Este ano foi bastante agitado para os movimentos sociais que defendem os direitos humanos. Especialmente para os de mulheres e feministas, 2004 foi de luta. Ganhou a democracia, porque nossa participação fortalece e radicaliza valores que lhes são fundamentais: liberdade, igualdade e solidariedade.

Sabendo, há muito tempo, que esta estória de esperar o bolo crescer para depois repartir é pura balela, e que o recente e propalado espetáculo do crescimento é altamente venenoso, o feminismo foi atrás dos antídotos. Porém, muito mais do que combater efeitos nocivos ou reivindicar uma fatia do bolo, fomos além, aportando nossos conhecimentos para a elaboração de alternativas, participando do preparo e dando o gosto.

Atuamos na luta contra os fundamentalismos, na crítica ao projeto de desenvolvimento em curso e nos esforços para democratizar o Estado. O empenho dos movimentos de mulheres e feminista esteve sustentado na convicção de que temos, assim como outros movimentos sociais, a possibilidade para radicalizar a democracia.

Nossa presença ativa e propositiva foi uma constante, tanto no âmbito local como nacional, seja nos conselhos de controle social, nos espaços de consulta promovidos pelos poderes Executivo e Legislativo, assim como nas conferências setoriais - especialmente as de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres. Aliás, é bom que se diga que emerge deste processo de participação social uma das boas notícias do fim de ano: o governo se compromete a criar, em 2005, uma comissão tripartite - Poder Executivo, Poder Legislativo e sociedade civil - para rever a legislação punitiva sobre o aborto. A medida contemplada no Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres responde a uma das resoluções da Conferência.

Durante o ano de 2004, buscamos adentrar, ampliar e politizar os espaços de elaboração de direitos, de definição e avaliação de políticas públicas, de construção e execução do orçamento federal a partir da perspectiva de gênero e étnico-racial. Espaços estes que, até então, eram quase exclusivos d@s parlamentares e da burocracia estatal. O objetivo era incidir sobre a definição da agenda pública, orientando-a pela justiça social para superar as desigualdades e a pobreza, e garantir autonomia às mulheres.

Tal empenho político firmou-se na convicção de que participação social poderia reconfigurar a arena política e estabelecer novos parâmetros para a definição de direitos, políticas e gastos públicos. Tudo isso tendo em vista a redistribuição eqüitativa da riqueza e a afirmação da cidadania de todas e cada uma das mulheres no Brasil.

No governo federal, buscou-se a receptividade aos novos consensos sociais que emergiram desses espaços de participação por ele próprio abertos, a partir das demandas da sociedade civil organizada. A resposta governamental, algumas vezes correspondeu a esta demanda, mas várias vezes frustrou expectativas e, em diferentes momentos descumpriu acordos.

Mas nem só nos espaços da democracia representativa estiveram as mulheres. Afinal, 2004 foi um ano eleitoral. Como candidatas ou como eleitoras, as mulheres exerceram ativamente sua cidadania. Os resultados eleitorais, contudo, tornaram evidente a iniqüidade da disputa. A sub-representação feminina no conjunto de prefeitos e vereadores eleitos não deixa dúvidas quanto à urgência da reforma política.

Há mecanismos muito eficientes na legislação eleitoral e na forma como cada um dos partidos se organiza para excluir as mulheres e outros segmentos discriminados da população. A quota ilegal de poder masculino, sempre girando em torno dos 90%, é mantida por vários mecanismos legais, entre os quais destacamos as regras de financiamento de campanha e de propaganda eleitoral atualmente vigentes.

Para reinventar a política, os movimentos feminista e de mulheres investiram muito esforço no fortalecimento do próprio movimento. Desenvolvendo campanhas, consolidando suas articulações, concretizando plataformas políticas e estabelecendo relações com outros movimentos sociais, na busca de alternativas para construir a possibilidade de um outro mundo.

Compreendemos que o processo democrático não é linear nem progressivo, mas que é na capacidade de transformação social e de autotransformação dos sujeitos políticos que se geram as alternativas. Apresentamos a última edição do ano de 2004 do jornal Fêmea, certas de que nas lutas que travamos durante este ano crescemos como pessoas, como coletivos e como movimento.

Missão cumprida, 2005 que nos aguarde! Feliz ano novo, para todas e todos.


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