Há quem queira a Reforma da Previdência para abrir o "mercado nacional" aos fundos de capitalização, através da criação de um sistema de aposentadoria complementar. Há quem queira a Reforma para transformá-la num sistema de seguro social, onde só quem tem recurso para se "segurar" pode participar. Ainda há @s que a querem para "zerar" o suposto déficit.

Há muitas reformas em jogo, em disputa. Os movimentos feministas e de mulheres, que sempre lutaram contra a exclusão e a discriminação da população feminina também têm uma proposta de Reforma. Dentre as suas reivindicações, há princípios considerados essenciais. São eles:

  • retomada e ampliação do conceito de Previdência Social inserido no marco da Seguridade Social, nos termos da Constituição de 1988, inclusive e especialmente do ponto de vista das fontes de financiamento; (veja matéria na p. 8)
  • reconhecimento das diferenças e denúncias das desigualdades sociais originárias do mercado de trabalho e reproduzidas pelo sistema de Previdência Social, de modo a corrigi-las. O respeito às diferenças e o combate às desigualdades dá conseqüência ao caráter redistributivo da Seguridade Social, conforme previsto na Constituição de 1988;
  • manutenção do caráter público do sistema de Seguridade Social; e
  • ampliação da cobertura do sistema, beneficiando cidadãos e cidadãs que, atualmente, estão excluídos da Previdência, como é o caso d@s trabalhador@s do setor informal.

Todas as propostas de Reforma, em disputa atualmente, baseiam-se em projetos para a sociedade e em visões particulares do papel do Estado. Para as mulheres, lutar por uma Previdência pública que contribua, efetivamente, para erradicar as desigualdades sociais, respeitando as diferenças existentes e que inclua boa parte d@s que hoje estão fora do sistema, é definir o Estado brasileiro como promotor da justiça social em busca de uma sociedade solidária.

Entretanto, para se alcançar este objetivo, alguns obstáculos devem ser superados, a começar pela situação da mulher no mundo do trabalho. A discriminação de gênero, existente no espaço profissional, reflete-se no sistema da Previdência Social.

Desde a década de 1960, a participação da mulher no mercado de trabalho brasileiro vem aumentando de forma significativa. De acordo com o IBGE, a taxa de atividade feminina, que era de 16,6% em 1960, passou para 45,9% em 1996. Na última década, foi a presença da mulher na força de trabalho que conseguiu preservar a renda de muitas famílias pertencentes às classes média e baixa do país.

Porém, segundo dados do IBGE/PNAD, atualmente a taxa de desemprego feminino é cinco pontos percentuais mais elevada que a encontrada entre os homens. Uma análise das taxas de ocupação entre homens e mulheres, acima de 65 anos de idade, demonstra que, à medida que não encontram ocupação, mulheres e homens idos@s retiram-se do mercado de trabalho formal e diminuem suas oportunidades de complementar seu histórico contributivo na Previdência Social.

Taxa de atividade acima de 65 anos
Homens Mulheres
23,6% 6,3%

Taxa de contribuição para a Previdência acima de 65 anos
Homens Mulheres
33,7% 19,4%

Fonte: IBGE/PNAD (1999)

A maior parte da mão-de-obra feminina está ocupada no mercado informal ou em empregos precários. Sabe-se que, na década de 1990, se aprofundou o processo de flexibilização das relações trabalhistas iniciado nos anos 80, resultando em aumento da informalidade e em precariedade das relações entre capital e trabalho.

Segundo dados do DIEESE, na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED/2002), realizada em seis regiões metropolitanas brasileiras, nas formas de contratação informal, que oferecem muito menos garantia aos/às trabalhador@s, a proporção de mulheres em postos de trabalho vulneráveis chega a exceder quatorze pontos percentuais às respectivas proporções registradas entre os homens. As maiores diferenças, em ambos os sexos, são verificadas para as regiões de Recife e Salvador.

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, em 1999, 67% das mulheres empregadas no setor formal da economia estavam concentradas em apenas oito tipos de ocupações:

  • professoras;
  • funcionárias públicas;
  • empregadas em funções administrativas;
  • vendedoras;
  • cozinheiras;
  • empregadas em conservação e limpeza de edifícios;
  • empregadas em serviços pessoais e de enfermagem; e
  • costureiras.

Com exceção das professoras do ensino secundário, as demais ocupações têm participação inferior a 50% no estrato de renda de cinco ou mais salários mínimos, mostrando que a concentração feminina ocorre em atividades de baixas remunerações.

A discriminação no exercício das ocupações é um dos fatores que explicam a desigualdade nos rendimentos entre homens e mulheres. Em relação às ocupações mais bem remuneradas, incluindo os postos de chefia e gerência, a participação feminina continua reduzida em relação à masculina. Ainda de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, a presença das mulheres corresponde a pouco mais de 20% nos postos de gerência.

Participação feminina na ocupação
Gerente financeiro Gerente administrativo
22,7% 24,7%

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego Rais (1999)

As diferenças de gênero, no mundo do trabalho, também são detectadas no que se refere à população sem rendimentos. Quase 20% da população feminina ocupada não recebe rendimento pelo trabalho que realiza. Na população masculina que se encontra nesta mesma condição, o percentual não chega à metade (9,56%).

Previdência Social

A inserção da mulher no mercado de trabalho afeta diretamente a participação feminina na Previdência Social. Conforme as condições profissionais, a participação feminina tem características mais precárias em comparação a dos trabalhadores homens.

As mulheres têm uma remuneração menor do que os homens pelo mesmo trabalho, o que acarreta o recolhimento de uma contribuição também menor para a Previdência Social, repercutindo diretamente sobre o valor da aposentadoria.

No Brasil, apesar das mulheres serem mais contempladas por benefícios da Previdência Social do que os homens, existem alguns benefícios tipicamente masculinos e outros femininos. O programa predominantemente masculino é o das Aposentadorias por Tempo de Contribuição (ATC). Esta forma de aposentadoria exige a comprovação do tempo de serviço ininterrupto, o que é mais fácil para os homens, já as mulheres recorrem menos às ATCs, visto que suas carreiras profissionais possuem um caráter intermitente. Devido aos compromissos com a maternidade e com a família, muitas profissionais interrompem suas carreiras temporariamente, ao longo dos anos.

Aposentadorias por Tempo de Contribuição
Na média do triênio 1998-2000, quase 3/4 (73,3%)
dos novos benefícios foram concedidos aos homens

Fonte: MPAS

A Aposentadoria por Idade é um programa mais utilizado pelas mulheres. Quanto à remuneração, na área urbana os valores das aposentadorias femininas são quase 50% menores que os dos homens.

Entre @s 6,4 milhões de contribuintes individuais, a presença da contribuinte feminina mostra-se majoritária em ocupações mais precárias como, por exemplo, as empregadas domésticas. Nesse universo, as desigualdades profissionais entre os sexos são percebidas não apenas no número de contribuições realizadas ao longo de um ano, mas, também, no valor médio das contribuições efetuadas, em que os homens declaram rendimentos em média 32% superiores aos das mulheres. Desses fatos, resultará futuramente um salário de benefício menor à contribuinte individual do sexo feminino.

Contribuintes ao INSS por Gênero e Rendimento
Faixas de valor
(salário mínimo)
Masculino Feminino
Até 1 58,2% 38,6%
Acima de 40 85,1% 14,1%

Fonte: Rais e MPAS (2000)

Tal realidade chega a ser uma ironia já que, se a arrecadação aumentou nos últimos anos, foi porque as mulheres passaram a contribuir para o sistema previdenciário. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, em 2000 havia 27,3 milhões de pessoas contribuindo com a Previdência Social. Desse contingente, quase 2/3 (64,8%) correspondendo a 17,7 milhões, eram contribuintes do sexo masculino, enquanto as contribuintes já representavam um pouco mais que 1/3 (33,6%), o equivalente a 9,2 milhões de pessoas.

Pelos dados aqui apresentados, percebe-se que a inserção crescente da mulher no mundo do trabalho, ao longo das últimas cinco décadas, não foi acompanhada da superação das diferenças em relação ao dia-a-dia profissional. A Reforma que queremos, com certeza, terá de enfrentar o desafio de contribuir para a eliminação das desigualdades de gênero, que são trazidas do mercado de trabalho para a inserção das mulheres no regime de Previdência Social hoje existente.

(A maioria dos dados aqui apresentados foi extraída do estudo "Proteção Social, Aposentadorias, Pensões e Gênero no Brasil", de Enid Rocha e Helmut Shwarzer produzido em dezembro/2002)


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