Luci Choinacki
Deputada Federal, Agricultora e Catarinense, foi eleita Deputada Estadual (Constituinte) 1987-1990; Deputada Federal (Congresso Revisor), 1991-1995; Presidente do PT/SC de 1995 a 1999. Foi eleita Deputada Federal de 1999-2003; Deputada Federal, 2003 e reeleita de 2003 a 2007. Atualmente na Câmara é membro titular da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, titular da CPMI da Terra, suplente da Comissão de Agricultura, relatora da sub-comissão de saúde da comissão especial do estatuto dos Portadores de Deficiência e membro titular da Comissão especial sobre Trabalho e Emprego Doméstico

O reconhecimento do seu trabalho e o direito a uma aposentadoria vêm sendo algumas das lutas permanentes e históricas das mulheres do Brasil. Por isso, é importante contar suas lutas, bandeiras, sonhos, esperanças e suas conquistas. Dentro desse contexto, é necessário lembrar uma das mais importantes lutas, que foi pelo reconhecimento do trabalho das Mulheres Agricultoras. Essas mulheres trabalham na roça e produzem riqueza para o País e não tinham nenhum tipo de reconhecimento. Essa luta começou há mais de 20 anos com o Movimento de Mulheres Agricultoras — agora Movimento de Mulheres Camponesas. Era preciso reconhecer nossos direitos. A luta começou com a conquista de sindicatos combativos, pastorais e de lideranças, que fizeram um trabalho de base nas comunidades.

Começamos a nos organizar levantando várias bandeiras. Uma delas foi a luta para sermos sindicalizadas, porque no meio rural esse direito cabia somente aos homens. Lutamos pelo reconhecimento como trabalhadoras rurais, porque os homens eram considerados trabalhadores e as mulheres eram ajudantes, do lar — não tinham nome, só sobrenome do marido. Lutamos para sermos reconhecidas como trabalhadoras.

A luta foi intensificada nos anos que antecederam a atual Constituição e, em 1988, pela primeira vez na Constituição Federal, é reconhecido o trabalho rural em economia familiar tanto de pequenas agricultoras como garimpeiras e pescadoras artesanais, o seu direito à aposentadoria e aos direitos sociais da Previdência. Essa foi uma conquista importante. Essas vitórias somente foram possíveis pela organização social de luta e pelo envolvimento de pessoas, entidades e organizações não governamentais para a conquista de direitos sociais.

Até aquele momento, os homens trabalhadores rurais recebiam meio salário mínimo e as mulheres recebiam pensão do marido, quando eles morriam. Essa história foi revertida, mas não foi dada de presente. Aconteceu com muita luta, mobilização social, articulação das mulheres brasileiras. Atualmente, a conquista da inclusão previdenciária dos trabalhadores e trabalhadoras rurais é considerada por todos os dados estatísticos do Brasil como a maior distribuição de renda feita no meio rural.

Esse fato levou a mais caminhada, mais uma luta e à conquista do salário-maternidade para as trabalhadoras rurais. Criávamos nossos filhos sem termos reconhecido o direito ao salário-maternidade, à proteção do Estado. Criar filhos não é apenas interesse nosso, mas uma contribuição à sociedade e que precisa perpetuar a espécie humana.

O então Deputado Federal Constituinte, Florestan Fernandes, já afirmava que a luz é outra a partir da coragem e da luta das trabalhadoras rurais, da participação política, da mobilização dos trabalhadores, que não vieram pedir favor, mas exigir direitos. Isso marca a história da participação e da inclusão das mulheres trabalhadoras rurais.

A partir disso, nós, mulheres trabalhadoras, aprendemos que, quando reconhecemos que trabalhamos, que participamos da construção da riqueza deste País, nosso trabalho, independente de onde ocorre, é trabalho. Quando nos organizamos para lutar, é possível transpor os limites da elite brasileira e conseguir direitos.

Isso fez com que as mulheres donas de casa, pobres, que nunca participaram da luta política, que não têm salário, não têm renda, estão excluídas, começassem a aprender que fazem um trabalho muito importante. Muitas delas dizem que só trabalham em casa. Só? Elas cuidam de filhos, lavam, cozinham, passam, cuidam da creche, da escola, da comunidade, cuidam de pessoas com deficiência, dos idosos. Elas fazem todo o trabalho que o Estado não faz e dizem que não trabalham. Essa afirmação só existe porque esse trabalho culturalmente não foi reconhecido no Brasil. Não foi reconhecido, porque as mulheres não tinham espaço para se organizar e lutar.

A partir da visão política de que, ao se organizarem, conquistariam direitos, as donas de casa aprenderam que poderiam mudar a história do Brasil. Em 2001, elaboramos a PEC nº. 385 para criar o direito à aposentadoria das donas de casa, reconhecendo seu trabalho e fazendo a inclusão social. Foi uma grande polêmica. Diziam alguns: mais um prejuízo para o Estado; as mulheres não trabalham; o trabalho de casa é obrigatório; ele não cansa; elas não fazem muita coisa; só trabalham em casa e cuidam dos filhos.

Começamos a nos mobilizar, discutir e reconhecer que as donas de casa trabalham 50 horas por semana e ninguém reconhece isso. Essa mobilização trouxe importância política para a Casa, pois, na discussão da Reforma da Previdência, a bancada feminina do Congresso Nacional e todas as entidades ligadas à luta das mulheres organizaram um amplo debate sobre a inclusão previdenciária das mulheres.

Quando foi encaminhada a PEC 385 que criava a aposentadoria, poucas pessoas acreditavam ser possível essa conquista. Por isso, foi necessária uma grande mobilização social: entregamos um milhão de abaixo-assinados aos presidentes da Câmara e do Senado, realizamos duas marchas nacionais pela aposentadoria e formamos comitês de luta em todos os estados brasileiros.

Então, as donas de casa apoiadas pelo movimento de mulheres, movimentos feministas, sindicatos, pastorais sociais, movimentos populares, saíram à luta pelas ruas de todo Brasil colhendo assinaturas para enviar ao Congresso Nacional, exigindo a votação da emenda constitucional. Em 10 de março de 2003, mais de 1000 mulheres donas de casa entregaram aos presidentes do Senado e da Câmara um milhão de assinaturas defendendo seus direitos.

Em 2003, o governo do presidente Lula enviou ao Congresso Nacional, a proposta de Reforma da Previdência. Por isso, parlamentares, movimentos de mulheres e movimentos feministas organizaram uma grande mobilização em defesa da Previdência Social pública e universal, para que todas e todos tenham direitos. Este ano, na II Marcha pela Aposentadoria das Donas de Casa à Brasília, as mulheres pediram a votação da PEC em que dois artigos se referem a seus direitos.

A realidade da invisibilidade do trabalho das donas de casa começa a mudar, quando o Congresso Nacional aprova, em julho deste ano, a emenda a Constituição Brasileira que reconhece o trabalho e garante o direito à aposentadoria das trabalhadoras donas de casa. Essa conquista é fruto de um longo e amplo processo de luta dos movimentos sociais em nosso País, em especial das mulheres. Agora precisamos regulamentar esse direito para que as mulheres possam acessar esse benefício.

A emenda à constituição brasileira aprovada pelo Congresso garante o direito à aposentadoria atendendo trabalhadoras de baixa renda ou sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.

A inclusão previdenciária das donas de casa cumpre um papel fundamental no que se refere à luta contra a pobreza e significa um avanço importante na direção da redução das desigualdades sociais, econômicas e de gênero e na redução da violência. A inclusão previdenciária é uma dívida que o estado brasileiro tem com a população mais pobre e afro-descendente, principalmente com as mulheres. A imediata regulamentação deste direito é um passo fundamental para diminuição da pobreza e das desigualdades em nosso País.

Estamos juntas batalhando para que toda a sociedade descubra esse trabalho invisível e silencioso que é cuidar de filhos, organizar a casa, cuidar da família. Que esse seja um trabalho partilhado e reconhecido por todos.

A deputada apresentou o Projeto de Lei 5933/2005 cujas principais propostas de regulamentação do sistema especial de inclusão social para as mulheres (e homens) que exercem atividades domésticas não remuneradas. As principais propostas desse Projeto são:

  1. Em primeiro lugar, retirar inicialmente o caráter de contribuição dessa inclusão, propondo um sistema progressivo de introdução de contribuições ao longo da implantação do sistema. Com isso, o projeto propõe uma alíquota zero até dez anos a contar da data de aprovação da presente lei; uma alíquota de 2% entre dez e quinze anos a contar da data de aprovação da presente lei; e uma alíquota de 3% a partir de quinze anos a contar da data de aprovação da presente lei.
  2. O projeto define famílias de baixa renda - às quais pertenceriam as donas de casa beneficiárias do novo sistema - aquelas unidades familiares cuja renda mensal1 não ultrapasse o valor equivalente a dois salários-mínimos.
  3. O valor do benefício mensal (tal como previsto na PEC) seria igual ao do salário-mínimo.
  4. A idade mínima que permitiria o acesso ao benefício seria de 60 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens.
  5. O Poder Executivo regulamentaria periodicamente os mecanismos de comprovação da condição de trabalho exclusivamente doméstico no âmbito da residência da(o) beneficiária(o).

(1) Aqui, julgamos importante definir se a renda mensal é a renda familiar per capita. Fonte: Trecho de "A PEC paralela da Previdência e as mulheres" - Laura Tavares Soares publicado em www.lpp-uerj.net/outrobrasil.


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