A velocidade que o (des)governo de Michel Temer vem impondo para desmontar as políticas públicas e os direitos de cidadania do povo brasileiro é impressionante. A realidade nos obriga a seguir denunciando as chamadas reformas de estado ou, como os movimentos sociais vêm denunciando, as contrarreformas estruturais sobre nossos direitos. A Emenda Constitucional 29 de 2016 – antiga PEC da morte ou do congelamento dos gastos públicos – serviu de porteira para o desmonte das políticas públicas.


O que significará para uma nação de 200 milhões de pessoas o baixo investimento em Saúde e Educação? Ou ainda, o fim do regime especial de segurado rural, que permite a sobrevivência e sustância de nossa agricultura familiar, responsável pela produção da maior parte dos alimentos consumidos por essa nação? A imposição de regras de aumento de idade com aumento do tempo de contribuição impedindo o direito ao descanso após uma jornadas de décadas de trabalho? Ou a desproteção dos direitos de trabalho, acabando com a obrigação da carteira de trabalho assinada e redução da multa para empresas com gente trabalhando de forma clandestina, sem registro em contrato ou carteira e ampliação da jornada de trabalho?


Significa lavar as mãos da responsabilidade de cuidar do povo para seguir transferindo riqueza para os de sempre: banqueiros, ruralistas, grandes corporações internacionais, os próprios políticos e os fundamentalismos religiosos, representados nas doutrinas de mercantilização da fé.


Um bom exemplo disso é o perdão de uma dívida de R$ 25 bilhões de impostos provenientes de uma operação financeira do Itaú. No início deste mês, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) livrou o banco de pagar aos cofres públicos Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CLSS), essa última uma das fontes da seguridade social. Enquanto isso, a única opção para trabalhadores e trabalhadoras é contribuir mais tempo para se aposentar em um cenário de aprofundamento da precarização das relações de trabalho.


No bojo disso tudo, os parlamentares federais ainda se propõem a fazer uma “reforma política”. Mais uma vez, todas as peças do tabuleiro da manutenção de privilégios se mantêm. Não interessa a quem está usurpando as cadeiras do voto popular alterar em profundidade as regras do jogo. De que adianta financiamento público quando se permite a doação individual de empresários que continuarão influenciando as decisões da elite política? Ou ainda como não se incomodar com o fato de que a maioria da população brasileira – mulheres e povo negro – sequer fazem parte do jogo da política?


Em recente entrevista ao jornal francês, Le Figaro, a teórica da política contemporânea Chantal Mouffe alerta para o fato de que a democracia hoje vive um vazio, por ter sido apartada da soberania popular. Isso a faz entrar em descompasso com o neoliberalismo, que pretende estabelecer a soberania do mercado e da tecnocracia.


Os movimentos “antissistema” (anticapitalista, antipatriarcal, antirracista, a exemplo de muitas lutas feministas no Brasil) rejeitam essa construção de nossa democracia como constituída. Para nós e para Mouffe, a democracia deve demonstrar a oportunidade de escolha entre diferentes projetos: “se não há diferença fundamental entre os programas apresentados pelos partidos de centro-direita e os de centro-esquerda, há de fato um voto, mas sem voz, porque não há possibilidade de escolha”.


A um dia do chamado de greve geral, nós feministas antissistêmicas do CFEMEA nos somamos às resistências frente às propostas de redução de direitos e ampliação do poder de uma elite patriarcal, escravocrata! Nos somamos às críticas dos movimentos de mulheres negras que denunciam os poderes instituídos que sempre desconsideraram a existência do povo negro que construiu e segue construindo esse nosso Brasil, com os piores trabalhos, precarizados, sem possibilidades de sequer contribuir para a previdência social e que segue sendo exterminada pela polícia militar assassina e, agora com o Golpe, ainda mais autorizada a seguir matando impunimente nossa juventude.


No dia nacional das trabalhadoras domésticas – 27 de abril – denunciamos o descaso do poder público mais uma vez com o tempo de trabalho das mulheres. A ausência de políticas relacionadas à reprodução social (cuidado com a manutenção das casas, da alimentação e da vida das crianças, idos@s e pessoas enfermas) faz do trabalho doméstico remunerado (e o não remunerado) essencial para a organização da vida produtiva. Essa atividade remunerada congrega o maior contingente de trabalho das mulheres negras e segue sendo vista e tratada como uma relação servil de nossa herança patriarcal e escravocrata.


Seguimos denunciando as mazelas que impossibilitam a autonomia das mulheres para seus projetos de vida que têm seus direitos sexuais e reprodutivos negados pelo poder patriarcal, cujos representantes nos estupram, nos violam, nos engravidam e ainda nos impedem de escolher o que fazer com nossas vidas. Não há democracia plena com possibilidades reais de escolha se são silenciadas as vozes das mulheres, do povo negro, da juventude, dos povos indígenas – que, reunidos em Brasília, na Esplanada, para protestar contra os ataques aos seus modos de vida seguem sendo exterminados em prol dos grandes fazendeiros e dos projetos desenvolvimentistas desde o Brasil colonial até hoje.


Dando seguimento à onda de paralisação que as mulheres no mundo todo realizaram no último e histórico 8 de março, vamos reagir à ofensiva conservadora sobre nossos corpos, nossas vidas e nossos direitos. Saiamos às ruas!


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