De acordo com o Defensoria Pública de São Paulo, a organização obteve dados pessoais da vítima um dia após a interrupção da gravidez ser autorizada, e tentou pressioná-la por ligações e mensagens no WhatsApp

Por Pâmela Dias — Rio de Janeiro

A ONG Filhos da Luz foi denunciada à Justiça pela Defensoria Pública de São Paulo após tentar coagir uma mulher, de 45 anos, a desistir de realizar um procedimento de aborto, mesmo com autorização judicial. De acordo com o Defensoria, a organização obteve dados pessoais da vítima — que são mantidos sob sigilo no processo — um dia após a interrupção da gravidez ser autorizada, em 26 de setembro do ano passado.

A Defensoria entrou com uma ação civil pública solicitando que a ONG encerre suas atividades por conduta ilegal. Até o momento, o órgão tem conhecimento de apenas um caso de intimidação, mas acredita-se que novas denúncias surjam, visto que a organização social se intitula como uma entidade de "defesa da vida humana, sem exceções, fundamentada nos princípios da fraternidade e solidariedade cristã". O caso foi revelado pela Folha de S. Paulo.

Assédio via WhatsApp

De acordo com a coordenadora auxiliar do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo, Nálida Coelho Monte, o sonho da vítima e do marido de serem pais os levaram a recorrer à fertilização in vitro, que foi realizada em julho de 2022. O casal chegou a investir cerca de R$ 10 mil no tratamento. Dois meses depois, no entanto, eles receberam a notícia de que o feto apresentava má-formação e representava risco à saúde da mulher, e decidiram recorrer à Justiça para solicitar o aborto legal.

Após ter o procedimento autorizado, a vítima começou receber mensagens via WhatsApp por parte de uma representante da ONG, que se identificou como Ana Paula Zanini. Ela afirmou fazer parte de uma rede de gestantes em crise e disse que gostaria de passar detalhes do que chamou de "processo de abortamento". Segundo Nálida, a organização obteve o nome completo, endereço, telefone e laudos médicos da vítima, que estão sob sigilo.

— Essa representante da ONG fez vários contatos com a vítima, falando que seria responsabilidade dela a morte do feto. Disse para ela que havia, sim, chances de sobrevivência fora do útero, na tentativa de forçá-la a permanecer com a gestação. Isso causou um sofrimento psicológico ainda mais prolongado na vítima, que desejava muito ter um bebê e jamais teria optado pelo aborto caso houvesse chances de vida — relata a defensora.

Crime contra os direitos humanos

A representante da ONG teria chegado a disponibilizar atendimento médico à mulher em uma clínica em Santo André, na Grande São Paulo. A vítima, no entanto, recusou e reportou todo o caso à Defensoria Pública, que alega ilegalidade na atuação da organização.

— Entramos com um pedido de ação civil pública, além de danos morais, com o intuito de obter o fechamento da instituição. A forma como eles agem se caracteriza um crime de violência psicológica e um atentado aos direitos humanos, à saúde e à privacidade. O ajuizamento da ação também solicita a investigação da quebra de sigilo dos dados da vítima, que foram obtidOs com tamanha rapidez pela ONG — explica a defensora.

Em dezembro de 2022, a Defensoria Pública notificou a entidade extrajudicialmente pedindo que parasse de "coagir e discriminar mulheres em relação ao tratamento médico escolhido". Sem resposta, o órgão ingressou na Justiça solicitando que a organização seja proibida de funcionar. "As condutas ilícitas praticadas pela entidade tem por finalidade impedir que mulheres e meninas, dentro das hipóteses legais, tenham acesso a tratamento de saúde adequado e indicado às suas situações", argumenta a Defensoria.

O GLOBO procurou a ONG Filhos da Luz, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/31/ong-filhos-da-luz-e-denunciada-por-tentar-coagir-mulher-a-desistir-de-aborto-autorizado-pela-justica-em-sp.ghtml

 


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