Gilda Cabral
Sócia e assessora técnica do CFEMEA

No Brasil, as metas de superávit primário começaram a ser introduzidas pelo FMI a partir de 1999. Trata-se dos impostos arrecadados pelo governo, menos as despesas realizadas. Naquele ano, foi fixada em 2,6% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, o governo determinou a meta de superávit em 4,25% do PIB, até 2007. De lá para cá, o Brasil vem revendo estas metas e fixando percentuais ainda mais elevados, especialmente se comparados com os gastos sociais. E mais: todos estes anos o governo realizou percentuais maiores que os negociados com o FMI, conforme pode ser verificado na tabela a seguir:

AnoMetaMeta Revista Superávit realizado
(% PIB)
% PIB em Educação e Cultura
19992.63.13.191.65
20002.83.253.460.99
20013.03.356.640.99
20022.83.23.891.00
20034.25-4.320.94

É necessário deixar muito claro que não há sobra de recursos, para que o governo consiga toda essa economia de bilhões. O que ocorre é que o governo deixa de gastar em educação, habitação, saúde, etc. para conseguir o superávit, cujo objetivo é pagar os juros da dívida pública. O gráfico ao lado mostra que, em 2003, somando tudo que o governo federal gastou em Segurança Pública, Trabalho, Educação e Saúde, o valor foi menor que os R$ 66 bilhões e 173 milhões que fez de superávit.

Nas finanças públicas, o superávit primário é obtido por meio do corte nos gastos do governo, com o objetivo de deixar uma sobra para pagar os juros da dívida pública. Como não temos dinheiro sobrando, para o governo garantir o superávit é necessário cortar as despesas com os programas sociais, os programas de investimento e outros que impulsionam a economia e geram emprego.

Em 2004, ao que parece, a situação não vai melhorar. Apenas de janeiro a abril, o governo central deixou de gastar (superávit) R$ 25 bilhões, conforme dados do Tesouro Nacional. Essa quantia era, em abril, equivalente a tudo o que o governo tinha gasto com o programa de Previdência Social Básica (R$ 26 bi, até 8 de abril de 2004) que paga as aposentadorias no país.

Apenas no mês de abril, o governo fez um superávit de R$ 7,5 bilhões. Isso é mais do que gastaram, de janeiro a 10 de junho de 2004, os Ministérios da Educação, da Segurança, da Justiça, do Trabalho, da Integração Nacional e da Assistência Social. Ou, ainda, o superávit de abril é equivalente aos gastos que o Ministério da Saúde teve com o programa Atenção Hospitalar e Ambulatorial do SUS, de janeiro a 10 de junho de 2004. Estes dados, e outros relativos à execução do Orçamento da União, estão disponíveis no sítio do CFEMEA e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que elabora pesquisas a partir do SIAFI - Sistema de Administração Financeira.

Para entender melhor como esta política de superávit traz conseqüências trágicas às políticas sociais, observe que apesar desses valores elevados de superávit, eles não são o bastante para pagar a totalidade dos juros da dívida, que é duas vezes maior. Por mais que o governo deixe de investir nos programas sociais, o problema não se resolve, pois a dívida pública aumenta a cada ano, independentemente do superávit que se conseguiu. Ano a ano, temos menos recursos para os programas sociais e, sem alterações na política econômica, não se tem previsão de mudanças no quadro de penúria em que estão os hospitais, as escolas públicas, etc.

Com esses números, fica fácil de entender a gritaria dos movimentos sociais para que o governo faça mudanças na política econômica. Sem recursos para o gasto social não se muda a realidade de desigualdade e injustiça, em nosso país e, convenhamos, R$ 25 bilhões em quatro meses é muito dinheiro. Este recurso poderia ter sido utilizado em programas para melhorar a vida de grande parcela de nossa população que vive na pobreza, e trazer muito bem-estar.

Para outras informações, acesse www.divida-auditoriacidada.org.br.


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