeira parte do poema Nebulosas
Mas como uma mulher consegue integrar um ciclo literário predominantemente masculino? Para o pesquisador isso é possível por conta de duas pessoas: Jácome de Campos, seu pai, que não é um poeta muito conhecido, mas que se relacionava com muitas pessoas do ciclo literário carioca e, valendo-se disso, começa a introduzir a filha nesse lugar de poetas, escritores e pensadores; e Pessanha Póvoa, jornalista, advogado, político e poeta, também pouco conhecido, que assina o prefácio da primeira edição de Nebulosas, na qual escreve: “Seu estilo vigoroso, fluente, acadêmico, a riqueza das rimas, tão eufônicas, tão reclamadas e necessárias ao verso lírico, suas convicções, falando à alma e à imaginação, justificam a sua já precoce celebridade, confirmam a sua surpreendente e rápida aparição, precedida do respeitoso coro da crítica sincera e grave”.
Influências abolicionistas
Capas de edições do livro Nebulosas - Foto: Reprodução/Editoras
Romântico por essência
A segunda parte do livro, com seus 27 poemas, é o momento mais romântico, ou “ultrarromântico” da Narcisa, informa Lucas. As poesias abordam temas como a saudade da infância e a exaltação da natureza, muito comuns aos românticos, como explica. “São poemas muito bonitos da Narcisa, que ela dedica a Resende, ao Pico Itatiaia, também no Rio de Janeiro, e que ela admira, escrevendo lindamente sobre esses lugares”. Fala também do amor, não necessariamente um amor destinado a um amado, e sim à amiga, à mãe, já que a presença feminina na obra de Narcisa é muito importante segundo o pesquisador.
A parte final, com 16 poemas, é caracterizada como seu momento mais abolicionista e republicano, além de homenagear figuras que marcaram a sua história: “ela escreve para o pai, para o Pessanha e para todos que estão dentro do círculo dela”. Como descreve o pesquisador, “Narcisa é uma poeta condoreira da terceira geração do romantismo”, ou seja, que utiliza a produção literária como instrumento de denúncia às injustiças sociais, sobretudo à escravidão.
Narcisa Amália conseguiu integrar um ciclo literário predominantemente masculino - Foto: Instagram/Brasil Imperial
A “poeta dos livres”
O pesquisador ressalta que poucos escritores recebiam destaque na sua primeira publicação. “Não é à toa que a Fuvest escolheu a Narcisa, porque ela foi sim, em sua época de publicação, uma escritora muito reconhecida”, afirma.
Para o pesquisador, ela cai no esquecimento porque aquela geração que a reconheceu morre, e ela também morre em 1924 – paralítica por conta do diabetes e de várias outras doenças que desenvolve, esquecida no interior do Rio de Janeiro. Narcisa acaba não participando da Semana de 22 e sobre isso Machado de Assis disse: “Não vamos considerar estes escritores”, se referindo aos escritores do século 19.
Enquanto mulher, já é apagada desse ciclo, entra no ostracismo assim como muitos outros escritores de seu tempo, e, até por conta dessa tendência moderna do século 20 de recusar o antigo e aderir ao novo, fica esquecida, como cita o pesquisador.
Por que ler Narcisa?
Dicas para os vestibulandos
Outros dois poemas importantes, que trazem a natureza e a exaltação à pátria, são O Itatiaia e A Resende, este último “introduz uma figura muito importante na análise da Narcisa, que é a peregrina”. O pesquisador lembra que o poema começa com o seguinte verso: “do meu peregrinar cansada”. “Então essa poeta que peregrina, que conhece, que anda, é uma figura muito importante para as mulheres no século 19 que publicam no mundo ocidental”.
Na última parte do livro, o pesquisador indica a leitura de O Africano e o Poeta, que foi muito difundido, até mesmo musicalizado. “Se você pesquisar no Youtube ‘O Africano Hip-Hop’, vai encontrar uma dupla cantando essa música”. Para ele, esse poema representa bem a poesia abolicionista de Narcisa.
O pesquisador ainda dá outras dicas, como ler a edição atual de Nebulosas, da Penguin e Companhia das Letras, que traz prefácio e pós-prefácio da pesquisadora Anna Faedrich, grande estudiosa da obra de Narcisa Amália. E, por fim, para que os vestibulandos leiam Narcisa com um dicionário do lado, já que o vocabulário da autora é muito complexo.