O debate acerca da reforma política está aquecido. Além dos partidos políticos, os movimentos sociais, redes e outras entidades da sociedade civil se mobilizam em torno dessa discussão e disputam os rumos da reforma.

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político já conseguiu alguns avanços sobre esse terreno que até recentemente estava restrito aos partidos. Como avalia José Antonio Moroni do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc): “há sete anos, quando iniciamos a Plataforma era bem difícil, mas hoje já é diferente. As pessoas entendem que uma reforma política vai além do processo eleitoral. Isso, por si só, é uma conquista”. Segundo Moroni, a Plataforma propõe uma reforma do sistema político, que vai muito além da simples reforma do sistema eleitoral como é a proposta que está sendo discutida no Congresso Nacional. “Precisamos não só pensar as regras eleitorais (isso é fundamental), mas também os mecanismos de exercício do poder e do seu controle e, principalmente, quem tem o poder de exercer o poder. Não adianta mudar as regras eleitorais se o povo, principalmente as mulheres, a população indígena, negra, LBGT estão ausentes dos espaços de discussão política”, afirma.

Reformar o sistema político é mais do que rever as regras eleitorais. É constituir outro modo de pensar, de fazer política e de exercer o poder. Começa por fortalecer a soberania popular, propondo instrumentos para o exercício do poder popular, e para o controle popular sobre o poder, inclusive (mas não apenas) revendo as normas que regulamentam os processos eleitorais e a representação política. É com essa intenção que a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político está consultando organizações, aprofundando o debate, reunindo forças para mobilizar a sociedade em torno de uma iniciativa popular de reforma do sistema político, estruturada em quatro grandes eixos:

  • Fortalecimento da democracia direta;
  • Democratização e fortalecimento dos partidos políticos;
  • Reforma do Sistema Eleitoral;
  • Controle social do processo eleitoral.

A seguir, destacaremos alguns itens da proposta que está em discussão. Para conhecê-la na íntegra acesse http://www.reformapolitica.org.br/noticias/da-plataforma/50-proposta­-de-iniciativa-popular-para-reforma-politica.html

As propostas para o fortalecimento da democracia direta

Sempre que os movimentos de mulheres discutem a reforma política, a questão da participação das mulheres no poder está colocada. Dessa vez também. Contudo, nossa proposta implica mais que aproximar as mulheres do poder. A democracia direta se trata de aproximar o poder das mulheres, assegurar o direito de decidir, a cada mulher, a cada cidadão, porque todo o poder é, originalmente, da cidadania.

O nosso sistema político é todo centrado na representação. A população é chamada a eleger seus/suas representantes, mas depois que vota, fica sem poder. Quem se elege fica com amplos poderes para decidir sobre tudo, sem consultar ninguém. O voto atualmente funciona como uma “procuração assinada em branco” d@ eleitor@ para quem quer que seja eleit@.

A proposta da Plataforma para a Reforma Política pretende restituir o poder da cidadania. Propõe-se que determinadas questões não possam ser decididas pel@s noss@s representantes (vereador@s, deputad@s, senador@s) sem a participação da população. Tem que haver plebiscito ou referendo popular (instrumentos de democracia direta) para que essas decisões passem a valer e se efetivem.

Do mesmo modo, tem que ter veto popular para impedir que algumas decisões contrárias à cidadania sejam consumadas. É mais um instrumento da manifestação da soberania popular, que se viabilizaria com a coleta de assinaturas, do mesmo modo que se faz nos casos de Iniciativa Popular de Lei.

Mais do que referendar ou vetar decisões d@s noss@s representantes políticos, nós queremos que a cidadania possa ter a iniciativa de propor, por exemplo, mudanças na legislação. Hoje isso é possível, mas extremamente desencorajado, porque são enormes as exigências e obstáculos burocráticos para qualquer iniciativa popular de lei que possa ser recebida pelo Congresso Nacional. A atual legislação restringe e dificulta a participação cidadã.

É preciso que haja equidade nas disputas políticas feitas via plebiscitos, referendos e iniciativa popular. O poder econômico não pode interferir. Quando se lança mão de mecanismos da democracia direta para tomar decisões, é a cidadania, a sociedade organizada quem tem de estar à frente, não os partidos políticos, não o poder econômico. Por isso, inclusive, é necessário o financiamento público exclusivo para os plebiscitos e referendos.

Democratizar e fortalecer os partidos políticos

Os partidos podem ter um papel muito mais importante no fortalecimento de processos democráticos. Por isso, a reforma do sistema político deve garantir que os partidos sejam realmente espaços de debate político, democráticos, transparentes e representantes de segmentos da sociedade. Partido não pode ter don@ e deve ter regras de convivência e respeito às diversas posições de seus/suas filiad@s. Os partidos devem ser dirigidos pelo conjunto de seus/suas filiad@s e não apenas pelos seus “dirigentes”, afastando @s filiad@s das principais decisões. E devem ser regidos por princípios democráticos previstos na Constituição Federal. Inclusive, @s filiad@s que se candidatarem a algum cargo dentro da estrutura interna do partido, tem de cumprir os critérios da lei da Ficha Limpa.

A proposta que a Plataforma dos Movimentos Sociais apresenta à discussão concebe os partidos como entidades de direito privado, como são atualmente, mas de interesse público, o que significa que devem ser regidos por princípios democráticos. Por isso mesmo, uma parcela do tempo de propaganda partidária propõe-se que esteja destinado às ações afirmativas. Pelo menos 30% do tempo de propaganda partidária gratuita na mídia (paga com dinheiro público) precisariam estar orientadas à promoção da participação política das mulheres, afrodescedentes, indígenas, pessoas LGBT, jovens e pessoas com deficiência. Trata-se de promover uma nova cultura política e combater todas as formas de discriminação e preconceito na política.

Do mesmo modo, propõe-se destinar pelo menos 30% dos recursos do fundo partidário para a formação política e ações afirmativas das instâncias de mulheres, afrodescedentes, indígenas, pessoas LGBT, jovens e pessoas com deficiência (organizad@s nos partidos) para promoverem ações voltadas ao fortalecimento e ampliação da participação desses sujeitos na política.

O Sistema Eleitoral e os mecanismos de controle da representação

As regras que orientam as pessoas que nos representam nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal precisam ser mais democráticas. A cidadania precisa ter mais controle sobre a sua representação. Não dá para continuar existindo votações secretas; nem imunidade parlamentar, só para garantir a impunidade. Imunidade tem de ser exclusivamente para defender o direito democrático à opinião e à denúncia. E foro privilegiado, só se a questão estiver limitada ao estrito exercício do mandato. Também não pode ser que noss@s representantes se elejam comprometendo-se com um programa político e, no exercício do mandato, resolvam seguir por outro caminho.

A vontade popular, expressa pelo voto, tem de ser respeitada e não pode ser infringida.

Propõe-se, portanto, a fidelidade programática, porque os mandatos de cargos eletivos não são propriedade particular do vereador@, deputad@ ou senador@.

Financiamento democrático do processo eleitoral

O poder econômico colocado a serviço da disputa eleitoral é altamente antidemocrático (contrário à democracia). Por isso, temos um Congresso constituído em sua grande maioria por proprietári@s e poucos trabalhador@s. Só quem tem muito dinheiro consegue se eleger. A proposta de financiamento democrático, exclusivamente público, pretende acabar com o poder dos grupos econômicos sobre os processos eleitorais e, além do mais, combater a privatização e mercantilização da política, a corrupção eleitoral, e favorecer a participação política d@s trabalhadores e de tod@s aqueles segmentos que não detêm o poder econômico e estão politicamente excluídos, como as mulheres, afrodescendentes, indígenas, LGBT e jovens, entre tantos outros.

Voto em listas partidárias transparentes com alternância de sexo

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político entende que enfrentar o poder patriarcal que estrutura o sistema político é fundamental para democratizar o poder. O debate intenso e profundo com as organizações dos movimentos de mulheres que participam desse espaço construiu a proposta de voto em listas partidárias transparentes com alternância de sexo.

No sistema atual, @s eleitor@s votam em candidat@s e na maioria das vezes ajudam a eleger quem não se quer ou quem não se sabe quem é. O sistema vigente não é transparente, favorece o personalismo e a competição interna d@s candidaturas em cada partido. A adoção da lista, na qual @s eleitor@s votam nos partidos e não em pessoas é essencial para combater o personalismo, fortalecer e democratizar os partidos (a Plataforma propõe que as listas sejam construídas por meio de prévias partidárias). No entanto, a lista só significa avanço caso seja garantida a sua formação com alternância de sexo e observância de critérios étnico/raciais, geracionais, LGBT etc. Caso contrário, essas “minorias políticas” poderão ser incluídas ao final das listas e não conseguirão se eleger nunca, mantendo-se o mesmo perfil de eleit@s que temos hoje.

A eleição feita com lista partidária pré-ordenada apresenta o nome de tod@s @s candidat@s que estão concorrendo às eleições por cada partido político. O voto d@ eleitor@ é dado para o partido, mediante lista que torna transparente quem são seus/suas candidat@s.

A lista de cada partido estabelece a ordem de quem será eleito em primeiro lugar, em segundo lugar e assim sucessivamente, dependendo do número de votos total recebido pelo partido político (que determina o número de cadeiras que a sigla vai ter). A alternância por sexo na lista (por exemplo, uma mulher em primeiro lugar, um homem em segundo e assim sucessivamente) assegura a prevalência do princípio da igualdade para mulheres e homens na ocupação dos lugares de poder conferidos aos partidos mediante eleições.

Convocação obrigatória de plebiscitos ou referendos para os seguintes temas nacionais:

  1. criação, incorporação, fusão e o desmembramento de estados ou municípios, bem como a criação de territórios federais, a sua transformação em estado ou reintegração ao estado de origem;
  2. acordos de livre comércio firmados com blocos econômicos e acordos com instituições multilaterais de financiamento (FMI, Banco Mundial e BID);
  3. a concessão de serviços públicos essenciais, em qualquer de suas modalidades, bem como a alienação de controle e abertura de capitais de empresas estatais;
  4. a mudança de qualificação dos bens públicos de uso comum do povo e dos de uso especial;
  5. a alienação, pela União Federal, de jazidas, em lavra ou não, de minerais e dos potenciais de energia hidráulica, assim como de petróleo;
  6. aumento dos salários e benefícios dos parlamentares, ministros de Estado, Presidente da República e dos ministros do Supremo Tribunal Federal;
  7. mudanças, de qualquer natureza, sobre matéria eleitoral, cujo projeto não tenha sido de iniciativa popular;
  8. mudanças em leis de iniciativa popular;
  9. mudanças Constitucionais.

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