Hoje, 21 de abril, Brasília comemora mais um aniversário, 64. O jornal Correio Braziliense publicou algumas histórias, refexões e análises de mulheres que vivem (e viveram) essas histórias e experiências.

 Correio Braziliense - 21/4/24

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Ministra substituta do TSE, a advogada projeta Brasília como um lugar que acolhe e abriga todos os brasileiros, com respeito pela diversidade

 
 16/04/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Caderno especial aniversário de Brasília. Ministra Substituta doTSE Vera Lucia Santana. -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
16/04/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Caderno especial aniversário de Brasília. Ministra Substituta doTSE Vera Lucia Santana. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
 
 

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é um exemplo de que, nem sempre, a primeira impressão é a que fica. A magistrada chegou a Brasília em 1978, para estudar direito. “É bem verdade que nos meus dois primeiros anos não gostava da cidade. Sentia muita falta do que eu estava começando a vivenciar em Salvador, de uma legítima rebeldia de contestação à ditadura militar vigente à época”, revela.

Além disso, Vera Lúcia contou que fazia teatro amador na capital baiana. “Ou seja, tinha uma vida cultural e política muito ativa por lá, que os meus primeiros anos de Brasília não me propiciaram, e isso me impactou muito fortemente”, pontuou. “Só que um dia decidi que eu não ia continuar sofrendo além do necessário por não gostar de Brasília. Falei que, até terminar meu curso, ficaria em paz na cidade. Mas a paz foi tão grande que estou aqui até hoje”, brinca a ministra.

Comenta que também se permitiu integrar à cidade. “No Ceub, onde cursava direito, comecei a me relacionar com colegas que também tinham uma ideia de liberdade e democracia”, diz. “Passei a atuar no movimento estudantil, fui da direção do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito e fui representante discente junto ao Conselho Departamental da faculdade”, detalha Vera Lúcia. “A minha integração à vida política teve um apelo fundamental para que eu viesse a me apaixonar por Brasília”, ressaltou.

Para a ministra do TSE, um dos locais marcantes durante sua trajetória é a Defensoria Pública, à época em que ficava em Taguatinga. “Estagiei lá e acho que foi crucial para a minha formação jurídica. Tinha esse interesse na advocacia e, por lá, passei a ter contato direto com juízes e promotores, como a atual ministra do STJ Nancy Andrighi”, avaliou.

"Ter vivido em Brasília no período em que eu vivi, sendo ativa em todos os processos democráticos, foi o que garantiu ter esse assento aqui no Tribunal Superior Eleitoral, não tenho a menor dúvida disso"Vera Lúcia Santana Araújo, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Luta pela democracia

Questionada sobre como Brasília a auxiliou para que chegasse até onde está, a magistrada destaca sua participação no processo pelo fim da ditadura militar. “Fazer essas coisas, estando na capital da República e, na época, digamos que Brasília era uma cidade pequena, isso, indiscutivelmente, fez toda a diferença”, observou.

“Se eu estivesse numa cidade grande, seria muito mais anônima, principalmente por ser uma pessoa negra, sem nenhuma tradição de família, sem o berço que as elites brancas traziam, e o mundo do direito é marcado por isso”, argumenta. “Por isso, ter vivido em Brasília no período em que eu vivi, sendo ativa em todos os processos democráticos, foi o que garantiu ter esse assento aqui no Tribunal Superior Eleitoral, não tenho a menor dúvida disso”, crava.

Isso só deve começar a ocorrer, na visão da magistrada, por meio de maior representatividade na Câmara Legislativa (CLDF). “Isso é fundamental. Tenho o desejo de que a nossa Câmara Legislativa seja cada vez mais representativa das nossas minorias”, diz. “Eu que lutei tanto pela representação política do Distrito Federal, sinto, como cidadã, esse vácuo de representatividade, e ela precisa ser a marca da nossa democracia”, lamenta. “Mas estou muito confiante — até por ser muito apaixonada por Brasília — de que isso vai melhorar com o passar das eleições."

 

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/04/6840069-o-futuro-de-brasilia-ministra-vera-lucia-luta-por-uma-capital-mais-inclusiva.html

 

Pioneira, Cosete Ramos conta como Brasília cativa e transforma seus moradores

A educadora Cosete Ramos chegou à capital poucos dias antes da inauguração e, em suas palavras, se apaixonou até pelo vento candangoA professora aposentada Cosete Ramos com o discurso de JK em mãos -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)

A professora aposentada Cosete Ramos com o discurso de JK em mãos - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

"O meu amor por Brasília nasceu em um banho de poeira que eu tomei num redemoinho, logo que cheguei, enquanto passeava com os meus pais pela W3. Toda a terra bendita do Cerrado impregnou em mim", declara Cosete Ramos, 82 anos, que chegou a Brasília aos 17, poucos dias antes da inauguração da nova capital. Junto à família, passou a viver no Plano Piloto e, mais tarde, tornou-se uma das primeiras professoras do Distrito Federal. Apreciadora de cada lado do quadrado, Cosete contou ao Correio como Brasília a cativou e a transformou na mulher que é hoje.

Filha de Ruy Ramos, à época deputado federal pelo Rio Grande do Sul, a educadora teve o privilégio de acompanhar de perto a cerimônia de transferência da capital. Conta, com brilho nos olhos e tamanha empolgação, que Sarah Kubitschek a recebeu na entrada do baile no Palácio do Planalto. "Eu estava tremendo. Dona Sarah tomou as minhas mãos geladas e sentiu minha emoção. Que belo sorriso recebi! Nunca me esquecerei…"

Durante a entrevista, Cosete lamentou várias vezes não ser brasiliense de sangue. Nascida em Alegrete, no Rio Grande do Sul, mudou-se para o Rio de Janeiro aos 9 anos, quando o pai foi eleito deputado, e chegou a Brasília na adolescência. Filha de professora de geografia, sabia que toda a novidade compunha, na verdade, um cenário histórico. "Mesmo sendo uma mocinha, eu tinha noção de que nunca mais esqueceria daqueles dias. Meus pais a todo o momento me ensinavam isso", declara. 

  •  09/04/2024 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Especial Aniversário de Brasilia 64 anos. Na foto, Cosete Ramos.
    09/04/2024 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Especial Aniversário de Brasilia 64 anos. Na foto, Cosete Ramos.Ed Alves/CB/DA.Press

À época, estudante do segundo grau (hoje ensino médio), foi uma das primeiras alunas do Centro de Ensino Fundamental Caseb e formou-se na primeira turma de normalistas da escola. Em sua formatura, Cosete foi escolhida para ser a oradora. Usou a oportunidade para agradecer a JK por todos os feitos, que ela admirava antes mesmo de serem concretizados. Enquanto a ouvia, o presidente se emocionou. O discurso de Cosete foi estampado no Correio no dia posterior à celebração. "JK deixou de lado o texto pronto que tinha levado e discursou em cima do meu. Quando acabou, sentou e escreveu uma mensagem para mim", relata. A mensagem de Kubitschek impulsionou a vontade que Cosete tinha de fazer a diferença na capital.

Estudou pedagogia na Universidade de Brasília (UnB), foi a primeira professora da Escola de Aplicação, deu aula na Escola Normal e depois ministrou aulas na universidade. Fez mestrado e doutorado nos Estados Unidos, atuou por 25 anos no Ministério da Educação (MEC) e escreveu mais de 60 livros. "Hoje, eu acho que eu mereço o discurso que o JK fez para mim. Eu acho que eu ajudei o destino da educação de Brasília."

Brasília criou Cosete como profissional e Cosete criou apreço por cada pedaço de Brasília. "São 64 anos de felicidade que eu vivi nesta cidade maravilhosa. Brasília é ímpar — não há outra igual no mundo", declara. A pioneira é mãe de dois filhos, Denise Gebrim e Eduardo Rui, e avó de duas netas, todos brasilienses. 

Um amor sem fronteiras

Em 2017, Cosete idealizou a Aliança das Mulheres que Amam Brasília (AMA Brasília), com o propósito de unir mulheres para cuidar da capital. Mais tarde, em 2021, durante a pandemia, surgiu a ideia de incentivar o sentimento de felicidade em Brasília, portanto, lançou o Movimento Brasília Capital da Felicidade.

Inspirada nos critérios da Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de tornar Brasília a Capital da Felicidade, a professora ampliou o público e convidou homens para participarem da iniciativa também. "Agora, nós sonhamos com a criação de uma Secretaria de Estado da Felicidade no DF, com o objetivo de promover o bem-estar da população e a longevidade saudável", informa.

 
JK discursa para Cosete

“A solenidade por si só justificava a emoção que senti: formatura das primeiras mestras de Brasília. O discurso da oradora da turma, Cosete Martins Ramos, trouxe, entretanto, uma nota admirável à reunião: revelou tal altura intelectual, tal maturidade de cultura que olho agora mais tranqüilo o destino da educação no Planalto.”
Brasília 15 – 12 - 60
Juscelino Kubistchek

 
 
 

Ministra Daniela Teixeira fala do acolhimento das pessoas de Brasília

Ministra do STJ desde o fim do ano passado, Daniela Texeira destaca que a característica da cidade de acolher pessoas de várias nacionalidades e culturas a ajudou durante a carreira

 
"Sempre vi em mim uma cidadã realmente brasiliense, do tipo que é apaixonada por tesourinha e ipê", disse a ministra - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
 

A advogada Daniela Teixeira, 52 anos, é um dos grandes exemplos de amor por Brasília. Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 22 de novembro de 2023, a magistrada, que nasceu e foi criada na capital federal, ressalta seu amor pela cidade: "Sempre vi em mim uma cidadã realmente brasiliense, do tipo que é apaixonada por tesourinha e ipê".

A ministra destaca que, desde a infância, percebeu uma característica muito peculiar de Brasília. "Fui uma criança que brincava embaixo do bloco até os 15 anos e, por lá, tinha todo o Brasil reunido. Subia na casa de um amiguinho para comer tapioca; na do outro, comia galinhada; na do outro, pão de queijo. Sempre era uma culinária típica de uma região diferente", recorda-se.

"Lembro que a minha avó morava na 304 Sul e a brincadeira ia sempre até o horário da novela das seis. A gente perguntava para o porteiro se já estava na hora da novela e, quando ele dizia que sim, tínhamos que subir para tomar banho, fazer o dever e dormir", acrescenta Daniela. "Também sou da época da festa dos estados e tenho muita saudade disso. Ela ocorria todos os anos, em junho, e havia barracas com a cultura do Brasil inteiro", lembra.

"Quem é de Brasília tem um olhar muito nacional desde o dia em que nasceu. A gente tem um país inteiro dento de um quadradinho"Daniela Teixeira, ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ

 
 
Entre gerações

Na família, há três gerações formadas na Universidade de Brasília (UnB) — o pai, ela e o filho. Por isso, considera a universidade o lugar que mais marcou sua vida. "Devo tudo o que sou hoje à Universidade de Brasília. Gratuita e de excepcional qualidade. Passei seis anos lá, entrei uma menina e saí uma advogada empregada em um escritório de advocacia magnífico", comenta. "Meu futuro seria impossível sem a base, as amizades e os aprendizados da UnB."

Durante os 27 anos trabalhando como advogada, Daniela atuou nos tribunais superiores com muita facilidade de entender os problemas nacionais. "Acho que é isso que mais me diferencia como magistrada e quem me deu isso foi Brasília", avalia. "Quem é de Brasília, tem um olhar muito nacional desde o dia que nasce. A gente tem o país inteiro dentro de um quadradinho", completa.

Para o futuro da cidade, a magistrada acredita que Brasília será, para sempre, a "capital do mundo". "Uma cidade que acolhe não só os brasileiros, mas a população de todas as partes do planeta", crava. "Nunca pensei e jamais pensaria em sair daqui. Vou morrer velhinha, se Deus quiser com 102 anos, em Brasília. Não tenho nenhuma dúvida disso", brinca a ministra do STJ.

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/04/6839034-ministra-daniela-teixeira-fala-do-acolhimento-das-pessoas-de-brasilia.html

 

Reitora conta como história da UnB e de Brasília se completam

Idealizada pelo antropólogo Darcy Ribeiro, a UnB nasceu em 21 de abril de 1962, exatos dois anos após a inauguração de Brasília, incorporando as inovações e os valores da nova capital federal

 
 
Em comemoração ao aniversário de ambas, o Correio entrevistou a professora e reitora da universidade, Márcia Abrahão, que recordou momentos marcantes dessa trajetória e da própria carreira.  -  (crédito:  Kayo Magalhães/CB/D.A Press)
Em comemoração ao aniversário de ambas, o Correio entrevistou a professora e reitora da universidade, Márcia Abrahão, que recordou momentos marcantes dessa trajetória e da própria carreira. - (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)
 

Há quem a descreva como moderna; outros, como democrática. Alguns a chamam de casa; outros — mais emocionados — de mãe. Fato é que a Universidade de Brasília, além de abraçar todas essas definições, é sobretudo pioneira. Na política de cotas, no vestibular 60 , no campi autossustentável, na abertura a indígenas e quilombolas e na arquitetura. Idealizada pelo antropólogo Darcy Ribeiro, a UnB nasceu em 21 de abril de 1962, exatos dois anos após a inauguração de Brasília, incorporando as inovações e os valores da nova capital federal. Em comemoração ao aniversário de ambas, o Correio entrevistou a professora e reitora da universidade, Márcia Abrahão, que recordou momentos marcantes dessa trajetória e da própria carreira. 

Vale recordar que a UnB viveu momentos dramáticos no período da ditadura militar (1964 - 1985), nos quais professores foram perseguidos, presos e tantos outros pediram demissão, além dos estudantes considerados desaparecidos e aqueles que foram assassinados, como Honestino Guimarães. "Temos uma história de superação e sobrevivência, pois, naquela época, a universidade quase fechou. Também por isso, praticamos e defendemos diariamente a democracia", pontua Márcia Abrahão. 

Conexão

Em consonância com a própria história de Brasília, a UnB foi (e ainda é) casa para pessoas de todos os cantos do mundo, contribuindo para a diversidade de ideias, experiências e sotaques. E, nos tantos corredores da universidade, não faltam referências à cidade-mãe. O Instituto Central de Ciências (ICC), pensado por Oscar Niemeyer e conhecido como Minhocão, reproduz o desenho do Plano Piloto. Nos espaços abertos, sem grades ou cercas, há menção aos pilotis dos blocos das superquadras; e a conexão com a natureza, nos enormes gramados dos campi, não poderia ser diferente do conceito de cidade-jardim, idealizado pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa. "A arquitetura da UnB convida as pessoas a andarem pelo campus e se encontrarem", diz a reitora. 

Outro ponto forte nessa conexão entre universidade e a capital foram as contribuições do educador Anísio Teixeira na educação pública do Distrito Federal. Enquanto o conceito de escola classe previa um espaço de educação integral, as escolas parque tinham como foco a formação escolar de forma ampla e integrada ao desenvolvimento físico, artístico e recreativo das crianças. O legado do intelectual se deve, assim, à concepção de uma educação de qualidade e acessível a todos, sem distinções de classes sociais. Além disso, a Biblioteca Central (BCE) é destaque por ser a maior do DF, abrigando cerca de 3 mil pessoas por dia e contando com um acervo de aproximadamente 1,5 milhão de volumes, entre livros, periódicos e folhetos. 

Uma particularidade da UnB é a possibilidade de os alunos cursarem disciplinas de diferentes cursos, mediante as matérias de módulo livre, permitindo a abertura a de vivências e conhecimentos diversos. Márcia garante que, em sua gestão — iniciada em 2016 — deseja reforçar a visão humanista dos fundadores da universidade. A política do Envelhecer Saudável, da prevenção e combate ao assédio, e da implementação de painéis solares fotovoltaicos e compostagem, que tornaram a UnB uma das instituições de ensino superior mais sustentáveis do Brasil, foram algumas das iniciativas. 

"Também aprovamos a licença-maternidade para a estudante de pós-graduação e criamos o Decanato de Pesquisa e Inovação, visando fortalecer o desenvolvimento de projetos com empresas e com o governo, para aumentar a captação de recursos e ampliar a possibilidade de editais de pesquisa, extensão e monitoria. Agora, esperamos inaugurar uma creche pública em parceria com o GDF (Governo do Distrito Federal) e criar o espaço de pesquisa em primeira infância. Quanto à infraestrutura, instalamos fraldários tanto em banheiros femininos quanto em masculinos", detalha a professora. 

Identificação

Márcia Abrahão é a primeira mulher eleita para o cargo de reitora da UnB. Consciente da sua responsabilidade, ela destacou que não adianta ser mulher e fazer uma gestão que não deixe a sua marca. "Foi preciso mostrar para todos que nós temos capacidade e força suficiente para sermos gestoras públicas". Ela lembra que, desde a primeira gestão, não foram poucos os momentos desafiadores, como a pandemia e os constantes cortes orçamentários. "Foi muito difícil levar todo mundo para o ensino remoto, mas partimos da premissa de que ninguém ficaria para trás, então, fomos atrás de dar condições de estudo aos estudantes que não tinham computador nem internet. Também foi preciso treinar os professores e, na volta, garantir que toda a comunidade voltasse à universidade em segurança", assegurou. 

 fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/04/6838907-reitora-conta-como-historia-da-unb-e-de-brasilia-se-completam.html
 

Presidente da Rede Sarah conta sobre a infância em Brasília

Neurocientista e diretora presidente da Rede Sarah, Lúcia Willadino lembra da infância na cidade e das possibilidades de criação que a capital recém-criada permitiu

 
Para Lúcia Willadino, o céu de Brasília é o que a capital tem de mais marcante  -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
Para Lúcia Willadino, o céu de Brasília é o que a capital tem de mais marcante - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)
 

Nascida em Porto Alegre, a doutora e diretora-presidente da Rede Sarah, Lúcia Willadino, 65 anos, se dedica a trabalhos na área da neurociência há mais de quatro décadas. Ela conta que, enquanto ainda cursava a graduação na Universidade de Brasília (UnB), na década de 1970, desenvolveu pesquisas com crianças do Hospital Sarah Kubitschek, associando experiências musicais a tratamentos de reabilitação.

A história da médica em Brasília começou praticamente junto com o início da cidade. "Foi uma infância muito interessante, porque não existia nada. A Asa Norte praticamente não existia e, na Asa Sul, era muito pouca coisa", recorda-se. "Eu, como criança, achava que cada criança crescia junto com a cidade. Lembro-me da primeira padaria e do primeiro cinema — que foi o Cine Cultura, na W3 —, por exemplo", destaca. "Além disso, na minha quadra, ninguém tinha carro e, quando compraram o primeiro, foi quase uma invasão de privacidade", brinca a neurocientista.

Para a médica, foi muito interessante viver aquela época. Ela percebia que a população, principalmente os mais jovens, se sentia parte da construção da cidade. "Além disso, como éramos muito poucos habitantes, parecia uma cidade do interior. Quase todos os dias havia evento de inauguração e, como Juscelino Kubitschek sempre ia, para mim, ele era como um prefeito", compara Lúcia.

Ela ressalta que, apesar de haver um sotaque próprio atualmente, no início da cidade, não era assim. "Naquela época tinha, por exemplo, a minha família, que era gaúcha, além de mineiros, paulistas, cariocas e pernambucanos. Era uma grande diversidade de 'idiomas'", relata. "Fomos aprendendo aquelas palavras e construindo um 'português brasiliense'", observa a médica.

A diretora-presidente da Rede Sarah destaca uma lembrança engraçada das inaugurações das quais participou. "No início, Brasília era aquela terra vermelha, pois estava tudo em obra. Então, tinha uma coisa que a gente chamava de 'grama da inauguração'", comenta. "Quando ia inaugurar algo na cidade, o caminhão levava a grama, desenrolava, molhava, tinha o evento, depois enrolavam e levavam para outra inauguração", acrescenta a neurocientista. 

Lúcia também se recorda de outro momento cômico: "Houve um dia que apareceu lá na Escola Parque — que era o único lugar onde tinha evento cultural — um cartaz escrito 'conserto de piano'. Só que o pessoal foi achando que seria alguém tocando e, na verdade, tinha um homem consertando o piano, concretamente".

    •  09/04/2024 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Especial Aniversário de Brasilia 64 anos. Na foto, Lúcia Willadino Braga.
      09/04/2024 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Especial Aniversário de Brasilia 64 anos. Na foto, Lúcia Willadino Braga.Ed Alves/CB/DA.Press
Transformação

Apesar de ser uma neurocientista de sucesso, Lúcia revela que, no início, nem passava pela sua cabeça seguir nessa área. "Entrei na área de música muito cedo. Aprendi a ler partituras antes mesmo de ler palavras e estudei na primeira escola de música, quando ela ainda ficava na W5. Quando entrei na UnB para fazer composição e regência, aquilo que tive como educação na minha infância, me encontrei na universidade. Era praticamente um 'mundo aberto', e acabei pegando matérias de outras áreas como optativas", comenta.

Naquele momento, ainda no começo da graduação, a médica diz que se interessou pelo desenvolvimento cognitivo e uma professora sugeriu fazer dupla opção para psicologia, pois a área da neuropsicologia estava emergindo naquele momento. "Acabei escrevendo um projeto de pesquisa para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que foi aprovado. Só que desacreditaram ele. Mesmo assim, trouxe para a Rede Sarah e, em 1977, o diretor da época deixou que eu aplicasse o projeto. Deu muito certo, tanto que, dois anos depois, fui contratada e estou aqui até hoje", destaca.

Potencial

Para ela, Brasília tem em seu DNA o potencial de dar espaço à criação. "Essa é a marca que a cidade deixou em mim e em todas as crianças que viviam aqui no começo de tudo. O fato de ser uma cidade pioneira, deu a possibilidade para essas pessoas de criar projetos, seja na área de saúde, seja na cultura ou na educação", observa.

Lúcia, que é uma admiradora das belezas naturais de Brasília, afirma ser importante para o futuro da capital que ela siga como um grande centro gerador de ciências, de arte e de cultura. "Penso que temos esse potencial criativo imenso. O fato de sermos um 'céu sem montanhas' nos permite expandir em termos de ideias, de pensamentos, de conceitos, de teorias, além de provar, descobrir e gerar coisas novas."

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/04/6839865-presidente-da-rede-sarah-conta-sobre-a-infancia-em-brasilia.html

 

Livro conta história das mulheres pioneiras que construíram Brasília

Em suas obras, Elvira Barney ressaltou os aprendizados que obteve com outras mulheres pioneiras, enquanto Mercedes Urquiza narrou os primeiros dias da construção da cidade

 
 
Elvira Barney e Mercedes Urquiza -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press; Cadu Ibarra/CB/D.A Press)
Elvira Barney e Mercedes Urquiza - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press; Cadu Ibarra/CB/D.A Press)
 

Imagine sair do conforto de Copacabana, em plena efervescência da bossa nova, e chegar à cidade da terra vermelha, tomada por novidades e canteiros de obras. Foi assim com Elvira Barney, 85, que pisou em Brasília em 19 de maio de 1961, aos 22 anos. Na recém-inaugurada capital federal, o que faltava em requinte sobrava em esperança. "Apesar das dificuldades, havia muita expectativa no desenvolvimento da região. As pessoas almejavam e acreditavam na possibilidade de ter uma nova vida, algo melhor. Tivemos fé em Brasília", conta. 

A vinda se deu aos 10 dias de casamento com o arquiteto Cesar Barney, convocado para trabalhar ao lado de Oscar Niemeyer e responsável por mais de 500 obras espalhadas pela cidade. Contar a novidade da mudança ao pai, que era contra a transferência da capital para o Distrito Federal, exigiu coragem. "Muitos cariocas estavam aborrecidos com JK (Juscelino Kubitschek). Diziam que a ideia era uma 'aventura' com dias contados e que Brasília se tornaria uma cidade-fantasma. Evidentemente, não aconteceu", recorda. 

Apesar das boas expectativas, a mudança foi um choque. "Lembro-me de trazer uma mala repleta de luvas, salto alto e toalhas brancas. Em um mês, tudo voltou para o Rio Janeiro, porque seria impossível usar aqui. Minhas roupas brancas nunca mais foram dessa cor", relata, aos risos. O progresso da cidade se refletiu na vida pessoal de Elvira, que, na capital, dedicou-se às artes, à dança, ao empreendedorismo, ao teatro e às obras sociais. Em 2001, mais uma novidade: escreveu um livro sobre a contribuição feminina no desenvolvimento de Brasília, reunindo depoimentos de 90 mulheres que viveram experiências semelhantes à dela, cada qual a seu modo. 

  • Elvira Barney dedicou-se a colher depoimentos de mulheres que, assim como ela, foram pioneiras de Brasília
    Elvira Barney dedicou-se a colher depoimentos de mulheres que, assim como ela, foram pioneiras de BrasíliaMarcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Elvira Barney dedicou-se a colher depoimentos de mulheres que, assim como ela, foram pioneiras de Brasília
    Elvira Barney dedicou-se a colher depoimentos de mulheres que, assim como ela, foram pioneiras de BrasíliaMarcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Elvira com o marido, Cesar Barney, nos anos 1960: um lar definitivo
    Elvira com o marido, Cesar Barney, nos anos 1960: um lar definitivoMarcelo Ferreira/CB/D.A Press
Dedicação

O objetivo não poderia ser outro, senão celebrar e valorizar a dedicação delas, deixadas, por anos, em segundo plano. Na apresentação da obra Mulheres pioneiras de Brasília, o então presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Affonso Heliodoro dos Santos, resumiu o tom dos relatos: "Não fossem aquelas mulheres anônimas, humildes, valentes e corajosas, que impulsionavam seus homens na construção, nada teria existido aqui, além do desespero de um sonho não realizado". Em princípio, o intuito era apenas registrar as lembranças pessoais na capital, mas, incentivada por uma amiga, decidiu contatar antigas conhecidas.

Nos últimos anos, Elvira se engajou, ao lado de outras pioneiras, em mais um objetivo: lutar pela conservação do Museu Vivo da Memória Candanga, que guarda testemunhos da saga da construção de Brasília. Localizadas entre a Candangolândia e o Núcleo Bandeirante, as casas, simples e coloridas, serviram de acampamento e moradia para médicos e enfermeiros. "Acredito que o museu seja um dos lugares mais autênticos do início da capital, que guarda características únicas desse período. Devíamos ter feito o mesmo com algumas estruturas da antiga Cidade Livre, como as casas de madeira", comenta. 

Saudade

Questionada sobre o que espera e deseja para o futuro de Brasília, a escritora não se deteve em utopias. Além da necessidade de conservar o que ainda resta de memória dos primeiros anos da cidade, ela reforçou a urgência que há em melhorar a mobilidade urbana do Plano Piloto para as regiões administrativas. "Temos um trânsito caótico, cada vez mais dominado por carros ocupados por uma única pessoa. É preciso dar continuidade à expansão do metrô para a parte norte do DF, agilizando a vida daqueles que vêm todos os dias ao centro para trabalhar".  

Apesar da avaliação, a pioneira não perde a admiração pela cidade. Entre seus lugares preferidos, listou o Templo da Boa Vontade, pela arquitetura diferenciada, a Igreja Dom Bosco e o Pontão do Lago Sul, "nossa praia, a salvação da capital", frisa. 

Entusiasta desde a construção

Recém-casada, em 1957, aos 18 anos, a escritora argentina Mercedes Urquiza decidiu que gostaria de viver uma vida que fugisse dos padrões das famílias tradicionais de seu país. Soube da construção de Brasília por meio de uma reportagem que leu no jornal e, imediatamente, decidiu que queria usar o barro vermelho de base para traçar o futuro de sua família. Saiu de Buenos Aires, em um Jeep Land Rover, acompanhada do marido, Hugo Maschwitz, e de seu cachorro. Foram 48 dias de viagem até chegarem, finalmente, em solo brasiliense, onde cravaram suas raízes, tiveram filhos, netos e bisnetos.

  • Escritora argentina Mercedes Urquiza, moradora de Brasília. Aniversário Brasília 64 anos.
    Escritora argentina Mercedes Urquiza, moradora de Brasília. Aniversário Brasília 64 anos.Cadu Ibarra/CB
     
  • Escritora argentina Mercedes Urquiza, moradora de Brasília. Aniversário Brasília 64 anos.
    Escritora argentina Mercedes Urquiza, moradora de Brasília. Aniversário Brasília 64 anos.Cadu Ibarra/CB
     
  • Mercedes Urquiza, aos 18 anos, visitando a construção de Brasília, e nos dias atuais: dois livros sobre a capital
    Mercedes Urquiza, aos 18 anos, visitando a construção de Brasília, e nos dias atuais: dois livros sobre a capitalArquivo pessoal

"Chegamos sem dinheiro, sem emprego, sem pistolão. O sonho maluco era começar uma vida do zero com nossas próprias mãos." O cenário encontrado ao chegar era bem diferente da cidade onde costumavam viver, mas, curiosa e destemida, Mercedes escolheu vivenciar cada experiência que lhes foi apresentada. "Quando chegamos, parecia uma cidade daquelas de faroeste americano que a gente via no cinema. Um descampado com operários em caminhões e pessoas vindas de todo o Brasil para trabalhar na grande epopeia que era a construção de Brasília. Não tinha nenhum luxo, e todos viviam em barracos de tábuas nos acampamentos ou na Cidade Livre, onde hoje é o Núcleo Bandeirante", relembra.

Jornalista, Mercedes iniciou a carreira profissional produzindo grandes reportagens informando o que acontecia em Brasília. "Como eu era uma das poucas pessoas que falava inglês, também recepcionava e fazia tradução para visitantes que vinham do exterior conhecer a cidade. Fui, ainda, a primeira corretora oficial da Novacap, quando enfrentei o desafio de vender uma cidade inteira, ainda na planta." Os empecilhos enfrentados durante os primeiros anos não impediram que a paixão pela capital se desenvolvesse.

A ideia repentina de vir a Brasília foi desacreditada pelas pessoas que os conheciam — como uma jovem de 18 anos poderia largar toda a família para seguir rumo a um destino que ainda nem existia? Com apoio ou não, determinada, Mercedes veio. E, para além de uma mera moradora, tornou-se pioneira, amante, uma verdadeira entusiasta da capital.

Trajetória

Em Brasília, Mercedes e Hugo tiveram duas filhas, Mercedes e Gabriela. Em 1990, Hugo faleceu, quando o casal já estava separado. Orgulhosa, a escritora contou que as filhas, os netos e os bisnetos nasceram e foram criados aqui. A Argentina tornou-se um destino visitado exclusivamente a passeio.

A admiração da pioneira pela capital virou trabalho. Em 2018, lançou o primeiro livro A Trilha do jaguar — Na alvorada de Brasília, no qual documentou os primeiros mil dias, desde a construção até a inauguração. A segunda obra, A nova trilha do jaguar, de Brasília minhas memórias, lançada na última semana, foi quase uma consequência, uma vez que as pessoas ficaram curiosas para saber dos acontecimentos após a inauguração. "No segundo livro, usei as fotos do meu acervo, em que, além de falar da cidade, conto o meu papel como uma embaixadora não oficial, título que recebi dos amigos e moradores da cidade, pelas minhas andanças pelo mundo levando exposições, documentários, lançando livros e fazendo palestras."

"Eu me sinto uma privilegiada por ter vivido tudo tão de perto. Uma cidade sendo construída do zero. Olhando para trás, acho que Brasília cumpriu seu papel como capital, trazendo o progresso para o Planalto Central. E também fico feliz em observar como a cidade está hoje", conclui. 

 

fonte:https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/04/6839082-livro-conta-historia-das-mulheres-pioneiras-que-construiram-brasilia.html

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