Retrocessos são aprovados e avanços são barrados em um Congresso Nacional conservador, permeado por interesses políticos e de cunho religioso. As mulheres continuam lutando pela efetivação e reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos, pela implementação da Lei Maria da Penha, pela equiparação de seus direitos trabalhistas e pelo aumento da participação política.

O Congresso Nacional vem consolidando a prática de subestimar os interesses da sociedade e dos movimentos sociais em prol dos interesses políticos de seus parlamentares, que muitas vezes legislam a partir de suas crenças pessoais e religiosas. Prova disso foi a aprovação, em agosto deste ano, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, do Projeto de Decreto Legislativo nº 1736/09, que trata do acordo entre o Brasil e o Vaticano relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. A aprovação dessa matéria com poucos debates deve servir de alerta à sociedade sobre o fortalecimento da presença religiosa no âmbito normativo e no parlamento, que abre possibilidades para privilégios entre o Estado e as religiões que têm poder de influência no Estado brasileiro.

Além disso, no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, verdadeiros retrocessos encontram eco no Congresso Nacional. Projetos que prevêem desde o agravamento da pena à inclusão do aborto como crime hediondo, equivalendo-o a tortura, estupro e tráfico de drogas; que pretendem criar um cadastro de gestantes e bolsas-estupro explicitam a idéia de que a autodeterminação reprodutiva das mulheres não é considerada pela maioria d@s parlamentares.

Mulheres na política

A subrepresentação das mulheres na política e espaços de poder está longe de ser superada. Apesar da atuação persistente dos movimentos de mulheres, da Comissão Tripartite e Especial, para a revisão a lei de cotas e da Bancada Feminina o texto da reforma eleitoral sofre com a falta de vontade política para aumentar a participação das mulheres e modificar as estruturas do sistema político partidário que é extremamente excludente. Mesmo assim, a ação coletiva das mulheres permitiu avanços e limitações. A Lei aprovada

(12034/09) poderá contribuir para elevar a representação política feminina, a partir da combinação de três medidas: a reserva de 5% do fundo partidário à formação política das mulheres (e punição em caso de descumprimento), a reserva de 10% do tempo de propaganda partidária fora dos anos eleitorais para promover a participação feminina e a modificação do termo de reserva de vagas para preenchimento de vagas do sexo minoritário. Tais conquistas, porém, precisam estar associadas a conteúdos e plataformas políticas feministas que avancem em propostas em prol da cidadania feminina.

Direitos, igualdade e reconhecimento no mundo do trabalho feminino

As desigualdades vivenciadas pelas mulheres trabalhadoras são questões centrais no debate feminista. Um dos temas em discussão refere-se ao trabalho da diarista. Apesar da falta de disposição política em reconhecer essa atividade como trabalho doméstico e, dessa forma, merecedor de direitos, as propostas em debate no Senado, a partir do PLS 160/06, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT/MT), e com relatório do senador Edison Lobão Filho (DEM/MA) não contemplam as reivindicações da categoria. O parecer do senador, por exemplo, reconhece vínculo empregatício apenas a partir de três dias de trabalho na semana e estabelece um piso mínimo de 1/15 do valor do salário mínimo. A Fenatrad, o CFEMEA, o Ministério do Trabalho e a SPM fizeram críticas ao projeto, apesar de considerarem importante a oportunidade de debater o assunto que urge regulamentação.

Atualmente, a construção política realizada pelas trabalhadoras domésticas, com o apoio do Cfemea, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e SPM gira em torno da elaboração de proposta de emenda à Constituição para garantir todos os direitos a essa categoria. É preciso discutir com @s parlamentares, especialmente com a bancada feminina para que defendam essa proposta que será apresentada ao Congresso Nacional.

A ampliação da licença maternidade (PEC 30A/2007) também é palco de debates no Congresso. Atualmente, a legislação garante 180 dias apenas para funcionárias públicas federais. A PEC pretende ampliar esse direito para todas as trabalhadoras formais, com carteira assinada. No entanto, apenas estender o prazo da licença não garante que as mulheres terão uma estrutura de apoio, com creches no ambiente de trabalho, espaço para amamentar, estabilidade da gestante e a extensão da licença paternidade, pois o cuidado com @s filh@s não cabe somente às mulheres.

Direitos ameaçados por propostas conservadoras

O Congresso aprovou a Lei Maria da Penha em 2006 e considera-a como uma de suas grandes colaborações para a sociedade brasileira. No entanto, além de todas as dificuldades enfrentadas para sua implementação, a Lei sofre sérios riscos no âmbito legislativo, já que tramitam atualmente quatorze proposições legislativas para alterar seu conteúdo. Dentre elas, o PLS 156/2009, que propõe a Reforma do Código de Processo Penal (CPP) e incorpora em seu texto todo o procedimento criminal da Lei 9.099/95, que praticamente soterra a LMP no aspecto

penal. Se for aprovado, voltarão à cena no julgamento de crimes de violência doméstica: o juiz conciliador, a suspensão condicional do processo, a transação penal e não será mais possível a prisão em flagrante nem a prisão preventiva. Outro agravante é que @s juiz@s poderão não punir crimes cujas conseqüências sejam de menor repercussão social, arquivar os processos e instituírem a harmonia familiar como forma de resolução de conflito de violência doméstica.

Outro Projeto é o 5448/2009, do deputado Gonzaga Patriota (PSB/PE), que propõe a criação de mecanismo para coibir a violência contra o homem. Um absurdo, já que não há dados que sustentam a incidência da violência doméstica e familiar contra o homem. As pesquisas apontam as mulheres como vítimas da violência de gênero e os poucos homens vítimas dessa violência podem acionar os mecanismos já existentes.

No âmbito dos direitos civis, o novo Código civil promulgado em 2002/2003, traz garantias já previstas na Constituição de 1988, tais como o fim do pátrio poder, transferindo a responsabilidade do poder familiar tanto ao homem quanto a mulher; o casal pode fazer a gerência da família; o Estado deve proteger a família da violência, de conquistas no âmbito da união estável, civil e de pessoas de sexo diferente, do divórcio e da separação. Após seis anos em vigor, o Congresso Nacional quer modificar o novo código, e propõe alterações de perfil conservador no campo do direito da família. Se no período da reforma do Código se tinha uma idéia de ampliar o conceito de família, hoje várias propostas dos grupos conservadores querem restringir a ampliação do direito familiar, impedindo, por exemplo, o reconhecimento da união civil entre pessoas que mantêm relações homoafetivas.

Execução orçamentária: a importância do papel fiscalizador do Legislativo

Em relação ao orçamento público, está em tramitação o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2010. A proposta não prevê recursos para 26 ações do Orçamento Mulher que deveriam ser prioridade, como a saúde da população negra e ações específicas de atendimento a mulheres vítimas de violência. Além disso, metade das ações responsáveis pelo cumprimento do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres terão menos recursos para o ano que vem. Por isso é importante que as mulheres acompanhem, exijam que o Poder Legislativo coloque recursos e que fiscalize a execução dessas políticas, visto que, só em 2009, milhares de emendas para ações que fazem parte do Orçamento Mulher ficaram sem execução.


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