Sangue novo ou mais do mesmo? Simone Tebet é ligada ao agro e contrária a direitos indígenas

 

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 
 
 

Alçada à disputa para a Presidência da República após a desistência do ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB-SP), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) teve sua performance no primeiro debate entre candidatos e candidatas ao Planalto elogiada por comentaristas e analistas.  

Nas redes sociais, além dos memes sobre a promessa de dar R$ 5 mil reais para estudantes que concluírem o ensino médio, ela foi vista como uma espécie de novidade no jogo político.

A ideia de que Tebet é uma cara nova na política é enganosa: a senadora, que já foi deputada federal, prefeita de Três Lagoas (MS) e vice-governadora do Mato Grosso do Sul, faz parte de umas das famílias mais poderosas da política do estado. 

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"É uma mulher forte, sem dúvida, teve uma boa atuação no debate, uma boa atuação na CPI da pandemia, mas isso é o mínimo. Nós estamos tão acostumados com esses políticos que querem declaradamente e falam o tempo todo de nos matar, que quando a gente vê uma política tradicional, chama a atenção", diz Kelli Mafort, integrante da Coordenação Nacional do MST.

Ela repete uma trajetória comum à elite econômica brasileira, totalmente conectada ao agronegócio. O pai da senadora, Ramez Tebet, foi governador do estado, se elegeu deputado estadual e senador, ocupou a liderança do Ministério da Integração no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e também esteve à frente da prefeitura do município de Três Lagoas, em 1975. O mesmo cargo foi ocupado pela filha em 2004. 

A família Tebet é citada no estudo Poder oligárquico, questão agrária e função legislativa no território sul-mato-grossense como uma das três oligarquias mais poderosas do estado.  

Esses grupos, além de deter grandes porções de terra, atuam também na política com intuito de "garantir o fortalecimento do processo de apropriação capitalista da terra engendrado por seus antecessores desde o século retrasado".

Mafort lembra que o processo de ascensão ao poder das oligarquias no MS se iniciou durante a ditadura. "Nós temos uma memória da criação do MS, que se deu no contexto da ditadura civil militar em 1977. De lá para cá, existe uma total interligação entre as oligarquias rurais, a política e o agronegócio", afirma.   

Uma breve análise da atuação de Tebet no Congresso Natural confirma sua vocação. Ela é citada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em uma lista de 50 parlamentares com atuação consistente na violação de direitos dos povos tradicionais.  

Autora do Projeto de Lei 494/15, que pretende impedir a demarcação de terras indígenas em áreas de conflito e altera o Estatuto do Índio, ela também apoia a PEC 45/13, que altera o artigo 231 da Constituição para impedir a demarcação de terras indígenas em áreas tradicionais.

"A atuação dela no parlamento foi completamente violadora dos direitos humanos. É dela o projeto de lei para suspender estudos sobre áreas para demarcação indígena, quando há conflito. E obviamente que há conflito, porque essa á única forma de os indígenas poderem lutar pela demarcação", diz Mafort. "A Simone Tebet está com suas mãos manchadas de sangue, e esse sangue é sangue indígena".

Simone Tebet foi, ainda, apoiadora do impeachment de Dilma Roussef. Em seu voto, ela afirmou que pensava no futuro da população brasileira.

"Pelos crimes de responsabilidade fiscal cometidos pela senhora presidente da República no ano de 2015, mas principalmente pelas consequências nefastas a esta e às futuras gerações que pagarão essa conta, fruto dessa irresponsabilidade fiscal, por todo o mal que causou e está causando à população brasileira, eu voto a favor do impeachment da senhora presidente da República, mas mais do que tudo, voto na esperança, na esperança de melhores dias."

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2022/08/31/sangue-novo-ou-mais-do-mesmo-simone-tebet-e-ligada-ao-agro-e-contraria-a-direitos-indigenas

 

Uma mulher do lado deles: sobre o feminismo de Simone Tebet no debate da Band

 
Sonara Costa, de Belo Horizonte, MG, e Ohana Pageu**, de Fortaleza, CE
Reprodução / UOL
 

“Mulherio: Lélia, o que você acha do slogan “mulher vota em mulher”?

Lélia: Esse papo é tão furado quanto aquele de “negro vota em negro’: e ambos se diferenciam daquele que afirma que “trabalhador vota em trabalhador”. Enquanto esse último tem sua coerência apoiada justamente na denuncia da exploração da classe trabalhadora pela classe dominante. os outros dois escamoteiam essa questão. Afinal, existem mulheres e negros que pertencem e/ou fazem o jogo da classe dominante, buscando perpetuar os privilégios dela e, ao mesmo tempo, participar desses privilégios. Tem muita mulher por ai que de comum com as lutas das feministas só tem mesmo uma coisa: o seio feminino. No restante, elas são tanto ou mais masculinas do que muitos homens que a gente conhece.

(…) Nas eleições de 82 nós também teremos o “voto feminista”, o apoio ás candidatas saídas do nosso movimento e aos candidatos que se comprometem com as lutas de libertação da mulher. Mas temos que estar muito atentas, pois há muito candidato e candidatas (não feminista também) por ai que, por mera demagogia eleitoreira, se diz defensor dos direitos das “minorias”.”

(Lélia Gonzalez. Entrevista concedida ao jornal Mulherio,  Ano II, n0 9, SETEMBRO/OUTUBRO 1982)

Diante do misógino Bolsonaro de sempre, e do Lula que evitou se opor frontalmente a seu principal adversário, o tom do debate ficou mesmo por conta das mulheres. O reluzente feminismo de Simone Tebet ganhou aplausos entusiasmados de muitas ativistas. Contudo, a sabedoria popular nos alerta: Nem tudo que reluz é ouro. 

As mulheres serão decisivas nessas eleições por várias razões. É primeira vez que somos a maioria em todas as faixas etárias. Também é a primeira vez que há uma divisão nítida nas intenções de voto a partir do gênero, com uma alta rejeição ao atual presidente da República entre as mulheres. Por fim, as mulheres também compõem a maioria entre aqueles que ainda não definiram seu voto.

fonte: https://esquerdaonline.com.br/2022/08/29/uma-mulher-do-lado-deles-sobre-o-feminismo-de-tebet-no-debate-da-band/

A economia, a gestão da pandemia e a preocupação com a violência são temas de grande interesse para as mulheres. Não por acaso Simone Tebet buscou responder a essas três questões sob o “ponto de vista feminino”. Brilhou ao lembrar o ódio do presidente da República contra jornalistas e mulheres no geral, denunciou a incompetência do governo da condução da pandemia e os escândalos de corrupção na compra de vacinas. Apresentou a urgente necessidade de conter a explosão de casos de feminicídio e abuso infantil doméstico. Defendeu a universalização de creches contra o desvio de recursos por pastores no Ministério da Educação.

Simone Tebet, assim como Luiza Trajano, dentre outras destacadas figuras, demonstram a tentativa reacionária, por parte da classe dominante, de domar e esvaziar a potência revolucionária dos feminismos anticapitalistas.

Um olhar mais atento às propostas e à vida pregressa da candidata, que tem por slogan “Mulher vota em Mulher”, desfaz qualquer ilusão. Exemplos da ofensiva atual do neoliberalismo sobre a progressiva mudança na consciência a partir da explosão da primavera feminista, Simone Tebet, assim como Luiza Trajano, dentre outras destacadas figuras, demonstram a tentativa reacionária, por parte da classe dominante, de domar e esvaziar a potência revolucionária dos feminismos anticapitalistas.

  Representante do feminismo liberal, Tebet busca substituir o conteúdo pela forma. Ao afirmar no debate que o feminismo não tem lado, não sendo nem de direita nem de esquerda, Tebet repete o discurso antipolítica que ajudou a eleger Bolsonaro. 

Simone Tebet é uma das representantes da bancada ruralista e do agronegócio que vota medidas que aumentam a vulnerabilidade de mulheres e indígenas, camponesas e quilombolas. Cuidar da família e lutar pelas mulheres reais é defender terra pra produção de comida, água pra quem tem sede, segurança pra viver sem medo de terem seus filhos mortos pela polícia ou por milícias. O agronegócio que é uma das suas bandeiras neoliberais é o oposto disso, não produzindo comida, deixando as mulheres vulneráveis, tanto no campo, quanto na cidade. 

As mulheres negras que catam ossos em frigoríficos e choram ao não conseguirem alimentar seus filhos são justamente aquelas que primeiro se tornaram mais vulneráveis aos empregadores a partir da reforma trabalhista, que Tebet defendeu, e as que prioritariamente foram despedidas, aprofundando séculos de opressão e exploração.  As mulheres trabalhadoras assumiram toda a carga do trabalho reprodutivo intensificada com a precarização galopante dos serviços públicos promovida a partir da aprovação do teto dos gastos, outra medida votada por Simone Tebet.

A solidariedade de Simone Tebet não está dirigida às centenas de mulheres pobres e negras que morrem por abortamento clandestinos no Brasil, pois é uma auto declarada “pró-vida”. Sua identidade está vinculada a Nice Yamaguchi, a médica neofascista, que a exemplo de Mengele, promoveu experiências genocidas, a partir da testagem criminosa da tese de imunidade de rebanho, que levou à morte milhares de brasileiros. 

O ressentimento para com o povo brasileiro veio à tona justamente quando a candidata buscou se diferenciar do PT. A crítica a Lula veio não pelos caminhos justos, mas por aquilo que durante anos foi o aspecto progressivo do petismo, seu sentido de classe expresso no slogan “trabalhador vota em trabalhador” utilizado nas primeiras campanhas eleitorais do PT. A depreciação do “nós contra eles” petista, igualando-o ao ódio misógino, racista e homofóbico bolsonarista, demonstra o rancor que a classe dominante nutre contra os explorados/oprimidos e a diversidade que lhe constitui, sendo hoje majoritariamente negra e feminina. O feminismo de Simone Tebet, que foi parte da arquitetura do golpe que derrubou Dilma Rousseff, anseia apenas diversificar a classe dominante. Não nos representa!  ós, que compomos os 99%, não desejamos subir ao topo, queremos acabar com os privilégios, superar o racismo e a homofobia, queremos um mundo onde o topo simplesmente não exista. Vamos votar em Lula, para derrotar o projeto neofascista, e nas candidaturas proporcionais que se comprometam verdadeiramente com a luta das mulheres. Não podemos deixar ninguém para trás, e só podemos contar com nós mesmos. Somos a maioria, classe contra classe. É nós por nós!

* Integra o Flores de Resistência.
** Faz parte da Resistencia Feminista.

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