O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, documento lançado no dia 8 de março, amplia consideravelmente as áreas de políticas para as mulheres, mas deixa de fora decisões da Conferência que mobilizou cerca de 200 mil brasileiras em 2007. Legalização do aborto é a principal delas.

A tarefa de revisar o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (I PNPM) e definir o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (II PNPM) para os próximos quatro anos ficou a cargo do Comitê de Monitoramento do Plano. Constituído por representantes de 21 organismos governamentais (Ministérios e Secretarias) e mais três integrantes do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o Comitê teve por objetivo se referenciar nas decisões da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em agosto de 2007. No entanto, o que o CFEMEA observa é que o II PNPM não se tornou uma consolidação das decisões da Conferência.

O Plano reúne 91 metas, 56 prioridades e 394 ações a serem realizadas e alcançadas até 2011, que priorizaram o que já estava definido no Plano Plurianual 2008-2011. Em sua fase preparatória, nas rodadas municipais e estaduais, a Conferência reuniu cerca de 200 mil mulheres em todo o país. Um dos principais exemplos de que o Plano não consolida as decisões da Conferência é o fato de o capítulo sobre saúde das mulheres, direitos sexuais e reprodutivos sequer menciona a legalização do aborto.

Entre todos os avanços, o que mais chama a atenção é o compromisso em fazer o rebatimento de cada uma das ações do II PNPM com as do Plano Plurianual de governo. Com esta informação disponível, vai ser possível às organizações dos movimentos de mulheres e à sociedade em geral saberem quanto dos recursos do Orçamento Público da União estão sendo alocados nas ações do II PNPM e monitorarem a execução orçamentária das mesmas. Deste modo, a participação e o controle social vão poder ser muito mais efetivos. No primeiro Plano (2004-2007), salvo exceções, a informação sobre a execução orçamentária estava restrita àquelas ações sob a responsabilidade da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Agora, o compromisso é que todos os Ministérios apresentem as suas contas. A medida responde às demandas apresentadas pelos movimentos de mulheres e feminista no processo da Conferência sobre a transparência dos recursos públicos investidos para a execução do Plano. O Comitê se comprometeu a divulgar no mês de junho esta informação.

Outra novidade trazida pelo Plano atual é a promoção e o fortalecimento da participação igualitária, plural e multirracial das mulheres nos espaços de poder e decisão. A meta é aumentar em 20% as ocupantes de vagas nas Câmaras de Vereadores, nas Assembléias Legislativas, no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Nessa última, por exemplo, o número de deputadas passaria dos atuais 46 para 55, de um total de 513 parlamentares. A pretensão tímida relaciona-se à imponência dos obstáculos, afinal ninguém duvida que, com a legislação eleitoral da qual dispomos, não é possível dar passos concretos para ampliar o número de mulheres eleitas nos legislativos. Antes de mais nada, é necessário uma Reforma Política democratizadora dos espaços de poder. Neste sentido, o Plano prevê entre suas ações uma revisão da legislação sobre quotas por sexo para as candidaturas.

As diretrizes anunciadas este ano estão organizadas em 11 áreas de atuação. Dessas, seis são novas: Participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; Desenvolvimento sustentável no meio rural, na cidade e na floresta, com a garantia de justiça social, soberania e segurança alimentar; Direito a terra, moradia digna e infra-estrutura social nos meios rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; Cultura, comunicação e mídia não-discriminatória; Enfrentamento ao racismo, sexismo e lesbofobia; e Enfrentamento às desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas. A essas se unem os temas já incluídos desde a primeira versão: Autonomia, igualdade no mundo do trabalho; Educação inclusiva e não sexista; Saúde das mulheres e direitos reprodutivos; e Enfrentamento da violência contra as mulheres.

A análise específica dos capítulos aponta, em geral, metas tímidas para as novas áreas propostas. Nas ações previstas para alcançar a incorporação da perspectiva de gênero nas políticas ambientais e de segurança alimentar, é dada visibilidade às populações da floresta, mas não se menciona as de outros biomas, como o Cerrado e a Caatinga. Ademais, "não estão contemplados os problemas derivados do paradigma desenvolvimentista, como a poluição industrial e a monocultura promovida pelos agrocombustíveis, que impactam em cheio grupos vulneráveis, entre eles as mulheres", conta a assessora técnica do CFEMEA, Soraya Fleischer.

No que diz respeito à violência, o II PNPM contempla as ações previstas no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres e no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), além de outras ações sob a responsabilidade do Ministério da Saúde. Uma ação específica prevê que seja elaborada e implementada a Política de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, até 2011. O plano atual também avança na incorporação de estratégias destinadas às mulheres encarceradas. Estão previstas 15 ações especificamente para elas. "Há uma concentração de ações para enfrentar a violência doméstica, a questão foi ampliada no documento, isso é positivo, porém faltam medidas para superar outras expressões da violência, como a institucional, a violência no mundo do trabalho - assédio moral e sexual e a violência praticada pelo próprio Estado", explica Myllena Calazans, do CFEMEA.

No capítulo que trata da autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, com inclusão social, um grande avanço em relação à primeira edição é a garantia às trabalhadoras domésticas do exercício de todos os direitos trabalhistas concedidos a outras categorias, conforme prevê o artigo 7° da Constituição Federal. Outras metas, porém, não avançam muito. Por exemplo, a meta relacionada à freqüência de crianças entre zero e seis anos em creches e pré-escolas repete a mesma do I PNPM: de ampliar em 12% o número de crianças freqüentando a rede pública, que, aliás, ficou muito longe de ser alcançada.

Assim, o II PNPM avança e inova em alguns poucos setores, mas manteve-se muito tímido em setores absolutamente centrais e históricos das demandas dos movimentos de mulheres e feministas do país. Resta-nos, agora, monitorar e exigir que as propostas sejam cumpridas e favoreçam, de fato, a vida das mulheres brasileiras.


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