A ação incluiu diálogo com parlamentares, representantes de ministérios e outras organizações da sociedade civil, além do lançamento do vídeo “Maternidade não é coisa de criança”, denunciando a imposição da maternidade precoce como forma de violência institucional.
Ser criança e ser mãe são realidades incompatíveis. Partindo dessa premissa, a campanha Criança Não É Mãe lançou o vídeo “Maternidade não é coisa de criança”, que denuncia a imposição da maternidade precoce como forma de violência institucional que compromete direitos fundamentais da . A estreia da produção marcou uma série de ações da iniciativa, realizadas entre 20 e 23 de maio, durante a Semana Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em Brasília (DF).
A edição deste ano celebrou os 25 anos da mobilização nacional em torno do 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, cuja principal referência é o movimento Faça Bonito. A data homenageia Araceli Crespo, menina de 8 anos que foi violentada e assassinada em 1973, em Vitória (ES).
Promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), a semana teve como objetivo fomentar debates e a troca de experiências entre especialistas, pesquisadores, delegados, juízes, gestores públicos e representantes da sociedade civil, com foco na atualização do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (PNEVSCA).
A programação principal ocorreu no Auditório do Instituto Serzedello Corrêa, no Tribunal de Contas da União (TCU), mas as ações da campanha também se estenderam ao Congresso Nacional. Lá, foram promovidas articulações com parlamentares, representantes de ministérios e do Executivo, em um chamado urgente por políticas públicas que assegurem o direito ao aborto legal e protejam as crianças da violência sexual e da maternidade forçada.
O Catarinas acompanhou as atividades entre os dias 20 e 22 de maio.

Proteção de crianças e adolescentes esbarra na falta de recursos e de vontade política
No dia 20, a programação teve início com o painel “Implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes: balanço e desafios – PNEVSCA”, que reuniu especialistas para discutir estratégias e desafios na execução de políticas públicas voltadas à proteção infantojuvenil.
Ao Catarinas, David Carneiro, consultor legislativo na área de direitos humanos, na Câmara dos Deputados, classificou a violência sexual infantojuvenil no Brasil como um “escândalo nacional” e criticou a falta de visibilidade e de prioridade política para o tema. Para ele, trata-se de um problema estrutural, enraizado na formação histórica do país e negligenciado pelos altos escalões do poder.
“Temos uma energia militante muito forte nos territórios, formada principalmente por mulheres da assistência social, da psicologia, da educação, também nos conselhos tutelares, mas ela ainda é muito aquém do que a gente necessita para enfrentar o problema”, afirmou.
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Embora reconheça avanços na atual gestão federal, como a reativação do Comitê Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual e a rearticulação do Conanda, Carneiro considera que falta senso proporção e de urgência por parte do núcleo de governo. “As pessoas que estão lá são excelentes, são militantes, são comprometidas com a causa, mas não há prioridade do centro de governo”.

A mesma crítica à falta de prioridade política foi reforçada por Marina Poniwas, vice-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Para ela, o enfrentamento à violência sexual precisa considerar sua origem estrutural, articulada a desigualdades sociais, raciais e de gênero. Ela defendeu maior integração entre as políticas públicas e a inclusão dos marcadores sociais na formulação e implementação do plano.
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Nesse contexto, também destacou a importância da Resolução nº 258 do Conanda, que estabelece diretrizes para a política nacional de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes — considerada um marco importante para o órgão e para a sociedade brasileira, mas que tem sido alvo de disputas e tentativas de revisão que ameaçam avanços históricos na área.
Poniwas ainda alertou para a fragilidade orçamentária das políticas destinadas à infância e à adolescência. Segundo ela, o tema não é priorizado em muitas pastas, e ainda predomina uma lógica punitivista, em detrimento da prevenção e de abordagens interseccionais.
“Crianças com deficiência, crianças trans, meninas negras são as principais vítimas porque são mais vulnerabilizadas e o plano só será eficaz se colocar esses marcadores sociais no centro do debate. A interseccionalidade precisa estar presente na discussão sobre os processos de violência no país”, destacou.
Ao final de sua fala, Poniwas apresentou o vídeo “Maternidade não é coisa de criança”, em pré-lançamento. “Hoje tenho a honra de reunir neste auditório duas campanhas: Criança Não É Mãe e Faça Bonito. Sou porta-voz de um lançamento que enche o Conanda de orgulho, coragem e força”, declarou. Após a exibição, o público entoou em coro: “Criança não é mãe, estuprador não é pai!”
Participaram ainda do painel: Benedito dos Santos, pela Universidade de Brasília (UnB) e pelo Instituto dos Direitos da Criança e do Adolescente; e Glícia Salmeron, do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. A mediação foi conduzida por Célia Nahas, coordenadora-geral da Coordenação de Enfrentamento às Violências da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Maternidade não é coisa de criança: um chamado à ação
O lançamento oficial do vídeo ocorreu no dia seguinte, 21, em reunião técnica da Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, com o tema “Tribuna das Mulheres – violência contra as meninas”. A mesa foi presidida pela deputada delegada Adriana Accorsi (PT-GO) e contou com a presença de Paula Viana, do Grupo Curumim, Mariane Marçal, da ONG Criola, e Carla Angelini, da Católicas pelo Direito de Decidir.
Em sua fala, Paula Viana lamentou a necessidade de reafirmar o óbvio: que o Brasil possui um arcabouço legal capaz de proteger crianças, mas que a profunda desigualdade de raça, gênero e classe impede sua efetivação. Reforçou a importância de um Estado laico e de políticas sociais inclusivas, que considerem todas as dimensões do conceito de saúde.
“Viemos para dizer que temos uma agenda prioritária, considerando a realidade alarmante que vivenciamos no Brasil”, afirmou a representante. Viana apresentou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que registrou, em 2023, 83.988 casos de estupro — o que equivale a um estupro a cada seis minutos no país. As vítimas são mulheres e meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%), que são estupradas por familiares ou conhecidos (84,7%), dentro de suas próprias residências (61,7%).
Com direção de Angela Freitas e locução da atriz Alice Carvalho, o vídeo tem duração de um minuto e evidencia os impactos permanentes da gestação forçada em meninas, como o abandono escolar, o sofrimento psicológico e o rompimento de seus projetos de vida.

Inspirado na campanha latino-americana Niñas No Madres e em histórias reais brasileiras, como o caso da menina de 12 anos do Piauí, que engravidou duas vezes após sucessivos estupros, o vídeo busca sensibilizar a sociedade sobre os efeitos devastadores da gestação na infância, com foco especial na evasão escolar.
A produção é do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, com realização da Campanha Nem Presa Nem Morta e apoio da Anis – Instituto de Bioética, do Instituto Lamparina e da própria campanha Criança Não É Mãe. Foi idealizada em um contexto de extremo conservadorismo na política, na mídia e nas redes sociais.
As deputadas Erika Hilton (Psol-SP), Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Luciene Cavalcante (Psol-SP) também estiveram presentes e fizeram falas em apoio à campanha, assim como a socióloga e ex-deputada Reginete Bispo.
Fonte:https://catarinas.info/crianca-nao-e-mae-campanha-avanca-no-congresso-pelo-fim-da-maternidade-infantil/