Se em Durban, as Nações Unidas consagraram um novo marco na consolidação dos Direitos Humanos, a verdade é que as conseqüências do atentado terrorista contra Nova Iorque podem ameaçar o projeto de Humanidade.

@s participantes da 3a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, realizada em Durban (África do Sul), ainda estavam chegando em seus países, quando um outro acontecimento mobilizou o planeta: o atentado terrorista ao World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington, atingindo e matando milhares de pessoas.

As torres gêmeas ruíram, comprometendo muito mais do que os edifícios que compõem o complexo do World Trade Center, porque abalaram-se também as estruturas que sustentam um projeto de Humanidade, que vem sendo construído, a duras penas, desde o final da II Guerra Mundial e a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um novo cenário para as relações internacionais está sendo montado, desde que os Estados Unidos foram atacados. As relações sociais, políticas e econômicas e os espaços onde elas se davam em nível global foram atingidos. A Organização das Nações Unidas - suas decisões de consenso, suas plataformas de ação mundial, seus instrumentos e mecanismos de defesa dos direitos humanos - é um destes espaços.

Como colocar em prática compromissos discutidos intensamente quando os discursos dos chefes de governo dos países mais poderosos tentam fazer crer que existem dois mundos: um civilizado e o outro da barbárie? Trata-se de um outro atentado, agora contra o princípio da igualdade, um dos pilares fundamentais de sustentação dos direitos humanos. A sua negação é, sem sombra de dúvida, o alimento de que se nutrem o racismo, a discriminação racial, a xenofobia, a homofobia, o sexismo, a intolerância religiosa, para fazer crescer surda ou ruidosamente as guerras que há muito vêm aniquilando, matando e destruindo os seres humanos e o planeta.

A Declaração final da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo reconheceu “o fato da história da humanidade ser repleta de atrocidades e de violações aos direitos humanos. Essas lições devem ser relembradas através da história para se evitar futuras tragédias”. Após os últimos acontecimentos mundiais, o texto parece mais uma profecia.

O encontro internacional teve como principal entrave as discussões sobre as questões do Oriente Médio. Diversas vezes, tentou-se equiparar o sionismo ao racismo. Para os representantes árabes, o tratamento dispensado pelos israelenses aos palestinos deveria ser enquadrado como um ato discriminatório. As discussões sobre a escravidão também foram bastante polêmicas. Africanos e afrodescendentes exigiam um pedido de desculpas formal pelas atrocidades cometidas e a reparação das vítimas.

Por fim, a 3a. Conferência Mundial contra o Racismo foi encerrada com a aprovação de uma Declaração admitindo que a escravidão e o tráfico de escravos, considerados crime contra a humanidade, foram uma tragédia na história. O documento apresenta pedidos de desculpas aos africanos, afrodescendentes e indígenas e apóia a criação de fundos e programas de ajuda aos países que foram vítimas do colonialismo e da escravidão.

Quanto à situação do Oriente Médio, o Programa de Ação aprovado pede “o fim da violência e o pronto restabelecimento das negociações, o respeito ao direito internacional humanitário e dos direitos humanos, o respeito ao princípio da auto-determinação e o fim de todos os sofrimentos, permitindo assim a Israel e aos palestinos restabelecer o processo de paz, crescer e prosperar em um clima de segurança e liberdade”.

A Conferência também reconheceu a existência de múltiplas formas de discriminação sofridas pelas mulheres vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e de formas conexas de intolerância.

Movimento de mulheres na Conferência

A presença das mulheres nesta Conferência, assim como nos seus processos preparatórios, foi marcante. Embora houvesse a resistência de vários governos de tratar da interseccionalidade das discriminações de gênero e raça que pesam sobre as mulheres, ao final, a Declaração aprovada reafirma que “os Estados têm o dever de proteger e promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todas as vítimas, e que eles devem adotar a perspectiva de gênero, reconhecendo as múltiplas formas de discriminação que as mulheres enfrentam (...)”

Para Wânia Santanna, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), o Plano de Ação aprovado permitirá avanços consideráveis na produção e publicização de dados e informações sobre a situação das vítimas do racismo, da discriminação racial e da xenofobia. Wânia Santanna sugere ainda uma análise cruzada dos compromissos assumidos na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo e durante a 4ª Conferência sobre a Mulher, realizada em Beijing – 1995: “eu acho que agora o desafio para todas nós é olhar para o que sai desta Plataforma, olhar o que sai da Plataforma de Beijing e então fazermos um link: quando Durban se encontra com Beijing. Eu acho que este é um trabalho a ser feito”.

Questões de gênero no Programa de Ação

Os países que ficaram até o final da 3a Conferência Mundial contra o Racismo, assinaram dois documentos finais: a Declaração e o Programa de Ação. Entre outras propostas, o último texto recomenda aos países:

aumentar ações e políticas públicas em favor das mulheres e jovens afrodescendentes, dado que o racismo as afetou mais profundamente, colocando-as em desvantagem e numa situação mais marginalizada;

adotar políticas públicas e dar impulso aos programas em favor de mulheres e garotas indígenas, com o objetivo de promover seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, colocando um fim em sua situação de desvantagem por razões étnicas e de gênero;

à luz do crescimento proporcional de mulheres migrantes, enfocar especialmente a questão de gênero, incluindo a discriminação por gênero, particularmente quando há uma interseção de múltiplas barreiras enfrentadas por mulheres migrantes; e

implementar políticas e programas que deverão capacitar, em particular mulheres e crianças que são vítimas da violência doméstica e conjugal, para libertá-las das relações abusivas.


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