Claudismar Zupiroli
Advogado especialista em direito eleitoral

Recentemente a Comissão de Reforma Política do Senado aprovou uma série de propostas que deverá compor a reforma que o Senado entende ser possível e necessária e que centralizará o debate político nos próximos meses sobre as mudanças exigidas pela cidadania para o velho e desgastado sistema político brasileiro.

Dentre as propostas mais polêmicas está à elevação de 30% para 50% da cota de candidaturas femininas nas eleições proporcionais (deputados e vereadores), combinada com a lista fechada de candidatos, mediante a obrigação de os partidos alternarem os nomes de homens e mulheres na lista.

Trata-se de proposta polêmica que enfrenta oposição dos setores que a classificam como demagógica e inviável, uma vez que atualmente os partidos já não conseguem número de candidatas mulheres suficientes para preencher nem os 30% previstos na Lei Eleitoral.

A polêmica e a consequente resistência são esperadas. Quando a proposta da cota de 30% de candidaturas femininas foi aprovada pela Lei Eleitoral, há quase 15 anos (Lei nº 9.504/97), as reações e críticas foram ainda mais contundentes. Lamentavelmente para um país que só admitiu o voto para as mulheres em 1932, assegurar a obrigatoriedade de um percentual de candidaturas femininas ainda soava estranho 65 anos depois.

Apesar de significar um enorme avanço, a nova regra não possuía efetividade, uma vez que a lei apenas exigia que os partidos e coligações “reservassem’ o mínimo de 30% de candidaturas de mulheres. Além disso, não estabelecia nenhuma penalidade para o seu eventual descumprimento. Mesmo assim, indubitavelmente aquela ‘demagogia’ (qualificação que não concordo) foi a responsável pela elevação quantitativa e qualitativa da participação das mulheres na política nacional desde então.

Ao prever apenas que “reservassem” 30% das vagas para as eleições proporcionais, a lei não foi capaz de obrigar os partidos a investirem em formação política e na arregimentação de quadros femininos qualificados. Com raras e honrosas exceções, o que se viu neste período foi a omissão dos partidos na preparação e escolha de quadros femininos de expressão. Desde então, praticamente todos os partidos sequer apresentaram número de candidaturas suficientes para preencher a cota de 30% nas eleições proporcionais. Sem falar na apresentação de candidaturas para ‘inglês ver’, não raro de servidoras públicas sem expressão para assegurar mão-de-obra para a campanha dos demais candidatos, uma vez que os servidores são obrigados a se afastarem dos seus cargos, recebendo salários, nos três meses que antecedem as eleições.

Por certo, o aumento da participação feminina na política nacional nesse período foi mais consequência da iniciativa das próprias mulheres e da evolução do movimento feminista do que da eficiência da lei.

Em 2009, com a denominada minirreforma política, a legislação evoluiu para obrigar os partidos a apresentarem a cota de candidaturas femininas de forma completa ao dizer que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30%”.

E a Justiça Eleitoral, interpretando a nova exigência, ensaiou obrigar os partidos nas eleições de 2010 a apresentarem a cota de 30% completa, sob pena de indeferir a lista de todos os candidatos apresentados. Contudo, esta decisão foi tomada tardiamente, quando o processo eleitoral já estava em curso e os partidos já haviam realizado suas convenções e apresentado suas chapas, o que tornou inviável a sua exigência. Sem dúvida, se esta obrigação “pegar” para as eleições de 2012, mediante a exigência da Justiça Eleitoral no ato da aprovação das candidaturas dos vereadores, já significará um avanço extremamente importante. Mas, do mesmo modo, ainda não será suficiente, uma vez que mesmo obrigados a apresentarem 30% de candidaturas femininas, nada assegura que os partidos apostarão na formação e na qualificação de seus quadros até lá, de modo que muito provavelmente continuarão a apresentar candidaturas femininas inexpressivas apenas para “cumprir tabela”.

O mesmo não ocorrerá, caso venha a ser aprovada a elevação da cota de 30% para 50%, com listas fechadas e com alternância entre uma candidatura masculina e uma feminina, tal como está sendo debatido atualmente pelas duas Comissões que discutem a reforma política, na Câmara e no Senado. Esta combinação forçará os partidos a investirem na arregimentação de bons quadros femininos, a incentivarem a participação das mulheres na política partidária, a assegurarem a ocupação de posições de destaque em suas estruturas internas, a darem visibilidade a seus quadros femininos na mídia e na propaganda partidária e, sobretudo, a investirem na formação política para poderem oferecer nomes de expressão e com densidade política capaz de qualificar as listas que apresentarem aos eleitores.

Ninguém discorda que o ideal seria que a sociedade brasileira tivesse evoluído politicamente a ponto de ser desnecessária a adoção de cotas para candidaturas femininas. Mas, como isso não aconteceu e nem há perspectivas de acontecer “naturalmente” a médio prazo, o caminho mais eficiente para enfrentar tamanha desigualdade é o da ação afirmativa para forçar os partidos e as elites políticas a evoluírem.

A hora, agora, é de mobilização da sociedade, do movimento feminista e das lideranças mais avançadas de modo a assegurar a aprovação desta proposta em debate no Congresso Nacional.


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