A análise da previsão dos recursos a serem aplicados em programas que tenham impacto sobre a vida das mulheres ao longo de 2008 traz boas notícias. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê R$ 45 bilhões para o Orçamento Mulher, um aumento de 17,6% em relação ao orçamento autorizado em 2007. Esse percentual pode ser ainda maior, já que o quadro só estará definido ao final de dezembro, depois da discussão e deliberação do Congresso Nacional em relação ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei Orçamentária Anual (LOA).

O crescimento segue uma tendência crescente observada nos últimos dois anos. De 2005 para 2006, o volume de recursos autorizado foi 13,7% maior, montante elevado outra vez de 2006 para 2007 em 6,7%.

Considerando os valores alocados apenas nos programas/ações que têm o enfrentamento das desigualdades de gênero e/ou raciais explicitado no título, objetivo, metas, indicadores ou público-alvo (a grande maioria dos programas não se inclui nesta categoria), constata-se que o montante autorizado em 2007 foi de R$ 3,1 bilhões e para 2008 a previsão é de R$ 4,9 bilhões, um crescimento de 60%.

Essa elevação se explica, em parte, pela criação de novos programas e reformatação de outros, já que a LOA 2008 se baseia no PPA 2008-2011.

Participação do movimeno de mulheres

"Metemos a nossa colher em tudo o que diz respeito às nossas vidas, aos nossos direitos. Como a política econômica, o orçamento público e as políticas públicas dizem respeito aos nossos direitos, nós queremos participar e decidir sobre elas", afirma a diretora do CFEMEA Guacira César de Oliveira.

De diferentes formas, seja em audiências públicas regionais, na articulação com a Bancada Feminina e com outros parlamentares, bem como sugerindo emendas, as organizações do movimento de mulheres e outr@s representantes da sociedade civil, buscaram intervir no debate sobre o PPA 2008-2011 e a LOA 2008

O CFEMEA sugeriu 32 emendas ao PPA. Uma parte reúne demandas importantes dos movimentos de mulheres, negro e pela diversidade sexual para modificações nos programas e ações governamentais. As outras são sugestões de emenda ao texto da lei, visando à criação de instrumentos/mecanismos para fortalecer e/ou ampliar a participação e o controle social, melhorar o monitoramento e avaliação, e dar mais transparência e viabilizar o acesso da cidadania às informações sobre o Ciclo Orçamentário.

Pelo menos 82 emendas propostas apresentadas pel@s parlamentares e pelas Comissões Técnicas estão baseadas nas sugestões feitas pelo CFEMEA. Cerca de 90 delas foram apresentadas por diferentes parlamentares. A efetivação da Lei Maria da Penha, a concretização dos compromissos governamentais com a Saúde da População Negra e o enfrentamento do racismo institucional foram objeto de várias emendas individuais e coletivas de parlamentares ao projetos de lei do PPA 2008-2011.

Cerca de 65 emendas apresentadas ao PPA 2008-2011 visam à implantação de instrumentos para prevenir e punir a violência contra as mulheres, assim como para apoiar as mulheres que estão vivendo nesse tipo de situação, como Juizados de Violência Doméstica e Familiar, Núcleos de Defensoria Pública Especializados, Centros de Saúde e Centros de Perícia Médico-Legal, além da implantação de um Sistema Nacional de Informação sobre a Violência contra as Mulheres. As Comissões de Direitos Humanos e de Constituição e Justiça, ambas da Câmara, assim como a Comissão de Assuntos Sociais do Senado também apresentaram propostas nesse mesmo sentido.

Sugestões para o orçamento

No que se refere ao Orçamento para 2008, mais de cem emendas individuais de parlamentares versam sobre essas questões. A Bancada Feminina e outros parlamentares comprometidos com os direitos das mulheres e a luta pela igualdade articularam a apresentação de emendas coletivas de Comissão para garantir recursos públicos que viabilizem ações para a Construção de um Marco Normativo para o Enfrentamento do Racismo Institucional (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara); e o apoio ao desenvolvimento da educação infantil (Comissão de Educação da Câmara).

As emendas coletivas das Comissões de Direitos Humanos, tanto da Câmara quanto do Senado, em alguma medida, se aprovadas, vão compensar o fato de o PLOA 2008 prever menos recursos para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e para a Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial do que os valores autorizados na Lei Orçamentária de 2007.

Ambas as comissões dedicaram suas emendas aos Programas de Apoio a Iniciativas para a Promoção da Igualdade Racial; e Apoio a Iniciativas de Referência nos Eixos Temáticos do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

A luta e suas batalhas

Incluir as diretrizes, prioridades, programas e ações para promover a justiça social e a igualdade no Plano Plurianual é muito importante. Isso porque só, exclusivamente, o que está previsto nessa lei poderá ser contemplado no orçamento dos quatro anos seguintes. Mas as dificuldades não terminam por aí. O fato de um programa estar na Lei Orçamentária, com recursos suficientes para o seu desenvolvimento, também não é garantia de que ele será executado, porque o orçamento público é autorizativo; o poder público não está obrigado, mas apenas autorizado a realizá-lo. Brigar para que as leis que orientam o Ciclo Orçamentário permitam a distribuição justa e eqüitativa dos recursos públicos para a igualdade de direitos é apenas uma das batalhas. A execução do Orçamento com este objetivo é outra luta.

Por exemplo, em 2005, o Projeto de Lei Orçamentária para 2006 previu R$ 5,6 milhões para o desenvolvimento do Programa de Combate à Violência contra as Mulheres. A mobilização dos movimentos de mulheres, a articulação entre a Bancada Feminina e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres possibilitou que a Lei Orçamentária finalmente aprovada autorizasse o montante de R$ 14,1 milhões para o seu desenvolvimento. Entretanto, no final do ano, a execução orçamentária do programa ficou em 45,9% desse valor.

Em 2007, a coisa não foi muito diferente. O projeto apresentado pelo Executivo alocava R$ 8,1 milhões nesse programa. Nova batalha, novo sucesso: a lei aprovada autorizava R$ 23,5 para o combate à violência contra as mulheres, mas chegamos a dezembro e constatamos que apenas R$ 11 milhões (47,8%) estão empenhados. Para 2008, o PLOA previu R$ 28,5 milhões e, certamente, a pressão dos movimentos de mulheres, a articulação da Bancada e da SPM novamente vai conseguir alterar positivamente esse quadro, mas a luta continua.

É importante destacar que a não execução dos recursos autorizados no Orçamento, no caso desse programa, assim como em muitos outros, deve-se, em grande parte, à não liberação da verba pelo governo. Ou seja, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres não pode empenhar, nem executar os recursos que ainda não foram liberados pelo governo para que a SPM gaste nas ações previstas.

O monitoramento do CFEMEA sobre a execução do conjunto dos 57 programas e ações governamentais chamado Orçamento Mulher não deixa dúvidas a respeito do tamanho da batalha. A menos de um mês do fim do ano, só 23 dos 57 programas do governo federal com impacto na vida das mulheres tiveram mais de 70% dos recursos previstos no orçamento executados. Esse grupo de programas conta com aporte de R$ 42,09 bilhões em 2007, mas pouco mais de R$ 32,7 bilhões (77,89%) já haviam sido gastos até 6 de dezembro.

Execução do Orçamento Mulher até 06/12/2007
Autorizado
(R$)
Emprenhado
(R$)
Pago
(R$)
%
Empenhado
%
Pago
42.092.973.785 32.788.170.771 23.802.988.129 77,89 56,55

A análise do CFEMEA relaciona o orçamento autorizado (Lei Orçamentária Anual + créditos) com o montante empenhado. Nessa fase, o governo, apesar de ainda não ter efetuado o pagamento de contratos e convênios firmados para o desenvolvimento dos projetos, já se comprometeu a aplicar os recursos. A relação entre o orçamento autorizado e o montante efetivamente pago tem números ainda piores. Até 6 de dezembro, o governo havia executado apenas 56,55% do previsto para 2007. (veja tabela)

Esses resultados tão ruins estão diretamente relacionados ao contingenciamento de recursos do orçamento público, que sacrifica os compromissos com a igualdade e a justiça social, em nome de metas fiscais. Entre os 34 programas de baixa execução, 12 estão numa situação ainda pior, já que menos de 30% de seus recursos foram aplicados. Entre eles estão: Resíduos Sólidos Urbanos (26,04%); Drenagem Urbana Sustentável (26,78%); Brasil Alfabetizado (23,87%); Economia Solidária em Desenvolvimento (23,82%); Brasil Quilombola (19,83%); Educação para Diversidade e Cidadania (17,94%); Habitação de Interesse Social (15,33%); Saneamento Rural (14,89%); Organização Produtiva de Comunidades Pobres (11,70%); Atenção Especializada em Saúde (11,26%); Desenvolvimento Centrado na Geração de Emprego e Renda (10,76%); e Igualdade de Gênero nas Relações de Trabalho (10,37%).

Por outro lado, apenas sete programas têm mais de 90% dos recursos já empenhados. Entre eles estão os programas de Combate à Criminalidade (100%); Previdência Social Básica (99,7%) e o Bolsa Família (99,30%).

A não liberação dos recursos para a execução, chama-se contingenciamento. Trata-se de uma ferramenta importante da atual política econômica, porque permite ao governo "economizar recursos" para alcançar a sua meta de superávit primário, fixada em 3,8% do PIB. Noutras palavras, o governo deixa de investir recursos em políticas essenciais à garantia dos direitos da cidadania, para produzir o superávit que é uma garantia para os credores da dívida pública que o pagamento deles está assegurado. "Trocando em graúdos", para atingir meta de superávit primário, o governo tem de economizar R$ 104,3 bilhões.

Considerando que os juros e encargos da dívida remuneram os segmentos mais ricos, especialmente os banqueiros e, por outro lado, que o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) estão orientados ao outro extremo, constata-se que a parte do Orçamento Público que vai para os mais ricos é 6,4 vezes maior do que a dos mais pobres - R$152,2 bilhões vão para os juros da dívida, enquanto que R$23,7 bilhões vão para o Bolsa Família (R$ 10,4 bilhões) e BPC (R$ 13,4 bilhões). O Bolsa Família projeta atender cerca de 11,1 milhões de famílias e o BPC, cerca de 2,77 milhões de idosos e pessoas com deficiência. De fato, as mudanças realizadas até agora no PPA 2008-2011 e na Lei Orçamentária 2008, embora tenham a sua importância, ainda estão muito longe de dar um fim à enorme injustiça que orienta a distribuição dos recursos públicos no nosso país.


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