Quinto romance de Conceição Evaristo conta a história de Fio Jasmim e dos encontros de sua vida; a obra está na lista de livros obrigatórios para a Fuvest 2026
Jornal da USP - Publicado: 13/05/2025 às 15:31
Texto: Carolina Borin
Arte sobre fotos: Pallas Editora e Marcos Santos/USP Imagens
“Este livro é oferecido a todas as pessoas que se enveredam pelos caminhos da paixão e que, mesmo se resfolegando em meio a muitas pedras, não se esquecem do gozo que as águas permitem. É uma celebração ao amor e às suas demências.
É ainda um júbilo à vida, que me permite embaralhar tudo: vivência e criação, vivência e escrita. Escrevivência”
É com esse prefácio, que se inicia Canção para ninar menino grande, da escritora, ficcionista e ensaísta Conceição Evaristo. O livro é o quinto romance da autora e foi publicado em 2018. Sua 2ª edição foi lançada quatro anos depois, em novembro de 2022. A obra entrou na lista de leitura exigida para o vestibular da Fuvest 2026, que seleciona candidatos para os cursos da USP. A nova lista, que valerá também para os exames de 2027 e 2028, é composta somente de mulheres autoras de língua portuguesa, contemplando escritoras brasileiras e estrangeiras, trazendo visibilidade a essas mulheres que, muitas vezes, permaneceram à margem do circuito literário.
Conceição Evaristo posiciona a mulher negra como figura central em seus textos, analisa Maria Paula de Jesus Correa, doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Ela escreve sobre a memória, a ancestralidade, o racismo, a desigualdade, a discriminação de gênero e de classe e sobre os saberes afro-brasileiros”, salienta Maria Paula.
Mas nesse romance, como lembra a pesquisadora, a autora subverte esse protagonismo. Em 16 capítulos, uma breve introdução e um posfácio, o livro conta a história de Fio Jasmim, um homem negro, ferroviário, casado e que se relaciona com várias mulheres pelas cidades que passa, viajando a trabalho. O romance é construído a partir das diferentes vozes femininas colhidas pela narradora que também faz parte do ‘grupo de amigas’”, informa a pesquisadora.
A “escrevivência”
Além da mistura da ficção e da realidade, Canção para ninar menino grande, assim como outras obras da escritora, articula desde o início do romance a ideia de escrevivência. “Escrevivência é um termo – hoje, um conceito e um método – desenhado por Conceição, que aponta o ato de escrita de mulheres negras que pretende retomar a voz das escravizadas que foram silenciadas pelos escravocratas para contar a história de negras e negros no Brasil”, explica a pesquisadora Maria Paula. Nas palavras da autora, a escrevivência é também esse texto que se esgota e se confunde com um sujeito coletivo.
Nesta obra específica, Maria Paula pontua: “A escrevivência se traduz na obra ao contar a história de um homem negro e de oito mulheres – nem todas elas negras – dentro de uma sociedade estruturalmente racista que desumaniza pessoas afrodescendentes sequestrando suas subjetividades”. Como diz a própria Conceição no livro: “capto como testemunha ocular ou como ouvinte a dinâmica de vidas que se confundem com a minha, por algum motivo. Fui uma das mulheres de Fio Jasmim; em alguma circunstância, pode ser (…) O moço não me é estranho, como as mulheres que estiveram com ele também não”.