A Assembléia Legislativa do México aprovou em 2007 a lei que concede às mulheres o aborto legal até os primeiros três meses da gravidez. Uma vitória feminista indescritível de décadas de luta. Em entrevista ao Jornal Fêmea, María Luiza Sánchez, diretora do Grupo de Informacciónen Reproduccion Elegida (GIRE) e Mariana Winocur, coordenadora de Comunicação Social do GIRE contam como foi o processo de descriminalização do aborto na Cidade do México e o significado dessa vitória para milhares de mulheres mexicanas.

CFEMEA - Como você entrou no universo do feminismo?

Maria Luiza Sanchez - A partir de 1993 comecei a trabalhar no GIRE com uma clara especificidade em temas feministas e direitos sexuais e reprodutivos. Entrei por meio do GIRE, pois antes disso trabalhava em uma organização política para atingir mudanças sociais em diversas dimensões.

CFEMEA - Qual a situação atual do Distrito Federal do México com relação ao aborto?

Maria Luiza Sanchez - Em 24 de abril de 2007, foi despenalizado o aborto no Distrito Federal do México, com a aprovação da lei por mais de dois terços dos deputados da Assembléia Legislativa do Distrito Federal do México, onde se tornou permitido a livre escolha da mulher em fazer um aborto nas primeiras doze semanas de gestação. O aborto é gratuito em hospitais públicos somente para as mulheres que residem no Distrito Federal do México. As mulheres que residem em outros Estados da República Mexicana também podem optar por esta escolha, mas terão que desembolsar 40 dólares para ter acesso a esse serviço. A partir desta iniciativa também se conseguiu priorizar os direitos sexuais e reprodutivos e a prevenção de gestações indesejadas. Para tanto, foram fortalecidos os programas de anticoncepção e de educação sexual e os serviços de saúde do Distrito Federal do México foram reformados para garantir a implementação da lei. Também foram formuladas as diretrizes e linhas gerais de interrupção da gravidez no sistema de saúde e houve avanços no aconselhamento para que a mulher possa conhecer as diferentes opções que existem antes de interromper a gravidez.

CFEMEA - Como foi a implementação da Lei? Os hospitais têm realizado sempre que necessário o aborto ou existem casos de violência institucional contra as mulheres que desejam abortar?

Mariana Winocur - A instrumentalização da lei nos hospitais públicos do México não foi tão difícil como pensávamos que seria, pois houve uma boa predisposição do governo do Distrito Federal do México para colocar em prática a lei. Uma prática comum que ocorria nos hospitais entre médica/os e enfermeira/os é a objeção de consciência. Os médicos podem declarar que têm objeção de consciência. O que não pode acontecer é o hospital declarar que tem objeção de consciência. Se um médico se nega a fazer, ele tem a obrigação de transferir a paciente para outro médico que não tenha essa objeção. Essa foi uma das barreiras iniciais, porém isso não impediu as mulheres de fazerem o aborto legal.

CFEMEA - Quais os principais obstáculos e desafios que foram enfrentados nesse processo da mudança da legislação?

Maria Luiza Sanchez - Os grupos fundamentalistas foram os principais obstáculos. Eles davam informações erradas aos hospitais públicos, tentando assustar as mulheres, persuadindo-as a assistirem o vídeo chamado "Um Grito Silencioso", e muitas desistiram do aborto. O poder da Igreja Católica continua sendo muito forte e temos que seguir vigiando para que não haja interferência nas leis e nos serviços. Mas neste momento, o obstáculo mais importante são as duas ações de inconstitucionalidade que estão sendo discutidas dentro da Suprema Corte. A Suprema Corte irá definir se a lei é contrária a nossa constituição ou não.

Mariana Winocur - São muitos obstáculos que, durante o processo de mudança da lei, foram transformados em oportunidades. Como no Brasil e em toda a América Latina a hierarquia da igreja católica tem postura muito agressiva: dirigem ameaças de excomunhão aos Legisladores, às mulheres que estão trabalhando a favor desta causa e ao governo do Distrito Federal do México. Essas ameaças se transformaram em oportunidade porque os Legisladores e o Poder Executivo reagiram dizendo, "Bem, se vão me excomungar, mostra-me onde está minha excomunhão". Os grupos chamados "pró-vida", que estão em diversas partes do país, ameaçaram de morte algumas integrantes de organizações da sociedade civil, este também foi um obstáculo. São pequenos grupos que desenvolvem estratégias de medo contra as mulheres: inventam que o aborto pode causar desde depressão até câncer, tratam de dissuadir as mulheres com mentiras. Outro obstáculo que também foi transformado em oportunidade foi convencer a maioria dos parlamentares de esquerda da importância de aprovar esta lei, da importância da despenalização do aborto.

CFEMEA - Além do GIRE, quais outras mulheres ativistas e ONGs foram importantes nessa conquista? Houve discordâncias sobre a legalização do aborto dentro do movimento feminista mexicano?

Maria Luiza Sanchez - Aproximadamente 18 organizações participaram deste processo de descriminalização. Como por exemplo, Católicas Pelo Direito a Decidir, IPAS México, Equidade de Gênero, Population Council, a Rede de Decidir, Afloentes etc. No momento, posso dizer que não houve desacordos significativos sobre a legalização do aborto. Conseguimos fechar uma frente comum no Distrito Federal e sentamos na mesma mesa para definir as estratégias depois que foi aprovada a iniciativa. Quando entraram os dois recursos de inconstitucionalidade, novamente concordamos com uma estratégia comum para dialogar com a Suprema Corte. Um de nossos acordos foi decidir não fazer enfrentamentos a nenhum ministro, nem desqualificá-lo. Optamos por permitir que estes ministros decidissem sobre o tema e que nós lhes ofereceríamos argumentos sólidos e fundamentados para apoiar sua opinião, independentemente de serem alguns conservadores e outros mais liberais. Creio que, nesse sentido, houve muito acordo e respeito pelas diferentes formas de expressão do movimento, pelo espaço, e experiência as habilidades de cada organização.

Saiba disso!

Segundo o Jornal O Estado de São Paulo, do dia 27 de agosto, a Suprema Corte do México, garantiu a constitucionalidade da reforma que descriminalizou o aborto na Cidade do México em 2007, por 10 votos a 1. A decisão no dia 26/8/2008, considerou que a Assembléia Legislativa do Distrito Federal (ALDF) tem mesmo competência para legislar sobre o assunto. O atendimento é assegurado na rede pública de saúde da Cidade do México para as mulheres que interromperem a gravidez até a 12ª semana. O resultado da votação representa um revés para a Procuradoria Geral da República e para a Comissão Nacional de Direitos Humanos já que ambos defendiam a inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Legislativo mexicano.

María Luiza Sanchez e Mariana Winocur foram entrevistadas por Kauara Rodrigues, assessora técnica e parlamentar do CFEMEA, durante a realização da oficina "Compartilhando experiências para o acesso ao aborto legal e seguro", realizada nos dias 15 e 16 de agosto, no Rio de Janeiro-RJ. O evento foi promovido pela organização mexicana "Grupo de Información em Reproducción Elegida" (GIRE), com o objetivo principal de trocar experiências com as organizações e redes brasileiras, contribuindo para o avanço do debate e da legislação no que se refere ao tema do aborto.


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