O primeiro destino do casal foi a Venezuela, onde ficaram por três anos. Após o agravamento dos conflitos na região, cruzou a fronteira e veio para o Brasil

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Mayara Souto
29/01/2024 01:06 - Correio Braziliense

A busca por melhores condições financeiras fez Nádia Duvert, 43 anos, deixar o Haiti, junto com o marido, em 2010. Ela conta que saiu poucos meses antes do terremoto daquele ano, que destruiu o país em que morava.

A situação econômica e política para os haitianos está instável desde 2004, quando violentos conflitos armados culminaram na intervenção de organizações internacionais para missões de paz. O reflexo disso nos anos subsequentes foi o desemprego e o aumento da pobreza.

Em 2010, um abalo sísmico de 7.3 na Escala Richter devastou a capital do Haiti, Pequeno Príncipe, e deixou cerca de 230 mil mortos e um milhão de desabrigados. Com a precarização de todos os serviços públicos, um deficit no saneamento básico fez com que o país enfrentasse uma epidemia de cólera, quando ainda sentia os impactos do terremoto. Desde então, os fluxos migratórios aumentaram. Em 2012, o governo brasileiro lançou o Visto Humanitário para os haitianos, visando facilitar o processo de acolhida deles no país.

Trajetória Nádia refugiadas
Trajetória Nádia refugiadas (foto: Valdo Virgo/C.B./D.A. Press)

 

O primeiro destino do casal haitiano foi a Venezuela, onde ficaram por três anos. “Quando eu cheguei na Venezuela, eu posso falar, não recebi nada de ajuda. E lembro que eu não tinha dinheiro”, conta a haitiana.

Nádia presenciou, enquanto estava no país, mais uma crise política e social. Com a morte do então presidente venezuelano, Hugo Chávez, conflitos pelo poder se instauraram na região. Foi então que ela, junto ao marido, cruzou a fronteira para o Brasil em Manaus, no Amazonas.

“Quando entrei na fronteira da Venezuela com o Brasil, eu não sabia nem como falar que precisava de banheiro, só fazia o gesto. Perguntei para quatro, três pessoas, até entenderem que eu precisava ir ao banheiro porque eu só falava minha língua (espanhol)”, relembra sorrindo.

Para ela, a nova etapa no Brasil foi muito acolhedora. “Quando eu cheguei aqui, foi diferente. Todo mundo me ajudou, teve até quem me ajudou no aluguel, para fazer lanche. Me compraram bastante comida, todos os meses, até eu conseguir um emprego”, relata, acrescentando que o povo brasileiro é “maravilhoso”.

“Esse mesmo povo brasileiro, você sabe o que fizeram para mim? Entraram em contato com uma empresa e essa empresa pagou passagem para mim e para mais quatro haitianos. A empresa deu casa para nós. A gente ficou um ano lá trabalhando”, conta Nádia, sobre sua mudança para o Rio Grande do Sul para trabalhar na indústria.

Com expressão de dor, Nádia relembra que, em uma época, trabalhou dentro de um frigorífico de aves em Caxias do Sul. As mãos e os pés, segundo ela, ficavam congelados pelo frio dentro do lugar. Ela também passava toda jornada de trabalho em pé, o que com o tempo causou a ela dores fortes nas costas.

Assim, quando Nádia engravidou, acabou saindo da empresa. O primeiro filho do casal de haitianos nasceu em solo gaúcho, mas ficou por lá pouco tempo. Os três deixaram a Serra Gaúcha em busca de novas oportunidades, passaram alguns anos em Goiânia e, desde 2022, estão em Brasília

Formada em pedagogia no Haiti, Nádia nunca trabalhou na área no Brasil. Na verdade, parece preferir ser comerciante. Todos os dias, faça chuva ou faça sol, a haitiana sai de casa por volta das 4h para vender roupas e calçados como ambulante.

Ela sentia que precisava melhorar as habilidades para aumentar as vendas. Foi então que se inscreveu no curso de Atendimento e Vendas, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que faz parte do projeto Empoderando Refugiadas. A iniciativa é promovida em Brasília, em Curitiba e em Boa Vista, pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), pela ONU Mulheres e pelo Pacto Global da ONU no Brasil. Na capital federal, o curso é implementado pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR),e foi durante as aulas do curso que o Correio conversou com a haitiana.

Sempre muito dedicada nas aulas, Nádia usava exemplos cotidianos para entender quais são as maneiras mais eficazes para vender e manter uma boa relação com as pessoas. “Por exemplo, quando um cliente não quer uma coisa, se eu queria vender, acabava deixando o cliente mais ou menos desconfortável. Ele se sentia pressionado porque eu falava ‘é bom, é confortável, você pode provar”. Isso não se faz. Você tem que deixar o cliente falar o que ele quer, depois você vai saber como atender esse cliente”, conta orgulhosa sobre os aprendizados que está colocando em prática.

Mais reservada, quando conversou pela primeira vez com a reportagem, Nádia se soltou conforme o passar das semanas no curso, e tornou-se falante e participativa.

Ela e Manise Savah , outra aluna refugiada do Haiti, andavam sempre juntas durante o curso e também na vida. As duas se conheceram no Rio Grande do Sul e são amigas desde então. Era possível perceber que uma incentivava a outra a perseguir os sonhos, a fazer cursos, a melhorar. Manise, inclusive, levou Nádia para fazer um curso de tranças de cabelo com ela.

“Quando a gente está em um país estrangeiro, que não é nosso, tem que se esforçar. Você tem que pagar aluguel, comprar comida, se cuidar. Você tem que ter dinheiro na mão, não dá para ficar parado esperando. Qualquer coisa que aparecer, você tem que se esforçar para se adaptar porque se não, você vai sofrer”, conta Nádia, ao justificar as investidas em diferentes áreas de emprego.

No dia da formatura no curso da Acnur, Nádia caminhava feliz junto de sua família. “Hoje é um grande dia porque eu consegui, com tanto sacrifício que fiz para sair de lá, vir para cá, todos os dias. Eu me sinto muito feliz por ter ido até o fim e ter conseguido meu certificado”, declarou emocionada a haitiana. Apesar de não falar muito do país em que nasceu, Nádia escolheu receber seu diploma ostentando uma bandeira do Haiti nas costas.

Assim que o curso foi finalizado, assim como as outras migrantes e refugiadas, Nádia participou de algumas entrevistas de emprego de empresas parceiras da Acnur. Nas vendas, sua atual fonte de renda, ela conta estar passando por dificuldades neste começo de ano, já que as pessoas estão sem dinheiro para comprar, segundo ela.

Mesmo com dificuldade, a esperança é sempre um imperativo na vida de Nádia. “Uma pessoa migrante no Brasil é uma pessoa que deixa tudo para trás. Deixamos o nosso país, a nossa família, deixamos tudo para buscar uma vida melhor, mesmo que a gente saiba que vai passar muitas dificuldades. Mas, eu sei, graças a Deus, a gente vai conseguir. Pouco a pouco, a gente vai chegar onde queremos chegar”, reflete.

Veja história de refugiadas e migrantes no Brasil

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/historia-migrantes-refugiadas/2024/01/6794026-nadia-duvert-deixou-o-haiti-em-2010-em-busca-de-vida-melhor.html

 

Jennifer Vanegas chegou ao Brasil em 2023, acompanhada pela esposa

Antes de desembarcar no Brasil, o casal venezuelano viveu na Argentina, onde tentou empreender

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Mayara Souto
29/01/2024 01:07 - Correio Braziliense
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Sempre alegre, Jennifer Vanegas, 44 anos, não comenta muito sobre a saída da Venezuela. Porém, se emociona ao lembrar da mãe, que ainda vive no país. “Uma pessoa que trabalhou a vida toda, uma senhora de 67 anos, chegar ao ponto de ter que esperar a hora que vão colocar água para ela… a água!”, conta.

Ela também lamenta ter perdido o crescimento de seu sobrinho. “Sempre há coisas que te partem a alma porque não estás com a tua família. Você deixou de ver o teu sobrinho crescer, que agora tem seis anos, ver ele começar a falar… E você não vai ver porque já foi. Já passou o tempo. Para trás não se pode voltar”, reflete.

À época em que Jennifer deixou a Venezuela, o país enfrentava graves problemas econômicos e humanitários devido à hiperinflação, o desemprego, aumento da pobreza e da fome. A Agência da ONU para Refugiados registrou aumento de 8 mil por cento nos pedidos de refúgio de venezuelanos desde 2014, principalmente para países da América Latina e Caribe. Atualmente, mais de 5,4 milhões de venezuelanos vivem no exterior, sendo, assim, uma das maiores correntes migratórias em âmbito global. O Brasil é o 6º país na região a abrigar mais venezuelanos; ao todo, são 96 mil pessoas.

Quando resolveu deixar a Venezuela, Jennifer e a esposa foram para Buenos Aires, na Argentina. Lá, tentaram empreender.

“No meu país eu era vendedora. Comprava e vendia carros. Depois, tive dois empreendimentos, um de saladas gourmet e outro de internet. Quando fui para Buenos Aires, também tivemos dois empreendimentos: de cones de batata e de cachorro quente. Mas, bom, pela questão da economia, sempre foi fraco. A pandemia também afetou”, relembra Jennifer.

Durante o período em que a venezuelana estava na Argentina, entre 2016 e 2022, ela sentiu os efeitos da crise econômica que assola o país há décadas. A pandemia da Covid-19 exacerbou o cenário, que já apresentava altos níveis de inflação, alta dívida externa e dificuldade no acesso a financiamento internacional.

Assim, no início de 2023, o Brasil tornou-se o novo destino das migrantes e refugiadas. “Tenho oito meses de chegada. Não tem sido fácil, de verdade que tem sido bastante complicado o idioma, os novos costumes. Por mais que nós moramos sete anos na Argentina, sempre as percepções que a gente tem, quando chega, são outras. Sobretudo falar”, comenta.

Para ela, o mais difícil no português é o som da letra “N” e o que mais se percebe de diferente do espanhol é que não se usa tanto o som de “RR”. Tudo que Jennifer sabe da língua brasileira aprendeu aqui, na convivência. Dando risada, ela conta quais os versos que sabia em português até pouco tempo: “Nossa, nossa, assim você me mata”. O trecho é da música Ai se eu te pego, de Michel Teló, que fez sucesso em todos países da América do Sul entre 2008 e 2010.

 

Trajetória Jennifer refugiadas
Trajetória Jennifer refugiadas (foto: Valdo Virgo/C.B./D.A. Press)

 

A chegada ao Brasil foi como uma página em branco para escrever um novo capítulo muito especial. Ser um casal de mulheres foi um dos motivos que impulsionou o deslocamento internacional de Jennifer e sua esposa, já que a Argentina, assim como a Venezuela, eram países mais fechados que o Brasil.

“Ser gay é muito complicado. Sempre tem um momento que te maltratam, te rotulam. A Venezuela é fechadíssima com a questão da homossexualidade, machista 100%. Já na Argentina a questão é um pouco mais aberta. Porém, sempre você vai ser diferente. Aqui no Brasil tem sido um pouco melhor. Eu não sabia que aqui há tantas questões com as pessoas LGBTS, eu sequer tinha ideia do que era possível alcançar sem ter medo de dizer que você é gay”, comenta Jennifer.

Como exemplo de tratamento igualitário, ela cita a participação no curso de Atendimento e Vendas, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que faz parte do projeto Empoderando Refugiadas. A iniciativa é promovida em Brasília, Curitiba e Boa Vista pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), ONU Mulheres e Pacto Global da ONU no Brasil. Em Brasília, o curso é implementado pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR),e foi durante as aulas do curso que o Correio conversou com a venezuelana.

Naquela sala de aula, para Jennifer, não importava a nacionalidade, raça ou sexualidade, pois todas estavam unidas pelo mesmo propósito: de buscar uma vida melhor. O programa da Acnur é um dos exemplos de acolhida do governo brasileiro, em parceria com organizações internacionais, para migrantes e refugiados. A maioria das pessoas que realizam esses deslocamentos internacionais está em situação de vulnerabilidade social. Por isso, elas têm direito aos serviços públicos oferecidos pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) e inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Ambos dão acesso à educação, saúde, assistência social e também programas de transferência de renda. Até o último ano, 3,8 mil venezuelanos recebiam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para idosos (acima de 60 anos), e outros 135,5 mil o Bolsa Família.

“Se você não tem estabilidade econômica, não tem nada. Aqui as pessoas te ajudam, te apoiam, te acompanham, prestam atenção em ti, antes eu não tinha isso, nem sequer no meu país”, relata Jennifer, que recebe o auxílio do Bolsa Família, já que desde que chegou não conseguiu um emprego formal.
No entanto, o desejo de Jennifer e das outras 25 migrantes e refugiadas é de recomeçar e alcançar condições econômicas melhores por meio da profissionalização. A formatura do curso do Senac, em dezembro de 2023, foi o ponto inicial para essa realização.

Aliás, foi uma ‘primeira vez’ para Jennifer, que nunca pôde participar de uma colação. Ela conta que quando concluiu o Ensino Médio não conseguiu chegar à própria formatura por conta de uma chuva muito forte. Assim, a celebração foi em dobro e os gritos de alegria preencheram a cerimônia.

“É um fechamento muito especial porque, mais do que aprender, estivemos com pessoas que são do mesmo país. E isso te faz conversar com as pessoas, se entender de volta com a tua nacionalidade, com as outras nacionalidades. Estamos muito agradecidas”, relatou a venezuelana, que fez questão de registrar cada segundo da formatura com as amigas e a esposa.

A certeza de Jennifer é de que quer trabalhar com vendas. “Minha vó dizia que eu vendia areia no deserto”, comenta rindo. Para ela, as ferramentas que aprendeu no curso serão essenciais para novos empreendimentos no futuro - como abrir um restaurante de arepas (comida típica venezuelana) ou retomar os cones de batata.

Porém, a prioridade agora é conseguir um emprego fixo. Ela participou de algumas entrevistas com empresas parceiras do projeto Empoderando Refugiadas, mas, até o momento, não teve retorno. Assim que alcançar a tão desejada vaga de emprego, ela conta que pretende ir morar em uma nova casa com a companheira. Atualmente, as duas moram com uma outra pessoa.

Veja história de refugiadas e migrantes no Brasil

 

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/historia-migrantes-refugiadas/2024/01/6794023-jennifer-vanegas-chegou-ao-brasil-em-2023-acompanhada-pela-esposa.html

 


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