Durante a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, lideranças do movimento feminista e de mulheres discutiram todos os itens do Documento

Finalmente, o sonho tornou-se realidade! Entre os dias 6 e 7 de junho, quase 2000 mulheres, vindas de todas as regiões do Brasil, agitaram os corredores do Congresso Nacional. Lideranças de diversos segmentos vieram à capital do país para discutir, acordar e apresentar à sociedade brasileira suas propostas para a transformação radical do país. Foi emocionante ver a Praça dos Três Poderes tomada por mulheres que carregavam bandeiras e faixas com grandes olhos, lembrando o lema da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras: "Nosso olhar transforma o mundo". Nem a estátua da Justiça ficou imune à manifestação. Ao final do grande encontro, ela foi "coroada", com o olhar da igualdade.

Mas antes do encerramento, houve muitos debates e discussões entre as participantes. O objetivo foi criar condições para que os movimentos feministas de mulheres definissem posições, de forma autônoma e estratégica, diante do contexto eleitoral de 2002. O principal resultado da Conferência foi a aprovação da Plataforma Política Feminista. Após as discussões, realizadas em 26 Encontros Estaduais, as mulheres fizeram, em Brasília, o ajuste final do documento. Para o rendimento dos trabalhos, as participantes foram divididas em seis grupos, que tinham por tema os capítulos da Plataforma.

A seguir, os principais eixos da Plataforma e comentários de algumas ativistas:

Democracia Política

De acordo com a Plataforma, a democracia representativa brasileira ainda está impregnada dos perfis racista, sexista e classista da sociedade, que consolidaram um poder hegemônico de face masculina, branca e heterossexual, em que pesem as diferenças político-ideológicas entre os partidos.

O documento também critica a dependência da democracia representativa em relação ao poder econômico e financeiro. O voto torna-se objeto de troca, sujeitando-se às leis de mercado. Outro problema apontado é a pequena participação das mulheres no Parlamento, Executivo e Judiciário, apesar das cotas previstas em lei.

Os movimentos sociais e populares também receberam destaque. Ao longo dos anos, eles conquistaram espaços para o exercício da democracia participativa, ampliando os canais de acesso ao poder. Entretanto, apesar do crescimento da participação popular, as instâncias de democracia participativa têm sido desvalorizadas como possibilidades reais de aprofundamento da democracia. Para o Estado, prevalece a idéia de que o controle social representa uma ameaça ao poder.

Entre outros desafios, a Plataforma sugere a radicalização da democracia representativa e participativa por meio do fortalecimento e da ampliação dos mecanismos de acesso ao poder, inclusive através de políticas de ação afirmativa, respeitando as diferenças e promovendo a igualdade.

Questões agrícolas, agrárias e sócio-ambientais

O atual modelo de desenvolvimento rural, existente no Brasil, foi abordado na Plataforma Política Feminista. Não existe uma política efetiva e ampla do Estado no que se refere à reforma agrária, que alcance o universo de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Tal realidade torna a exclusão ainda mais aguda na área rural.

Justina Cima, coordenadora da Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais fala sobre as principais reivindicações levantadas: "a necessidade da reforma agrária; a necessidade de um novo modelo de agricultura baseado na agroecologia; e políticas públicas que nos possibilitem permanecer no campo e viver com dignidade".

A Plataforma mostra ainda as novas relações que se pretende construir no campo. "As relações de gênero, a relação com a terra, com a água, com a natureza e a relação campo-cidade têm de ser refeitas para produzir igualdade e justiça social", explica Justina Cima. Ela também ressalta que a finalização da Plataforma fez com que as trabalhadoras rurais saíssem fortalecidas de Brasília: "com certeza, porque é um documento amplo que insere a questão da agricultura, da reforma agrária, e do meio ambiente".

Inserção do Brasil no Cenário Internacional

Entre outras propostas, a Plataforma Política Feminista aponta o desafio de fortalecer o sistema ONU, atualmente enfraquecido para o desempenho de seu mandato de promoção, da ONU está limitada pela composição e poder de veto no Conselho de Segurança cujas resoluções restringem e ferem os princípios democráticos, os proteção e garantia dos direitos humanos e a promoção dos processos de paz, de grande importância para a governança global. A capacidade de intervenção política direitos humanos, na sua indivisibilidade, e as liberdades fundamentais.

Também foi apontada a necessidade de que a política externa brasileira se posicione com firmeza pela reconstrução do sistema de governança econômica e financeira global em bases democráticas. O sentido desta transformação é o de alcançar uma ordem internacional eqüitativa, regulação efetiva do sistema financeiro global e justiça na regras do comércio internacional.

Com relação à dívida externa brasileira, a Plataforma Política Feminista reafirmou a importância de se realizar uma auditoria que permita maior transparência e socialização das informações quanto à mesma, inclusive a qualificação quanto à legitimidade ou ilegitimidade dos débitos, dispondo-se de mecanismos permanentes de controle social sobre seus procedimentos. Entendendo que o tema dívida é uma questão de direitos humanos econômicos e sociais, as resoluções da conferência propõem a criação de mecanismos internacionais independentes para a arbitragem e resolução da dívida do países pobres e de renda média.

Democratização da Vida Social

Os mitos da democracia racial no Brasil e da harmonia entre dominantes e dominados são uma construção histórica, que teve início na colonização do país. Eles propiciam a manutenção e reprodução da desigualdade social, racial/étnica e de gênero. Para Lúcia Xavier, coordenadora do Grupo Crioula (RJ), "este capítulo da Plataforma é uma síntese do que foi repensar o feminismo brasileiro: ele reflete o entendimento que as mulheres passam a ter sobre a condição feminina e os desafios que precisam ser enfrentados".

O documento aborda as dificuldades das mulheres negras, jovens, pobres ou portadoras de necessidades especiais. Também propõe reflexões e ações em defesa das mulheres indígenas, cujos povos foram submetidos a processos de massacre físico e cultural.

A fim de acelerar o avanço de suas conquistas, várias lideranças participaram da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. De acordo com Lúcia Xavier, na oportunidade, discutiu-se os desafios enfrentados pelas mulheres negras e indígenas. Mas, ao mesmo tempo, "tratou-se de todas as mulheres brasileiras considerando que, em determinado momento, todas nós sofremos discriminação ou somos excluídas".

Liberdade Sexual e Reprodutiva

Este capítulo da Plataforma aborda a luta das mulheres para terem autonomia sobre seus corpos, pelo exercício prazeroso da sexualidade, para poderem decidir sobre quando ter ou não ter filhos. Concepções conservadoras, especialmente de caráter religioso, vinculam o exercício da sexualidade exclusivamente à reprodução, negando o direito da mulher ao prazer sexual.

Barreiras semelhantes às enfrentadas no campo dos direitos sexuais podem ser observadas em relação aos direitos reprodutivos. Ao decidirem pela maternidade, por evitar uma gravidez ou por interrompê-la, as mulheres arriscam sua saúde e até as próprias vidas. A ausência de políticas de Estado, no campo da saúde reprodutiva, tem como conseqüência a falta de prestação de serviços satisfatórios.

O movimento feminista e de mulheres considera especialmente importante e urgente:

  • Revisar a Lei do Planejamento Familiar
  • Garantir o atendimento, na rede pública, aos casos de aborto previstos pelo Código Penal
  • Convocar os meios de comunicação para assumir sua responsabilidade social
  • Promover a descoberta do desejo e da libido das mulheres
  • Implementar programas de educação, informação e comunicação de amplo alcance social, visando superar o sexismo e a homofobia
  • Reformular e fortalecer os programas de educação sexual nas escolas
  • Capacitar professores e profissionais de saúde, em relação às questões de direitos sexuais e reprodutivos.

Enfim, é necessário resgatar a palavra de ordem da luta feminista: NOSSOS CORPOS NOS PERTENCEM.

A íntegra da Plataforma está disponível no site www.articulacaodemulheres.org.br.


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