Tatiana Lionço
Doutora em Psicologia, docente de graduação e mestrado em Psicologia no UniCEUB. Ativista feminista e membro da Cia Revolucionária Triângulo Rosa

A eleição do Deputado Federal Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados revelou ao Brasil a urgência do debate amplo e coletivo sobre laicidade do Estado. O poder de pautar projetos de lei relacionados aos direitos humanos e sociais de minorias e de grupos vulneráveis à exclusão social e à precarização da vida passou às mãos de um parlamentar que, explicitamente, enuncia discursos de opressão moral envolvendo pessoas de cor negra e suas práticas tradicionais, bem como as mulheres e as pessoas homossexuais.

Exemplos de retrocessos decorrentes deste cenário político são a escolha pelas pautas de criminalização do que conservadores chamam de heterofobia e a proposta de interferência, via poder legislativo, na normativa do Conselho Federal de Psicologia que veta a patologização e cura das homossexualidades. Estas pautas estão na contramão do processo de democratização, visam o retrocesso de normas conquistadas para a superação de opressões e recrudescem a ordem moral hegemônica. Desconsideram o necessário reconhecimento da diversidade social no intuito de reificar a ordem patriarcal heteronormativa.

A laicidade do Estado já vinha sendo ressaltada por ativistas feministas nos últimos anos, sobretudo relacionada à descriminalização do aborto. No atual cenário, a laicidade passou a integrar a agenda de outros coletivos de mobilização de modo incisivo, como o movimento negro e dos povos de santo, LGBT e movimento estudantil. Esta diversidade de coletivos de mobilização se expressa na heterogeneidade dos participantes dos manifestos que ocorreram semanalmente em Brasília, bem como naqueles ocorridos em diferentes cidades do país e internacionalmente. A questão indígena e da posse e usufruto da terra também integra as preocupações e debates destes coletivos na defesa da laicidade.

O princípio da laicidade é fundamental por se articular à liberdade de consciência e de expressão. Sabemos que a liberdade de expressão é o principal argumento do ativismo “pro-família”. Alegam os conservadores de extrema direita e os fundamentalistas religiosos de base neopentecostal que teriam o direito de expressarem seus valores depreciativos sobre aquelas pessoas que não reiteram os preceitos da moralidade patriarcal. A desqualificação moral e a associação dos diversos movimentos sociais à criminalidade têm sido os principais argumentos adotados por este movimento que se anuncia em defesa da vida e da família, apesar de que soa estridente aos nossos ouvidos o reducionismo de sua compreensão sobre a diversidade dos modos de vida e de laços familiares e sociais que de fato se constituem na sociedade brasileira.

Adotando estratégias discursivas bastante antagônicas às campanhas difamatórias que vêm sendo protagonizadas por parlamentares como Marco Feliciano e Jair Bolsonaro, os coletivos que reivindicam respeito à laicidade têm proposto campanhas de sensibilização pública para a diversidade social e moral, enunciadas em nossa Constituição Federal como valor a ser defendido e protegido pelo Estado. Exemplos desta reação coletiva são as campanhas de beijos para Feliciano nas redes sociais. De beijocas em Laerte Coutinho a beijos multicoloridos entre diferentes tons de pele e em múltiplos arranjos entre os sexos, a resposta laica é a da diversidade diante da clara intenção de imposição autoritária de um moralismo abusivo.

Nós, ativistas feministas, defensora/es de direitos humanos, parlamentares de esquerda que assumem as pautas de direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos e acadêmica/os laica/os estamos sofrendo difamações e calúnias em campanhas de ódio na internet. Nossa resposta a esta opressão moral e violência simbólica tem sido o debate contínuo, o exercício de nossa própria liberdade de consciência e de expressão, e a articulação entre diferentes coletivos em uma luta comum na construção de discursos e estratégias de reação jurídica que questionam, frontalmente, a desqualificação moral, uma estratégia discursiva ilegítima no processo democrático.


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