Myllena Calasans
Advogada e assessora técnica do CFEMEA nas áreas de direitos humanos e violência

Nós ainda não aprendemos a fazer conferências... elas deveriam acabar como começam: com o mesmo número de pessoas e uma grande mesa de encerramento". A reflexão de uma das participantes resume o cenário da XI CNDH e os desafios que temos para construir a próxima. Onze Conferências realizadas em diversos formatos nos pedem mais reflexão sobre a prática. Urge repensarmos esse espaço de participação social, que se não enfrenta percalços antes e durante o evento se depara com o posterior: "tanta conferência e nada é efetivado". Urge construirmos uma conferência que ultrapasse o objetivo da disputa para quem vai sair delegad@ para nacional; que inventemos outra forma de plenária para substituir o desgastado modelo sindical de deliberação, onde os códigos estão longe de atender a diversidade dos segmentos e de promover participação e; que @s delegad@s ultrapassem a preocupação em defender apenas suas propostas, sendo que muitas já fazem parte de deliberações de uma conferência ou plano.

Estes foram alguns aprendizados que nos deixou a XI CNDH. Realizada de 15 a 18 de dezembro de 2008 em Brasília, recebeu 1.500 delegad@s, convidad@s e observador@s. Com o tema "Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos: Superando as Desigualdades" e comemorando os 60 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos, a Conferência buscou revisar e atualizar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) a partir do conceito de indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, considerando os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, sexuais e ambientais. Para tanto adotou a metodologia de discussão por sete eixos temáticos.

Essa, como as outras Conferências de direitos humanos, foi marcada pela diversidade. A cada edição nov@s ator@s adentram o palco e conseguem marcar presença. Mais de 60% d@s participantes eram mulheres e as feministas, e fizeram bonito durante o evento: discutiram desde o tema da violência, do estado laico à importância de pensar uma proposta de desenvolvimento para o país que considere as mulheres. Na abertura, já sinalizavam porque estavam ali: reafirmam que sem os direitos das mulheres não há direitos humanos. Por isso as vaias ao então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, pela criação da CPI do aborto, uma afronta aos direitos das brasileiras, e a marcha no plenário protestando contra a criação da CPI. A delegação LGBT, com mais de cem representantes, foi a maior. Mas o mecanismo das cotas para diversificar os segmentos historicamente excluídos não se concretizou a contento.

Discursos de abertura, palestras, grupos de trabalho, espaço para atos e protestos, coletas de assinaturas e eis que chega a plenária final. Começa esvaziada, enche, e o burburinho na comissão organizadora e na platéia de que para terminar a extensa pauta de propostas teria que estender as atividades até de madrugada. Apaixonadas defesas a favor ou contra; questões de ordem; pedidos de destituição da mesa dirigente dos trabalhos; renúncia de um dos presidentes da mesa por não mais agüentar as duras críticas e, muitas vezes injustas, dos delegad@s; cobranças excessivas, desrespeitos e até acusação à equipe de apoio de violar os direitos humanos por ter esquecido de colocar a caneta em uma pasta. Em alguns momentos era bonito e se tinha orgulho de estar naquele espaço, em outros se suplicava o encerramento. Como explicar tanta agressividade d@s participantes para com seus pares? Como explicar a falta de solidariedade com a militante que à meia - noite lia um manifesto denunciando à morte de um líder quilombola baiano e @s delgad@s se preocupavam muito mais em conferir se sua moção tinha sido aprovada? Sintoma de que precisamos rever discursos e práticas pessoais? Sintoma de tanta violação de direitos, da distância do Estado e da ausência de políticas públicas?

Concluída a etapa de consulta, a próxima será de construção do novo PNDH que está prevista para começar em março e terminar em julho. A tarefa ficou a cargo do GT Nacional, que há de considerar as 36 diretrizes e 678 resoluções aprovadas. Espera-se que o PNDH, dentre outras, tenha metas de médio e longo prazo; seja incorporado pelo atual PPA e parâmetro para o próximo; tenha orçamento condizente com a demanda e mecanismos que protejam os programas dos contingenciamentos do governo federal, que tanto castigam essas políticas; e tenha um capítulo de monitoramento, estabelecendo a construção de indicadores de direitos humanos e de instrumentos de controle social. À SEDH cabem as funções de coordenação e de articulação para que todo o esforço da XI Conferência resulte na construção de uma verdadeira política nacional de direitos humanos garantidora de dignidade e direitos fundamentais em todas as áreas e para todos os segmentos. À sociedade civil cabe acompanhar a elaboração com o mesmo fervor dedicado à etapa nacional.


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