Lúcia Avelar
Professora de Ciência Política na Universidade de Brasília

Em matéria publicada pelo jornal francês Le Monde, em 20 de janeiro de 2.000, o articulista Jean-Claude Buhrer nos brinda com dados sobre a representação da mulher na política em todo o mundo, a partir de estatísticas publicadas pela União Interparlamentar (UIP), em Genebra, quando se reunia o Conselho Econômico das Nações Unidas para a Europa. Importante esclarecer que este conselho da ONU cuida de avaliar se os compromissos firmados em Pequim, por ocasião da Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995, realmente estão sendo cumpridos.

Os números nos oferecem a oportunidade para pensar nas conquistas políticas das mulheres nos parlamentos do mundo e assim nos ajudam a refletir sobre nossas próprias conquistas. Dos 178 parlamentos existentes hoje, a proporção média de deputadas é de 13,2% e as senadoras 10,9%. Das 243 Casas Legislativas existentes, 24 são presididas por mulheres, número este que é o mesmo de 1995. Disparados na frente estão os países nórdicos, cuja proporção de mulheres parlamentares é de 38,9%. A Europa em seu conjunto tem 15,5%, Ásia com 14,9% e as Américas 14,7%. Se os países nórdicos forem excluídos destas médias, a Europa fica em quarto lugar, atrás dos países do Oceano Pacífico (12,2%), da África (10,9%) e dos estados árabes que vêm por último. Se o critério para o cálculo das estatísticas for o de países e não de blocos, a Suécia está disparada em primeiro lugar, com 42,7% de mulheres no Parlamento, seguida pela Dinamarca (37,4%) Acima de 20% estão a Suíça e os países comunistas como Cuba, Vietnã, China, Laos e Coréia do Norte.

Uma observação citada pelo articulista é de Christine Pintat, sub-secretária geral da União Inter-Parlamentar. Diz ela: "quando a competição é mais livre, as mulheres encontram mais dificuldades para chegar ao topo". Ou seja, em regime de competição, os segmentos secularmente destituídos de poder necessitam de organização política, no melhor estilo do que ocorreu, por exemplo, com a classe trabalhadora, no século XX.

Em cargos executivos é menor ainda a presença de mulheres: são seis as mulheres chefes de Estado: Guiana, Irlanda, Letônia, Panamá, San Marino e Sri Lanka. A média de mulheres em cargos executivos é de 11,78% e 48 países não têm nenhuma mulher Ministra nem Secretária de Estado. A conclusão do relatório: " os preconceitos e estereótipos tradicionais a respeito dos supostos papéis dos homens e mulheres permanecem intensos por todo o planeta".

Temos difundido em inúmeros trabalhos a proporção da representação política feminina no Brasil. Os dados são muito próximos dos apresentados no relatório da União Inter-Parlamentar. Na política como um todo, a avaliação é a de que somos 13,1% considerando-se cargos legislativos e executivos. Nos legislativos, as mulheres brasileiras avançaram mais; nas assembléias legislativas dos estados em torno de 10% e na Câmara Federal em torno de 6%. Nos executivos municipais, as prefeitas são em torno de 5% e nos executivos estaduais, com exceção de Roseana Sarney, são inexistentes. Nos primeiros escalões da burocracia pública estatal, no judiciário, as mulheres vão ascendendo paulatinamente.

São várias as considerações a serem feitas diante destes dados. A primeira é que, apesar de tudo, o quadro mudou. Na década de 50, para o Brasil, a presença da mulher na política era inexistente. Segundo, a força dos papéis tradicionais ligados ao sexo, cedeu um pouco, mas não o suficiente para que se configurasse uma revolução no plano dos valores que estruturam a família, a sociedade, a política. Quem cria os filhos, na maioria das famílias de todo o mundo, são as mulheres. Se as creches públicas dos países comunistas, levaram à maior presença da mulher na política, como vimos nos dados, mesmo assim, elas ainda são uma grande minoria. Onde houve mudança expressiva? Nos países nórdicos nos quais a estrutura familiar é de muito maior igualdade, tanto no plano familiar quanto no do trabalho. O resultado é o maior interesse da mulher pela política.

Estas considerações apenas nos instigam a aprofundar o nosso conhecimento sobre a multiplicidade de fatores que impedem a maior atividade política das mulheres. Consideremos um destes aspectos. A discriminação salarial entre os sexos continua sendo uma norma. Sabemos que enquanto as mulheres não se fizerem representar em sindicatos, associações, parlamentos, de modo a mudar as leis discriminatórias, a situação continuará a mesma. No Canadá, após três gerações de leis em matéria de igualdade de salários "para trabalhos de valor igual, salários iguais", com as mulheres representadas maciçamente na Federação dos Trabalhadores, é que ocorreu uma vitória judicial sem precedentes. Os ajustes salariais que terão de ser feitos irão penalizar as empresas pela conquista das mulheres, mas, sem sombra de dúvida, com resultados que significam real aumento pessoal da renda das mulheres. Uma enorme conquista social. Levo à consideração das leitoras estes dados para que se manifestem quanto às mudanças que temos de fazer de agora em diante.


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