As eleições de 2010 prometiam avanços para a ampliação da participação política das mulheres. As cotas enfim obrigatórias, após 15 anos; duas mulheres entre @s presidenciáveis, com trajetórias políticas de luta democrática; reserva de 5% do fundo partidário para a formação políticas das mulheres. 2010 é também o Ano Internacional da Mulher na Política, declarado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), uma luta para que as mulheres das três Américas conquistem o poder. A realidade no país, entretanto, é outra. O Brasil é a oitava economia do mundo, mas ocupa o 106º lugar em participação política feminina no parlamento, segundo a União Interparlamentar, organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos. Tal discrepância se assenta principalmente nos moldes do nosso Sistema Político e no desdém dos partidos políticos.

Os resultados das eleições revelaram o tamanho do descaso. Houve um aumento substancial nas candidaturas femininas para os cargos proporcionais que, no entanto, não foi acompanhado de uma elevação no número de cadeiras conquistadas por mulheres na Câmara dos Deputados e nas Assembléias Estaduais.

Em 2006, o percentual de mulheres que concorreram a deputadas federais foi de 12,6%, no atual pleito 19,2%. Um incremento de 56% no número de candidaturas femininas, mas que, devido ao desprezo dos partidos políticos pelas candidaturas femininas, resultou em retrocesso. Foram eleitas 45 deputadas, mesmo número alcançado na última eleição. Para o cargo de deputad@ estadual/distrital o aumento de candidaturas femininas em relação a 2006 foi de 59,2%. No entanto, foram eleitas apenas 10,5% a mais de mulheres.

Dos 27 partidos que disputaram essa eleição, 22 conseguiram representação na Câmara Federal. Destes, oito partidos não elegeram nenhuma mulher. O partido com a maior proporção de mulheres é o PCdoB, com seis deputadas d@s 15 eleit@s. Em termos absolutos, o PT foi o partido que elegeu mais mulheres, contudo as nove deputadas frente aos 80 deputados eleitos perfazem apenas 10% da bancada petista. Avaliando os estados, proporcionalmente o Espírito Santo apresentou o melhor resultado, quatro d@s seus dez deputad@s são mulheres. Já os maiores colégios eleitorais exibiram pífios resultados. Embora São Paulo tenha elegido o maior número absoluto de mulheres, elas representam apenas 8,6% d@s 70 deputad@s paulistas. As deputadas cariocas e mineiras são apenas 8,7% e 1,9% das suas bancadas estaduais respectivamente. Em três estados nenhuma mulher foi eleita. Entre eles está Mato Grosso do Sul, contraditoriamente, o único estado com mais de 30% de candidaturas femininas, além de Mato Grosso e Sergipe.

A região Norte foi a que elegeu o maior percentual tanto de deputadas federais como de estaduais correspondendo a 15,4% e 15,7% do total de eleit@s. Os menores índices de mulheres eleitas estão na região Sul do país, onde cinco deputadas federais conquistaram mandatos, perfazendo um percentual de 6,5% e na região Centro Oeste, com 8,85% de mulheres nas Assembleias Legislativas e Câmara Distrital.

Nas eleições majoritárias, tanto para os governos estaduais como para o Senado Federal, presenciou-se uma diminuição no número de mulheres candidatas. Foram eleitas oito senadoras e duas governadoras no primeiro turno. Considerando que em 2006 a renovação do Senado era de um terço e se elegeram quatro mulheres, houve uma estagnação. Contando as três senadoras que exercerão seu segundo mandato com mais uma suplente que assumirá, a bancada feminina no Senado passará de 11 para 12 senadoras.

No primeiro turno foram eleitas duas governadoras, mais duas disputam o segundo turno. Weslian Roriz no Distrito Federal e Ana Júlia Carepa no Pará, ambas figuram em segundo lugar nas pesquisas de intenção de votos. Em 2006, elegeram-se cinco governadoras, todas no segundo turno.

De um modo geral, a eleição de mulheres favorece o empoderamento das mulheres e da pauta política em favor da igualdade. Mas não é sempre assim. Muitas candidaturas enalteceram a permanência das mulheres em seus papéis tradicionais e subordinados. A candidata Weslian Roriz que substituiu o seu marido “ficha suja” Roriz na disputa pelo governo do Distrito Federal foi a expressão extrema dessa subordinação, mas não a única.

Mulheres votam em mulheres

Embora o saldo eleitoral tenha ficado muito aquém do desejado, alguns dados indicam que a sociedade brasileira tem evoluído a passos mais largos que suas instituições. Cerca de 67% do eleitorado, no primeiro turno, votou em mulheres para o mais importante cargo político do país. Mesmo sendo apenas 8,8% das eleitas para a Câmara Federal, três mulheres estão na listas d@s dez candidat@s mais votad@s. Foram também três senadoras a figurarem entre @s dez mais votad@s. Entre as 45 deputadas eleitas, seis foram campeãs de votos em seus respectivos estados. As cinco deputadas federais mais votadas foram Manuela D’Ávila (PC do B/RS), Ana Arraes (PSB/PE), Bruna Furlan (PSDB/SP), Fátima Bezerra (PT/RN) e a veterana Luiza Erundina (PSB/SP), primeira prefeita de São Paulo, eleita em 1988, que conquista agora seu quarto mandato seguido na Câmara dos Deputados. Além disso, sete deputadas integram o seleto grupo de 35 parlamentares em todo o Brasil que foram eleit@s ou reeleit@s exclusivamente com suas votações nominais, ou seja, sem depender dos votos dados à legenda nem das sobras de outr@s candidat@s de seu partido ou coligação.

Cotas - desafios a superar para que sejam efetivas

Houve uma elevação acentuada do número de candidatas a deputadas estaduais e federais por causa da obrigatoriedade das cotas e, ao mesmo tempo, um decréscimo nas candidaturas masculinas. Porém, a ausência de sansão ao descumprimento da medida juntamente com a ausência de qualquer estratégia de empoderamento das mulheres em seus próprios partidos fez com que, dessa vez, houvesse uma queda substantiva na proporção entre candidaturas femininas e mulheres eleitas, que caiu à metade. Essa proporção, que em 1994 foi de mais de 17%, encontrava-se em uma média de 8% nas duas últimas eleições nacionais e sofreu uma queda para 4,6%, enquanto que a taxa de sucesso masculina permaneceu em 11%.

Um exemplo emblemático ocorreu no Partido dos Trabalhadores do Mato Grosso. A senadora Serys Slhessarenko, entre @s 54 senador@s cujos mandatos terminam em fevereiro de 2011, foi a única a não concorrer à reeleição por decisão do próprio partido. Serys foi a primeira mulher a se tornar senadora pelo Mato Grosso, em 2002, e uma das poucas a ocupar a Mesa Diretora do Senado Federal, chegando a assumir temporariamente a presidência da Casa. Uma candidata fortemente competitiva, com uma avaliação muito positiva do seu mandato e mesmo assim preterida no seu partido. Não se trata apenas de uma questão de falta de incentivo dos partidos, mas de desestímulo às mulheres participarem da competição eleitoral.

Os partidos políticos são as instituições mais resistentes a abrir-se à participação política das mulheres. Existe uma correlação de forças, uma natural disputa por espaços de poder uma vez que cada vaga que se abre a uma mulher implica a redução da participação masculina. Dessa forma, a inserção da mulher na política brasileira acontece não através da política formal, mas através de sua atuação em instituições da sociedade civil. Além disso, os estudos feitos nos últimos anos constataram que @s eleitor@s estão mais dispost@s a votar tanto em homens e mulheres em igualdade de condições, enquanto os partidos, e sobretudo as elites políticas, mostram um conservadorismo exacerbado.

Mulheres à presidência

A estréia de duas mulheres com chances reais de chegarem à Presidência da República não foi suficiente para suscitar o debate acerca da subrepresentação feminina nas instâncias decisórias. Na realidade o debate foi pautado pela invisibilização de qualquer possível trajetória das mulheres a não ser no desempenho dos papéis de mães ou donas de casa. Embora cortejadas em alguns programas de governo, as desigualdades de gênero e também as raciais parecem ter sido completamente desconsideradas nos discursos d@s principais candidat@s.

Propostas como a da ex-presidenta do Chile Michelle Bachelet de compor um gabinete paritário, como já acontece em países como a França, a Espanha, a Finlândia e a Noruega, não foram sequer aventadas por aqui. Ao contrário, uma das frentes de campanha de José Serra é o argumento de que “ela não vai dar conta”. Colocar em dúvida a competência das mulheres sempre foi um artifício machista para mascarar as razões da iniquidade no poder.

Grande parte do mundo continua a avançar no que tange aos direitos políticos das mulheres, ao passo que a tendência do Brasil indica uma queda ainda maior no ranking internacional. Em comparação com outros países da América Latina e do Caribe, o Brasil apresenta uma das menores taxas de representação parlamentar feminina, perdendo somente para Belize, Haiti e Colômbia. Em países como Argentina, Costa Rica, Peru, Equador e Bolívia já se alcançaram níveis de participação parlamentar em torno de 30%. A média regional de participação feminina nos principais órgãos legislativos nacionais é 22,1%, no Brasil, o índice é de míseros 12,3%.

Após os resultados do primeiro turno, o cenário inicialmente promissor deu lugar a reveses no debate político eleitoral, colocando literalmente em jogo os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e da população LGBTTI. De um lado utilizados como moeda de troca pelo apoio dos setores religiosos fundamentalistas e de outro como cortina de fumaça para encobrir escândalos políticos.

O fato não surpreendeu o movimento de mulheres que, insistentemente, ao longo de anos, vem alertando sobre os riscos que o fundamentalismo religioso, ganancioso do poder político, representa para a democracia. Invariavelmente os fundamentalistas convergem para impor sua verdade única, sua única voz sobre todas as vozes e para tentar privar as mulheres dos nossos direitos humanos, da nossa liberdade sexual, do direito de decidirmos por um aborto ou de ocuparmos um espaço de poder.

Uma vitória dos movimentos feministas e de mulheres foi a derrota de muitas dessas lideranças anti-direitos nas urnas. Mesmo com o debate conservador em voga, uma parcela do eleitorado rechaçou o fundamentalismo religioso e dos 69 que concorreram a reeleição um terço não se elegeu.`

Aborto e eleições - as mulheres como bode expiatório

Com esse viés, o debate sobre a questão do aborto entre @s candidat@s - um dos pontos nevrálgicos da agenda de direitos reprodutivos no Brasil - foi maniqueísta, preconceituoso, desinformado e, por isso mesmo, um dos motes para o processo de despolitização da disputa eleitoral.

Mas a discussão, finalmente, não ficou restrita aos/às candidat@s. O destaque dado ao aborto deu relevância a uma questão considerada tabu e pouco discutida pela sociedade brasileira. Com isso, trouxe à tona dados e relatos que demonstram que é em um contexto de criminalização das mulheres que as piores estatísticas se apresentam. Haja vista países eminentemente católicos como Portugal e México, nos quais a descriminalização do aborto não só fez diminuir a mortalidade materna como também diminuiu o número de abortos realizados.

Por vezes os discursos dos dois candidatos em relação a essa questão pareceram idênticos, não obstante existirem nuances significativas. Expressões como “carnificina”, usada por Serra, e “questão de saúde pública”, colocada por Dilma, significam coisas bem distintas entre si, como foi ficando mais claro no decorrer da discussão para o segundo turno.

As mulheres não foram cortejadas devido a ser maioria do eleitorado como se esperava. Com efeito, serviram de bode expiatório em um contexto politicamente esvaziado e conservador. Apesar de representarem cinco milhões a mais de votos, a força numérica das mulheres parece ainda não produzir o estrondo necessário para se fazer escutar. É difícil para a sociedade brasileira emergir da cultura patriarcal, elitista e racista. Contudo e apesar das nossas elites políticas, há sinais evidentes de questionamento do machismo e do empoderamento das mulheres.


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