Citação inédita passou a ser adotada a partir de 2004. Redução dos espaços de participação social nos ciclos posteriores dificultou aprofundamento das conquistas

Os 12 anos de incidência política pautados no Orçamento Mulher foram guiados pela luta por espaços de participação qualificados, pela defesa do debate democrático em todo o processo de planejamento e orçamento, pela firme atuação nos espaços participativos vigentes, pela defesa dos direitos das mulheres e pelo efetivo exercício do controle social nas fases de monitoramento e avaliação. Essas estratégias de incidência empreendidas tanto junto aos Poderes Executivo e Legislativo, fosse denunciando os retrocessos do governo, fosse articulando ações de resposta junto ao movimento e, ao mesmo tempo, contribuindo com propostas que promovessem avanços concretos na vida das mulheres.

No documento que retoma toda a experiência do CFEMEA no Orçamento Mulher, disponível na página www.cfemea.org.br, há um histórico detalhado sobre os anos de atuação política da instituição nesse tema. Veja abaixo os principais destaques de cada um dos três ciclo orçamentários:

Antes do PPA 2004: igualdade de gênero no futuro governo

O CFEMEA, em parceria com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e o SOS Corpo, apresentou o documento Transversalizar a Perspectiva de Promoção da Igualdade de Gênero no Futuro Governo Lula à equipe de transição entre os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. O objetivo era que a nova equipe se comprometesse a revisar o processo de elaboração das políticas para incorporar as perspectivas de gênero e raça e garantir a participação cidadã.

PPA 2004/2007: incorporado desafio de reduzir desigualdade de gênero

Os movimentos de mulheres, atuando na consulta sobre a elaboração do PPA, conseguiram incorporar o desafio de Promover a redução das desigualdades de gênero no projeto de lei do PPA 2004-2007, enviado ao Congresso Nacional. A análise do Orçamento Mulher ajudou a elucidar as incoerências das estratégias de desenvolvimento e das diretrizes macroeconômicas em relação aos desafios inseridos no PPA. Na perspectiva das mulheres, alguns importantes avanços foram observados nas orientações estratégicas do Plano:

Incorporação das desigualdades manifestadas nas dimensões raciais e de gênero como fatores que aumentam a injustiça e a exclusão social;

Incorporação da garantia da transversalidade de gênero, raça/etnia na formulação e implementação do conjunto das políticas públicas;

Inclusão de diretriz geral nos 3 mega-objetivos definidos no PPA 2004/2007 : “Garantia do recorte transversal de gênero, raça, etnia, geracional, pessoa portadora de necessidade especial e orientação sexual na formulação e implementação de políticas públicas”.

Destaca-se ainda as decisões da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em especial, a definição do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, contendo um capítulo específico sobre o o processo de elaboração do Plano Plurianual (PPA) e do Orçamento da União com a inclusão do recorte de gênero, raça e etnia, e os desafios a serem enfrentados, no que se refere à gestão transversal das ações governamentais, no processo de implementação das políticas públicas.

Apesar da relevância, os avanços não se refletiram, na proporção desejada, em programas e ações. Revelaram, na verdade, uma frágil decisão política do centro de poder do governo, incorporada de forma fragmentada e localizada pelos diferentes ministérios. Dos 374 programas, apenas 20 incorporavam o atendimento à mulher ou a presença de recorte de gênero. Somente quatro apresentavam recorte de gênero e raça, sendo que, destes, um único programa incorporava recorte cruzado gênero/raça.

PPA 2008/2011: Foco de atuação no parlamento

A atuação intensa nos debates preparatórios à II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres não foram suficientes para sintonizar as demandas dos movimentos de mulheres com o cronograma de elaboração do PPA pelo Poder Executivo. A frustração das expectativas de ampliação dos espaços de participação no âmbito do Poder Executivo levou o CFEMEA a dirigir sua atuação especialmente para o Parlamento. A análise do projeto do PPA e a discussão no âmbito da Articulação de Mulheres Brasilerias (AMB) e com organizações do movimento de mulheres negras, levaram a um conjunto de 32 emendas ao projeto de lei do PPA.

Com esse trabalho, o número de programas que mencionava as desigualdades de gênero e/ou raça entre seus objetivos, ou estabeleceram indicadores, metas, produtos ou públicos-alvo (mulheres, negros e indígenas) se elevou de nove para 25 programas no PPA 2008-2011.

Na tramitação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2008, das 26 emendas sugeridas pelo CFEMEA, 12 foram aprovadas na íntegra e outras três parcialmente. Destaca-se a redução do limite mínimo de contrapartida dos municípios, dos estados e do Distrito Federal para as transferências voluntárias da União naquelas ações que visavam à redução das desigualdades de gênero e ao combate à violência contra as mulheres, criando melhores condições para a capilarização das ações.

O monitoramento da execução orçamentária, mais uma vez, repercutiu em uma ação concreta para reversão dos absurdos níveis de contingenciamento a que foram submetidas a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial.

O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, como o primeiro, também tinha um capítulo específico sobre o monitoramento e a gestão do Plano, onde se afirmou o compromisso de garantir recursos que viabilizassem a estratégia de transversalidade, impedindo que se tornasse mera retórica das instâncias político-governamentais, confirmando o descompasso entre os processos de elaboração do PPA e o II PNPM, tentou-se contornar gerando, no próprio PNPM, o rebatimento das ações e prioridades do PNPM com o PPA e o Orçamento, o que deu maior transparência para o controle social sobre os compromissos assumidos nos processos de participação social.

PPA 2012/2015: planejamento perde transparência

O ciclo trouxe novidades que impactaram negativamente o controle social: a redução de programas de 217 para 65; a agregação de despesas; e a desconexão entre o PPA e a lei orçamentária, o que representou o afastamento entre o instrumento de planejamento governamental de médio prazo e a alocação de recursos para sua efetivação a cada ano.

O CFEMEA, a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e outras organizações de mulheres, desde 2011, atuaram no sentido de buscar soluções políticas e alternativas técnicas para superar os problemas das novas metodologias do PPA 2012-2015 e da Lei Orçamentária Annual (LOA) 2013, e de buscar respostas às exigências de participação e controle social sobre o Ciclo Orçamentário.

Por outro lado, uma excelente constatação é a de que o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) 2013-2015 está afinado com o processo de planejamento governamental. Das 103 metas estabelecidas no PNPM, 74% estão presentes no PPA. E entre as que não foram incorporadas, várias têm relação com outras metas estabelecidas no Plano Plurianual e poucos são os casos de ausência de relação.

Essa consonância pode possibilitar o monitoramento, pelos movimentos sociais. Para tanto, contudo, ainda é necessário corrigir as metas do PNPM, posto que muitas não são mensuráveis, mas apenas apontam o sentido que se quer dar, e não onde se pretende chegar.

Ademais, faltam metas e também indicadores, no PNPM 2013-2015, que monitorem o caráter multidimensional das desigualdades vividas pelas mulheres. Ou seja, além do enfrentamento da subordinação de gênero, há que se fazer também o enfrentamento do racismo e da ordem heteronormativa, que impedem as mulheres negras, indígenas, lésbicas, transexuais de acessarem seus direitos.


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