Estamos chegando ao fim da Era Lula, e uma análise minuciosa desses oito anos aponta que, embora tenhamos deixado para trás a política perversa de ajuste estrutural, ainda estamos longe do modelo de avanço social. Isso porque uma série de mudanças na política macroeconômica - que acelerariam a redução das desigualdades – não foi promovida.

O balanço das políticas públicas do governo Lula foi construído pelo movimento de mulheres e feministas e mostra que dois elementos têm sido fundamentais para manter as desigualdades: o sistema tributário extremamente regressivo, que pesa proporcionalmente mais sobre os pobres do que sobre os ricos; e o uso de 1/3 dos recursos orçamentários, todos os anos, para o pagamento da dívida pública.

No Brasil, quem ganha até dois salários mínimos (a maioria, mulheres e negr@s) paga em média 53% da sua renda em impostos; enquanto isso, para quem ganha mais de 30 salários mínimos, os impostos pesam 29%. É preciso mudar isso. O balanço indica que nas duas oportunidades em que foi discutida uma Reforma Tributária, as propostas não continham nenhuma medida para a promoção de justiça fiscal (ou seja, estabelecer regras para que os mais ricos paguem mais impostos do que os mais pobres).

De outro lado foi observado que os recursos arrecadados não são integralmente devolvidos na forma de políticas públicas e serviços à população: o balanço aponta que menos da metade dos recursos arrecadados no orçamento da seguridade (que contempla Saúde, Assistência Social e Previdência) foram gastos. O restante pode ter sido transferido para outras finalidades, como por exemplo, a formação de reservas que mantêm a estabilidade financeira do país ou o pagamento da dívida pública.

O balanço mostra também o que muita gente não sabe: o pagamento da dívida pública continua existindo e absorve cerca de 1/3 do orçamento público federal todos os anos. Apenas para se ter uma ideia, o Brasil paga 1 bilhão de reais por dia apenas em juros da dívida – valor suficiente para custear, por um ano, o recente reajuste concedido @s aposentad@s, por exemplo. Essas e outras medidas constituíram, nos últimos anos, uma espécie de “transferência de renda” destinada às elites financeiras, que certamente contribuíram para reduzir o passo da promoção da igualdade no país.

Por outro lado, políticas como o aumento do salário mínimo, a concessão do Bolsa-Família e a geração de empregos contribuíram para melhoras em vários indicadores que apontam a redução da pobreza e da desigualdade. No entanto, essas políticas se mostram insuficientes para enfrentar problemas de caráter estrutural e que devem ser combatidos por meio de políticas macroeconômicas. Entre branc@s e negr@s, por exemplo, a disparidade continua grande: há quase o triplo de pessoas negras vivendo abaixo da linha da pobreza em relação às pessoas brancas, e em termos salariais, os homens brancos recebem quase o triplo do salário das mulheres negras.

Se proporcionalmente, quem mais contribui para a receita pública brasileira são os segmentos de menor renda da população, como pode ser que na hora de usar os recursos arrecadados, o maior gasto - com o pagamento da dívida pública, ano após ano, favoreça exatamente os segmentos mais ricos (credores/banqueiros)?

Em 2011 teremos um novo governo, e é fundamental que o movimento de mulheres paute, em suas lutas, a adoção de medidas macroeconômicas que revertam essa tendência injusta de distribuição de recursos.

É preciso reivindicar a democratização dos espaços de decisão sobre as políticas e os orçamentos públicos, com a participação das mulheres; incidir sobre os processos dos Poderes Executivo e Legislativo de decisão sobre as Finanças Públicas; e exigir transparência e compromisso com a promoção da igualdade no investimento dos recursos públicos.

Apenas desta forma será possível contribuir, de forma significativa, para romper com as desigualdades de gênero e raça, de forma que a superação da pobreza e a garantia de bem-estar e justiça social atinjam todas e cada uma das mulheres brasileiras.


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