Acompanhar as políticas federais sobre saúde da mulher e direitos reprodutivos tem sido uma das prioridades do CFEMEA. Este é um foco ditado pela própria dinâmica do movimento de mulheres no Brasil que, desde o início da década de 80, privilegia este campo de luta. Embora os avanços conquistados sejam relevantes, eles dizem respeito, sobretudo, aos textos legais, protocolos, regulamentações e compromissos internacionais assumidos pelo Governo. Exemplos destes compromissos são as Plataformas de Ação das Conferências do Cairo (População e Desenvolvimento/1994) e Beijing (Mulher, Desenvolvimento e Paz/1995), que coincidem ao contemplar a reprodução humana e seus entrelaçamentos com os direitos reprodutivos e a saúde materna. Balanços recentes, explorando os indicadores e dados disponíveis, mostram a permanência de um quadro dramático de realidade, sendo o exemplo clássico o alto índice de mortalidade materna no país.

Portanto, os textos e o discurso oficial não devem ser o único termômetro para medir os avanços ocorridos no dia a dia das mulheres. Assim como não são suficientes as estatísticas sobre saúde reprodutiva, e mais especificamente sobre saúde materna, pois, no Brasil, essas estatísticas ainda são extremamente precárias. É importante observar a efetiva execução das políticas lá na ponta, onde estão os recursos materiais destinados ao desenvolvimento de programas que, em princípio, poderiam trazer concretude a alguns conteúdos progressistas dos discursos.

O orçamento da União é um instrumento privilegiado, que espelha a vontade política da equipe governante e constitui a peça mais poderosa que se tem nas mãos.

O Orçamento da União é um instrumento privilegiado, que espelha a vontade política da equipe governante e se constitui na peça mais poderosa que se tem nas mãos. No Brasil, este instrumento sempre foi lidado como uma espécie de “caixa preta”, que preserva as informações. A partir da Constituição de 1988 isto mudou, tornando-se o orçamento um instrumento fundamental para o controle social, na medida que suas peças foram transformadas em leis analisadas, alteradas e votadas no Congresso Nacional. Desmistificar este instrumento e debater publicamente o conteúdo dessas leis tornou-se parte do advocacy e da ação política transformadora, cabendo às instâncias civis de controle social, assim como ao Congresso Nacional, exercer vigilância sobre a execução dessas leis.

Por outro lado, as regras ditadas pelo contexto internacional têm estabelecido que as chamadas ‘políticas sociais’ fiquem em segundo plano, se na pauta nacional está colocada a estabilização da moeda. Sendo a economia brasileira parte desse contexto, o país encarna uma contradição entre discurso e prática. A sensibilidade social, presente nos acordos internacionais e nos textos da Lei, tem sido tolhida pela opção de política econômica e pela envergadura dos compromissos assumidos, em nome do desenvolvimento, com credores externos. É exemplar o episódio ocorrido após acordo feito com o Fundo Monetário Internacional, quando o Brasil se comprometeu a gerar um superávit primário equivalente a 2,6% do Produto Interno Bruto. Este compromisso levou a que o Governo Federal retirasse a proposta de Orçamento para 1999, já enviada ao Congresso Nacional, para efetuar os “cortes necessários” ao cumprimento do acordo.

A sensibilidade social, presente nos acordos internacionais e nos textos da Lei, tem sido tolhida pela opção de política econômica e pela envergadura dos compromissos assumidos, em nome do desenvolvimento, com credores externos.

Estas considerações são o pano de fundo que levaram o CFEMEA, através do projeto “Saúde Materna no Brasil: discursos e recursos”, a desenvolver, através da consultoria da ex-deputada federal e professora universitária Maria Laura Sales Pinheiro, um estudo sobre a execução orçamentária da União, especificamente no que se refere às ações no campo da saúde da mulher. Este estudo resultou no relatório denominado “Peças Orçamentárias e Direitos das Mulheres/Saúde Materna 1995-1999”, que analisa os Planos Plurianuais do Governo Fernando Henrique Cardoso, as Leis Orçamentárias Anuais e as execuções das leis orçamentárias no período entre 1995 até o primeiro semestre de 1999. Entre as referências bibliográficas utilizadas, além das leis e de documentos oficiais, a autora lançou mão de publicações feministas como as do próprio Cfemea e da RedeSaúde (Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos), e estudos realizados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais Aplicadas (IPEA) e pelo Population Reference Bureau (EUA), que avaliou o nível de implementação da Plataforma do Cairo em quatro países, entre estes o Brasil.

Pensado inicialmente como um subsídio para a capacitação técnica da equipe institucional do CFEMEA, o relatório concluído por Maria Laura reuniu informações de tal utilidade, que decidimos compartilhá-las com um público mais amplo, de ativistas e profissionais da área da saúde com comprometimento diante dos direitos das mulheres e engajamento nas instâncias de controle social.


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