De 30 de outubro a 1º de novembro, representantes de ONGs que trabalham com a questão racial no Brasil se reuniram, em Brasília, no “Encontro Nacional de Organizações de Mulheres Negras” para avaliar os problemas e discutir estratégias a serem encaminhadas para a Conferência Mundial Contra o Racismo que acontecerá, em 2001, na África do Sul. Em entrevista à Jacira Melo e Guacira Oliveira a filósofa Sueli Carneiro, do Geledés - Instituto da Mulher Negra - fala da importância do movimento feminista ajudar no combate à discriminação racial no País.

Fêmea - Como você vê a articulação de mulheres para a Conferência Contra o Racismo que vai ser realizada na África do Sul em 2001?

Sueli - Eu vejo o Movimento Feminista como um parceiro estratégico do movimento de mulheres negras, em todo o processo de preparação para a Conferência contra o Racismo. As mulheres negras têm conseguido sensibilizar o Movimento Feminista para incorporar a temática social e conquistamos parcerias fundamentais neste processo. A Conferência Contra o Racismo cria a possibilidade de aprofundarmos esse diálogo, essa fraternidade feminina entre mulheres brancas e negras. Eu vejo que os esforços das mulheres negras para tentar ter voz na Conferência contra o Racismo carecem, ainda, do apoio, solidariedade e de um posicionamento muito firme do movimento feminista brasileiro em relação aos temas da Conferência: racismo, desigualdade e a conjugação racismo x sexismo. Neste sentido eu trabalho com a expectativa de que o movimento feminista emprestará, ao movimento de mulheres negras e ao movimento negro, o seu prestígio no plano nacional e internacional, posicionando-se franca e objetivamente no repúdio a todas as formas de discriminação e racismo.

Fêmea - Como você avalia a realização deste Seminário?

Sueli - Eu acho que este Encontro, do ponto de vista das organizações de mulheres negras, dá segmento ao processo que foi desencadeado por 3 organizações de mulheres negras (Criola”’ do Rio de Janeiro, “Geledés” de SP e o “Maria Mulher”do Rio Grande do Sul) que tiveram a iniciativa de convocar as organizações de mulheres negras para definir a participação delas na Conferência. Nós realizamos, no início de setembro, uma reunião que retirou uma declaração sinalizando as principais preocupações das mulheres negras que é a base do documento produzido para a Conferência. Eu creio que a iniciativa do Unifem e dos outros patrocinadores está de acordo com uma posição histórica que eles vêm tendo em relação aos processos de participação das mulheres nas Conferências convocadas pela ONU na década de 90.

Fêmea - Será que o movimento feminista não está demasiadamente tímido em relação a essa Conferência?

Sueli - Eu não chamaria de timidez. Eu acho que o racismo é um tema que nós lidamos mal na sociedade brasileira e por ser historicamente tratado com muita ambigüidade, sutileza e hipocrisia, sempre gera uma certa paralisia. O fato das pessoas não saberem como se colocar neste debate dá essa impressão de timidez. Há uma falta de clareza, por exemplo, do movimento feminista, em saber qual é o papel que ele cumpre nesse processo. Talvez muito condicionado a uma preocupação de não atropelar o protagonismo das mulheres negras. O que eu estou dizendo é: as Organizações de Mulheres Negras têm um desafio de fazer esse protagonismo, de construir propostas, de se fazer presente e serem ouvidas no contexto da Conferência. Este protagonismo nos cabe inequivocamente, mas os outros setores também têm um protagonismo que lhes é próprio em todas as lutas sociais. O movimento feminista se posicionou pela reabertura, pela redemocratização do Brasil, direitos humanos, questão ambiental e outras lutas que não estavam, num primeiro momento, diretamente relacionadas aos seus temas. O racismo é um tema que diz respeito ao movimento feminista e ele tem algo a dizer sobre esta questão, particularmente quando se sabe o impacto que o sexismo tem sobre um determinado tipo de mulher que não é a mulher do padrão hegemônico que a sociedade valoriza.

Fêmea - Como você vê a conjunção do Movimento Feminista com a Conferência?

Sueli - O que eu vejo é que vivemos numa sociedade que é racista e nega este fato. A minha expectativa em relação ao movimento feminista é que as mulheres organizadas, que têm um compromisso com a equidade de gênero, verbalizem para essa sociedade que elas não são coniventes com a desigualdade que a hegemonia racial branca produz na sociedade, e que elas repudiam privilégios de raça que lhes são dados a despeito da sua vontade, enquanto mulheres brancas. Que elas rejeitam a falácia do mito da democracia racial.


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