Jurema Werneck
Integrante da CRIOLA - Secretaria Executiva da Articulação de ONGs de mulheres negras para a III Conferência Mundial contra o Racismo.

O racismo opera no Brasil de maneira eficiente há 5 séculos, produzindo desigualdades cotidianas que se traduzem em violência física e simbólica; desigualdade de acesso aos bens e serviços públicos de saúde, educação, habitação. O racismo, instalado confortavelmente no cerne das relações entre humanos, produz danos intensos e ainda pouco mensurados. Porque é no dia-a-dia que o racismo se constrói, se renova, define privilégios e exclusões. Define inclusive quem vive e quem morre. Nós mulheres negras morreremos primeiro, entre todas as mulheres, “antes do tempo” como afirma a médica integrante da RedeSaúde, Fátima Oliveira. O homem negro morrerá antes de todos e todas, assassinado.

Neste ano de 2001 não houve quem não tivesse sido confrontado com as estatísticas sobre as mazelas produzidas pelo racismo. Quem agora pode dizer que não sabia? Pois até a rede de TV de maior audiência colocou em rede nacional, em seu horário nobre. Isto sem falar das rádios, jornais, internet e tv a cabo. Mas ainda não foi desta vez que se pode enfrentar um dado que, para nós, mulheres e homens negros, é óbvio. E o óbvio diz que o racismo não é só um problemas dos afro-descendentes. Ou ainda dos povos indígenas, ou do povo Rom (cigano), ou dos judeus... É um problema de todos. Da sociedade. É problema seu, independente de que lado deste balcão perverso você está. Se do lado dos que acumularam – em dinheiro, estudos, empregos, salários, auto-estima, etc, etc - ou daqueles que se tentou fazer com que perdessem tudo. Do lado dos que enfrentam o problema, buscando exercer, para além da solidariedade, uma ação política que busca a transformação. Ou do lado dos que silenciam. O racismo produz um muro maior que o de Berlin (com suas implicações ideológicas) e este muro ainda não foi derrubado.

O Dia internacional de Luta contra a Discriminação Racial – 21 de março, neste primeiro ano de milênio tem sido uma ocasião privilegiada para refletir sobre a efetividade das ações que segmentos da sociedade vêm desenvolvendo. Este também é o ano da III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas a ser realizada na África do Sul. No Brasil, iniciativas vem sendo desenvolvidas tanto pela sociedade civil, como pelo Estado. Entre as mulheres, assinalamos a criação da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras para a III Conferência Mundial. Esta Articulação tem como uma de suas principais finalidades atuar, a partir da experiência e conteúdos acumulados pelas mulheres negras nas últimas décadas, possibilitar o protagonismo na defesa dos interesses das mulheres negras. Dois encontros nacionais já realizados, negociações com órgãos governamentais, capacitação, publicações, como também participação ativa em todo o processo da III Conferência Mundial são as atividades em desenvolvimento. E esta ação tem repercutido em vários níveis, como traduz a fala da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Mary Robinson e lembrada por Sueli Carneiro em artigo no Correio Brasiliense, após a Conferência das Américas em Santiago, preparatória para a Conferência Mundial: “as mulheres negras fizeram a diferença.”

E, como Sueli Carneiro, eu aqui me pergunto qual a contribuição do Movimento Feminista, das ONGs de mulheres espalhadas por todo o país, neste processo? Algumas iniciativas tem sido produzidas e cabe destacar a ação da Articulação de Mulheres Brasileiras - AMB através de sua secretaria executiva e da Rede Saúde, na publicação de seu mais recente boletim. Também há pesquisadoras e ativistas trabalhando conosco. Mas, como as desigualdades que o racismo produz em todos os campos – e entre mulheres – é enorme, todo esforço isolado será insuficiente. Temos que trabalhar todas e todos, cada qual na sua competência e/ ou afinidade. O que quer dizer que queremos mais. Precisamos de mais. Nós, mulheres negras estamos fazendo a nossa parte.


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