Quase lá: Transição Justa é pauta de evento de Geledés sobre a COP30

Com recorte racial, instituto realiza ciclo de debates sobre os principais temas que estarão na Conferência do Clima de Belém

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Kátia Mello - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

A COP30 será uma oportunidade para colocar a agenda racial do Sul Global no centro das negociações das temáticas sobre Transição Justa, Gênero, Adaptação Climática e Financiamento Climático, trazendo as demandas da população afrodescendente para o centro dos debates. Neste contexto, Geledés -Instituto da Mulher Negra iniciou no dia 23 de abril o Ciclo de Debates Rumo à COP 30. A proposta dos encontros online é ampliar o diálogo entre especialistas e sociedade civil, promovendo uma articulação que permita compreender os fóruns de alto nível e levar suas demandas aos espaços de decisão.

Neste primeiro ciclo, o tema escolhido foi Transição Justa, um assunto ainda recente no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) dentro da perspectiva de transformação dos modelos econômicos em direção a sociedades mais inclusivas e sustentáveis.

Para este primeiro encontro online, foram convidados Amiera Sawas, autora colaboradora do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC Sobre Gênero e Segurança Climática e coordenadora do Grupo de Trabalho para a Transição Justa da Climate Action Network-International (CAN); Leonardo Souza, primeiro secretário e diplomata do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Cinthia Leone, mestra e doutora em Ciências Ambientais pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e coordenadora da Área Internacional do Clima Info. A mediação ficou por conta de Ester Sena, assessora internacional na área de Clima e Juventude de Geledés.

 A assessora internacional de Geledés chamou atenção para o atual modelo econômico de energia, que segundo ela, ao estar baseado em extração de combustíveis fósseis, viola os direitos humanos e a natureza, com especial impacto para a população afrodescendente, os povos indígenas, as mulheres, os migrantes e as pessoas de grupos historicamente marginalizados.

 “As medidas para uma Transição Justa devem ser formuladas à luz da justiça ambiental e climática. Por isso, todos os compromissos assumidos devem enfrentar as desigualdades globais, além de prever e mitigar a desproporcionalidade das perdas e danos em múltiplos níveis e dimensões. A crise climática é urgente, mas a pressa não pode atropelar as necessidades da justiça social. Garantir a transição para um modelo sustentável, que não amplie as desigualdades, é um desafio global”, afirmou Ester Sena.


Ester Sena, assessora internacional na área de Clima e Juventude de Geledés.

A Transição Justa ganhou um impulso formal a partir da COP27, no Egito, com a criação do Programa de Trabalho sobre Transição Justa. Esse programa foi operacionalizado na COP28, em Dubai, com previsão de realização de dois diálogos por ano até 2026, quando o plano será revisado durante a COP31. No entanto, a ausência de consenso entre os 195 países participantes impediu o avanço de uma nova decisão na COP29, aumentando as expectativas para que a COP30, que será realizada em Belém (PA), traga resultados concretos e robustos, como destacou o diplomata Leonardo Souza.

O primeiro secretário elegeu alguns dos desafios que devem aparecer na COP 30. “A Transição Justa é uma das temáticas mais novas na convenção, mas extremamente relevante. Ela traz um olhar social que faltava nas discussões sobre mitigação e adaptação climática”, afirmou. O conceito, segundo ele, refere-se à mudança de um modelo econômico intensivo em carbono para outro de baixo ou zero carbono, “de modo que os processos dessa transição não aumentem as desigualdades”.

Apesar da importância do tema, Souza alerta que a palavra “desigualdade” não aparece literalmente na decisão. “Ela está lá, mas sob outra forma: fala-se em transições que não deixem ninguém para trás”, explicou. Ainda assim, o diplomata considera esse ser um avanço político: “A decisão foi muito bem negociada, com ganhos tanto para os países desenvolvidos quanto para os países em desenvolvimento. Foi a primeira decisão substantiva sobre o tema”.

Ele defendeu que a convenção precisa ir além da retórica: “Não basta termos relatórios ou diálogos. Precisamos de resultados concretos na COP30. A convenção deve fazer o que estiver ao seu alcance para que esses resultados impactem positivamente os grupos mais vulneráveis, entre eles a população afrodescendente — não apenas como menção simbólica, mas como foco real de políticas e ações”.

O diplomata também apontou a expectativa de que os princípios aprovados pelo G20 sobre transição energética justa, durante a presidência brasileira do grupo, possam influenciar a próxima decisão da UNFCCC. “É uma oportunidade de trazer esses princípios para o centro das negociações. A Transição Justa não pode ser apenas justa no discurso — ela precisa enfrentar as desigualdades, proteger os trabalhadores e reconhecer quem são os mais afetados pela crise climática”, concluiu.

Durante uma intervenção incisiva no evento, Amiera Sawas, lançou uma série de reflexões sobre os dilemas e as contradições da chamada transição energética global. Ao representar sua rede que articula centenas de organizações em diversas partes do mundo, Sawas trouxe à tona algumas lacunas estruturais que ameaçam comprometer a justiça no processo de descarbonização da economia. “Será que estamos mesmo em uma transição?”, questionou. “Como podemos falar em transição quando ainda temos um problema crescente de dependência dos combustíveis fósseis?”, indagou ela.

Segundo dados recentes citados por Sawas, 86% das emissões de dióxido de carbono e grande parte do metano vêm da queima de combustíveis fósseis. Um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente apontou que o mundo já extraiu 110% mais combustíveis fósseis do que o limite estabelecido pelo Acordo de Paris. Apesar do aumento dos investimentos em fontes renováveis, 85% desses recursos continuam concentrados no Hemisfério Norte e na China, revelando um desequilíbrio geopolítico histórico.

“Precisamos de condições estruturais para que uma verdadeira transição ocorra”, defendeu. “Hoje ela acontece de forma desordenada, sem governança global e sem enfrentar a questão da produção de combustíveis fósseis.”

 Sawas criticou ainda as brechas legais e tecnológicas que permitem que países historicamente mais poluentes continuem explorando recursos fósseis. Além disso, advertiu para os riscos econômicos e sociais do abandono de ativos fósseis, especialmente no Sul Global, onde muitos projetos podem se tornar inviáveis com a queda no valor desses combustíveis. Segundo ela, essa realidade representa “um risco financeiro imenso para países que não causaram a crise climática, mas estão sendo forçados a arcar com suas consequências”.

Sawas falou também sobre os efeitos da transição energética sobre comunidades já vulnerabilizadas. “Zonas de sacrifício são lugares onde os impactos são maiores, apesar de não terem causado o problema. Essas áreas geralmente sofrem marginalizações racializadas e de gênero”, destacou.

Um dos aspectos mais graves apontados por Sawas é a interseção entre dívida externa e crise climática. Segundo ela, “a maioria dos países do Sul Global gasta mais com o pagamento de juros do que com saúde e educação”. Em março de 2024, 68 países relataram essa realidade, o que compromete a capacidade de investir em adaptação e mitigação climática.

Ao final de sua fala, Sawas reforçou a urgência de mecanismos globais coordenados, que articulem compromissos de financiamento, inclusão social e metas climáticas. “Precisamos mapear o trabalho futuro nos diferentes setores e focar onde o impacto será maior”, afirmou. “Só assim poderemos transformar a Transição Justa em realidade, sem desestabilizar os movimentos sociais que deram origem a esse conceito.”

Para Cinthia Leone, a transição energética justa estará no epicentro da Conferência Climática de Belém. “Essa é uma COP que não tem exatamente um tema, mas tem. Explico o porquê.” Segundo Cinthia, a expectativa em torno da COP30 ocorre em um momento de crise profunda no cenário geopolítico global. “Estamos vivendo um cenário para lá de adverso”, disse. “Há uma investida antiambiental e anticlimática sem precedentes, especialmente vinda dos Estados Unidos, que desmonta políticas climáticas internas e externas e ataca mecanismos de financiamento e filantropias.” Ao mesmo tempo, ela aponta a perda de protagonismo climático da Europa, enfraquecida pelas consequências da guerra na Ucrânia.

Para ela, estamos em um momento divisor de águas. “Está em jogo nada menos do que a saúde do sistema multilateral, a possibilidade de a humanidade controlar o aquecimento global neste século, e o início de um novo ciclo industrial e econômico. Por mais que se reconheça a dificuldade do cenário, se espera muito dessa COP.”

Cinthia critica a narrativa de que a transição ocorrerá naturalmente por razões de eficiência econômica. “A discussão real é se ela vai acontecer na velocidade necessária para que não percamos a capacidade de controlar o aquecimento global. Acontecer tarde já é tarde demais.”

O papel do Brasil nesse processo é estratégico, na visão da jornalista. “O Brasil reúne as mais impressionantes vantagens competitivas para liderar essa transição”, destacou. “Nosso mix energético já é limpo e temos a maior reserva de florestas tropicais do mundo, que pode ‘emprestar tempo’ para a humanidade controlar o aquecimento global.”

Cinthia também ressaltou o papel do país como exemplo para outras nações em desenvolvimento. “Se o Brasil, com sua sociobiodiversidade, cultura multiétnica e democracia vibrante, mostrar que é possível promover desenvolvimento humano por meio da transição ecológica, isso muda a narrativa global.”

Mas essa posição de destaque impõe responsabilidades. “A reputação do Brasil está em jogo. E não necessariamente nos temas que a sociedade civil quer enfatizar. Um exemplo é a contradição entre falar de transição energética justa e abrir nova frente de exploração na Foz do Amazonas.”

Ela prevê um aumento significativo da desinformação climática no Brasil e em mercados-chave como os países de língua inglesa. “A desinformação climática já está mais sofisticada e deve atingir seu pico antes da COP30”, alertou. Entre os exemplos, citou a falsa narrativa de que a transição não existe e que as renováveis apenas se somam às fontes fósseis. “Isso é desinformação. A ciência já é clara: precisamos abandonar petróleo, gás e carvão, e triplicar as renováveis.”

Para a jornalista, a maneira como a Transição Justa se concretizará na COP30 ainda é uma incógnita. “Será que vai ser um acordo entre líderes? Vai entrar nos textos de negociação? Ou será impulsionada pela agenda de ação do país anfitrião? Não sabemos ainda”, concluiu. “Mas não há dúvida de que a transição será o termômetro que vai definir o legado dessa COP para a agenda climática global.”

 

fonte: https://www.geledes.org.br/transicao-justa-e-pauta-de-evento-de-geledes-sobre-a-cop30/

 


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