O calendário do Congresso Nacional segue alterado devido às eleições. Conforme acordo entre as lideranças partidárias, o esforço concentrado este mês se resumiu ao período de 13 a 17 de setembro. Na Câmara dos Deputados, as medidas provisórias trancaram a pauta do Plenário, resultando em pouca tramitação e aprovação de proposições legislativas. Já @s senador@s conseguiram a tramitação de algumas proposições, das quais destacamos os projetos sobre violência contra as mulheres.

Temas polêmicos como os projetos de Biossegurança e a PPP (Parceria Público Privado) também ocuparam a atenção d@s parlamentares e seguem sem acordos.

Em meio ao impasse se haveria ou não esforço concentrado no Congresso Nacional, projetos de lei que alteram o Código Penal para retirar dispositivos anacrônicos e discriminatórios, reivindicação histórica dos movimentos de mulheres e feministas, constaram na pauta de trabalho das CCJC da Câmara e do Senado, sendo dois deles aprovados este mês.

Os Projetos de Lei 1308/03 e 304/03 e o PLC 103/03 propõem a atualização do texto Penal às práticas sociais vigentes, bem como sua adequação aos preceitos constitucionais e às recomendações do Comitê para a Eliminação de Todas as Formas Discriminação contra a Mulher - Comitê da Mulher - CEDAW.

Para a criminalista brasileira Piazzeta existe um profundo descompasso entre as leis e a sociedade brasileira, e atribui isso ao fato de relações humanas caminharem mais rápido que as ideologias cristalizadas nos diplomas legais. O Direito Penal não foge à regra estabelecida nas demais áreas do direito e, como lembra a autora, no próprio Código Penal (CP) as diferenças no tratamento de homens e mulheres tornam-se mais gritantes e acentuam-se as discriminações de gênero. Para chegar a esta conclusão, basta analisar a Parte Especial do Código (que elenca o rol de crimes)1.

Datado de 1940, o Código Penal revela em seus artigos a compreensão da mulher como um ser, além de frágil, débil, incapaz de proferir opiniões e discernir sobre fatos e acontecimentos. Aponta ainda para uma sociedade onde os costumes ordenavam que a prática sexual, para a mulher, só era permitida após o casamento, devendo a virgindade ser protegida. A perda desse atributo, antes do casamento, era sinônimo, não só de sua desonra pessoal, mas também desonra da família e da sociedade.

Assim é que os crimes sexuais contra as mulheres, antes de ferirem a dignidade, a integridade física e liberdade sexual da mulher, infringiam os "bons" costumes e a boa moral. Não é por acaso a nomeação do Título VI do CP "Dos Crimes Contra os Costumes"2; dos termos "mulher honesta" , "mulher virgem" e a previsão do casamento como causa de extinção da punibilidade do agressor - caso a mulher viesse a casar com um terceiro ou com quem lhe agrediu. É o casamento a forma de reparação de sua honra maculada e a de sua família.

Ainda hoje nos deparamos com essa mesma visão nos manuais de direito penal e nas decisões dos tribunais de justiça, não obstante as mudanças sociais, culturais e políticas ocorridas na sociedade brasileira.

Portanto é imperioso que o Código Penal seja atualizado em consonância com os preceitos constitucionais, como também, que cumpram as recomendações feitas pela ONU, por meio do Comitê CEDAW. A partir desses avanço legislativo, novas perspectivas são abertas para construção de uma doutrina e jurisprudência calcadas na igualdade de gênero e na visão da mulher enquanto sujeito de direitos.

Já era hora do Congresso Nacional demonstrar sensibilidade ao tema e retirar do Código Penal, no Ano Nacional da Mulher, os termos, expressões e tipos penais que reafirmam e reproduzem a dinâmica de discriminação contra as mulheres. Assim, é de grande importância que @s senador@s ratifiquem no Plenário a decisão da CCJC que aprovou na íntegra o substitutivo ao PLC 103/03 e que @s deputad@s modifiquem seu entendimento quanto a manutenção do casamento da vítima com o agressor como causa de extinção de punibilidade (inciso VII, do art. 107 do CP), como proposto pelo substitutivo ao PL 1308/03.

(1) Piazetta, Naele Ochoa. O Princípio da Igualdade no Direito Penal Brasileiro: uma abordagem de gênero. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p 95.

(2) Como por exemplo, os crimes de estupro, atentado violento ao pudor, assédio sexual e tráfico de mulheres.


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