O dia 3 de outubro se aproxima. O voto consciente se faz necessário. Por esse motivo o jornal Fêmea perguntou a três mulheres com diferentes e importantes atuações na sociedade brasileira sobre o lugar da política na vida das mulheres, e como transformar o cotidiano das mulheres para melhor. As perguntas foram respondidas por Taciana Gouveia, educadora feminista do SOS CORPO - Instituto Feminista para a Democracia; para a jornalista e colunista da Folha de São Paulo, Eliane Cantanhêde e para a candidata à deputada distrital, Rejane Pitanga.

Fêmea - Como a política pode mudar a vida das mulheres?

Taciana Gouveia - Em época de eleições as questões políticas parecem que emergem de um lugar onde estavam guardadas por quatro anos. Para a maioria da nossa sociedade a política parece se restringir ao ato de escolher ess@ ou aquel@ canditat@; como se o que importasse fossem as disputas entre pessoas que são mais ou menos preparadas do que mesmo uma disputa entre projetos partidários. Um modo ideológico de negar ou esconder, que a política é na verdade a criação e a disputa de projetos de sociedade. Compreendo, assim, a política como sendo as nossas ações que se conjugam em todos os tempos: passado, presente e futuro; ou seja no nosso dia-a-dia. Além disso, a política são as ações feitas pelos múltiplos sujeitos, não apenas candidat@s, ou governantes ou lesgilador@s. As ações de movimentos sociais e de outros sujeitos coletivos são fundamentais e têm cotidianamente mudado a sociedade brasileira.

No caso das mulheres a ação política do feminismo e dos movimentos de mulheres têm alterado profundamente as nossas vidas, a começar exatamente pela colocação das mulheres e seus movimentos como uma questão pública e política. O feminismo é um projeto político de sociedade, projeta outro futuro para as nossas vidas. Este é o elemento fundamental que não pode ser ocultado, disfarçado ou minimizado em períodos eleitorais. A política que muda a vida das mulheres é a política feminista, construída desde sempre em confronto direito e explícito a todas as formas de dominação, opressão e exploração de gênero, classe, raça e orientação sexual. É uma política de esquerda no sentido mais completo dessa palavra.

E se essa política é feita por nós cotidianamente em todas as lutas que travamos por igualdade e liberdade para as mulheres, para que elas sejam sempre os sujeitos da suas vidas, dos seus corpos, dos seus desejos e da história não podemos aceitar que nas eleições estas questões pelas quais lutamos sejam silenciadas e invisibilizadas.

É preciso que retomemos o sentido forte de um dos slogans de maio de 68: “sejamos rea­listas, exijamos o impossível”, porque o que aparenta ser uma impossibilidade é na ­verdade a utopia que faz com que a nossa luta se enraíze e se expanda por todas as dimensões temporais. Afinal, o movimento de mulheres tornou possível e cotidiano o que há 50 anos era visto como sendo loucuras de mulheres rebeldes. O feminismo é a prova concreta que a política muda a vida das mulheres.

E assim penso que nessas eleições devemos fazer escolhas políticas que afirmem, confirmem e ampliem o sentido e a força do projeto feminista de sociedade. Pensar assim muda vidas, as nossas e de tod@s que desejam viver em sociedades justas, igualitárias, democráticas e livres.

Fêmea - A partir de sua atuação, como os movimentos sociais podem contribuir para que essas mudanças ocorram?

Taciana Gouveia - Em certo sentido, os movimentos sociais que lutam pela construção de uma sociedade com igualdade, justiça e sem nenhuma forma de opressão ou exploração já contribuem para estas mudanças com suas ações e existências. Contudo, é necessário que os movimentos sociais que têm a perspectiva da transformação e da emancipação fortaleçam suas alianças com os movimentos de mulheres, com o projeto feminista de sociedade. Além disso, creio que os movimentos sociais, incluindo aqui o próprio feminismo, devem tomar os processos eleitorais como um momento importante para reafirmar suas lutas emancipatórias e tensionar o debate político eleitoral neste sentido. Lutamos muito para que o Brasil pudesse ter uma sociedade democrática, essa conquista foi nossa e não podemos permitir que aquel@s que se colocam como candidat@s a nos representar falem por nós, digam- nos o que devemos pensar, projetar, desejar, lutar. Essa é uma inversão perversa do sentido da democracia. Representar não é nos roubar a voz, mas sim amplificar as nossas vozes, abrir espaços, criar condições para que muitas e muitos possam expressar o seu pensamento e o seu projeto. Diminuir o tom das nossas vozes ou pior ainda, silenciar nos momentos de eleição, é entrar na farsa de que a política é apenas a gestão bem feita de uma sociedade, negando assim o sentido das nossas lutas, da nossa existência.

Fêmea - Como a política pode mudar a vida das mulheres?

Eliane Cantanhêde - A política é que move o mundo. Logo, move também o mundo das mulheres. Quando se fala em eleição, todo mundo pensa automaticamente em eleição presidencial. Quem será o próximo presidente ou a próxima presidenta? Mas o que está em jogo vai muito além disso. O Senado, a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas são decisivos para mudar a vida das pessoas e a vida das mulheres, em particular. É o Poder Legislativo que elabora ou analisa os projetos de lei, medidas provisórias de iniciativa do Executivo. É, também, quem coordena o debate nacional em todas as áreas e, portanto, também do interesse diretamente feminino. E é, por fim, quem vota, quem transforma intenções em realidades. Uma boa bancada certamente fará um bom trabalho. Uma bancada de picaretas fatalmente resultará num desastre.

Fêmea - A partir da sua atuação, como a mídia pode contribuir para que essas mudanças ocorram?

Eliane Cantanhêde - Nós, mulheres, já somos hoje perto de 50% das redações e talvez já sejamos maioria em algumas áreas delicadas, como a Política. A própria editora de Política (seção Poder) da “Folha de S. Paulo” é uma mulher. Mas essa nossa entrada significativa no jornalismo não tem correspondido a um maior espaço, a uma maior atenção a temas vinculados às questões de gênero. Até porque um dos problemas da imprensa é que tem uma concorrência cada vez mais acirrada de outros meios e, ao mesmo tempo, espaços muito comprimidos para o universo de temas da atualidade.

O ideal é que, em vez de concentrar as energias na eleição presidencial e apenas amplificar a troca de picuinhas entre os candidatos, a imprensa ampliasse o seu ângulo de visão para as candidaturas aos legislativos e se concentrasse mais em questões públicas. Mas, para isso, é preciso também “combinar com os adversários”. Ou seja: será que interessa aos candidat@s realmente discutir temas espinhosos como aborto? E será que o leitorado (aí confundido com o eleitorado) aprova ou prefere deixar tudo como está?

Fêmea - Como a política pode mudar a vida das mulheres?

Rejane Pitanga - Há quase um século as mulheres brasileiras sequer podiam votar. O direito ao voto, considerado um dos maiores avanços da cidadania feminina chegou ao Brasil somente em 1932, dando início a uma incansável luta das mulheres pela igualdade de direito e pela participação nos pleitos eleitorais. A implementação de políticas públicas e a atuação dos movimentos feministas promoveram mudanças históricas na condição socioeconômica das mulheres no cenário mundial do século XX, em especial nas últimas décadas.

Apesar disso, percebo que existe uma letargia em relação aos avanços em direção aos direitos políticos das mulheres, sobretudo porque ainda é muito pequena a representatividade das mulheres nos espaços de poder, principalmente no Poder Legislativo.

O fato de termos duas mulheres candidatas à presidência, protagoniza um marco histórico na luta das mulheres. Assim, considero que a política muda a vida das mulheres quando ela traduz uma verdade que durante muitos séculos foi distorcida e ocultada. Por isso, é importante abrir espaços e dar visibilidade à atuação das mulheres, mostrando para a sociedade que, com competência, coragem e responsabilidade podemos exercer o poder em todas as esferas, inclusive o mais alto cargo que é o de governar o Brasil.

Fêmea - A partir da sua atuação, como os partidos políticos podem contribuir para que essas mudanças ocorram?

Rejane Pitanga - Os partidos políticos podem contribuir qualificando as mulheres para fazerem o debate necessário - dentro das instâncias partidárias e dentro dos movimentos sociais que são os legítimos espaços - para promover discussões em torno dos interesses da sociedade, inclusive, sobre a garantia dos direitos das mulheres em viver sem sofrer qualquer tipo de violência de gênero e discriminação.

É importante investir na formação de novas lideranças femininas para que, no futuro, tenhamos uma representação no Poder Legislativo com o mesmo percentual que somos na sociedade hoje, ou seja, mais de 50% da população. A Lei das Cotas prevê que cada partido ou coligação tenha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A maioria dos partidos prefere interpretar isso, com algumas exceções, como a obrigatoriedade de ter 30% de mulheres. Este ano, no Distrito Federal, lamentavelmente, nem mesmo esse percentual foi atingido pela maioria dos partidos, principalmente pela falta de uma política voltada para o financiamento das campanhas das mulheres.

Duas questões que quero promover se for eleita é a criação, no âmbito do mandato, de um fórum feminista permanente de discussões sobre os direitos das mulheres; e a realização de um amplo debate, de forma orgânica, no Partido dos Trabalhadores, sobre como mudar a prática excludente dos partidos políticos e sobre como este fato pode provocar um retrocesso na participação feminina na democracia brasileira.


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