Primeira juíza-ouvidora da Suprema Corte, escritora e doutoranda pela USP conta sobre as barreiras quebradas e as conquistas alcançadas ao longo de sua trajetória
Publicado: 08/03/2024 - Jornal da USP
Texto: Guilherme Ribeiro*
Arte: Joyce Tenório**
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil é formado por 11 ministros, indicados pelo presidente da República. Atualmente a composição do STF conta com Luís Roberto Barroso como presidente, e com os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin e Flávio Dino. De 11 nomes, o Supremo conta com apenas uma ministra mulher e, dentre os nomeados, apenas Flávio Dino se autodeclara pardo, mesmo já tendo se declarado como branco nas eleições de 2014.
É dentro deste cenário, de um Supremo representado por uma parcela menor que 20% de ministros não homens ou não brancos, que Flávia Martins de Carvalho se destaca. Com graduação e mestrado em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atualmente em processo final de doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito (FD) da USP, Flávia ocupa a posição de primeira juíza-ouvidora do STF, nomeada por Barroso para o cargo.
“Eu já era juíza auxiliar do Barroso desde 2021, a convite dele, e quando ele assume a presidência do STF vem essa nomeação para assumir a Ouvidoria do Supremo. A Ouvidoria foi criada na gestão do Barroso e aprovada em dezembro de 2023. Assim, eu sou a primeira pessoa a assumir este cargo, e por felicidade a primeira juíza-ouvidora do STF é uma mulher negra”, comentou em entrevista ao Jornal da USP.
Anterior a sua indicação como juíza-ouvidora, o nome de Flávia era mencionado constantemente em discussões sobre outro cargo do STF. Com a aposentadoria compulsória da ex-ministra Rosa Weber se aproximando, o presidente Lula conviveu com pressões externas – sobretudo do movimento negro organizado – para que nomeasse outra mulher para o cargo e, de preferência, que não fosse branca. Entre as sugestões, despontava o nome de Flávia, na época ainda juíza-auxiliar de Barroso.
Flávia Martins de Carvalho e Luiz Roberto Barroso - Foto: Arquivo Pessoal
Antes de iniciar sua trajetória dentro dos tribunais, Flávia atuou em diferentes áreas dentro do Direito: já foi monitora de cursos de graduação, além de pesquisadora pela UFRJ no grupo de pesquisa do Observatório da Justiça Brasileira (OJB). A juíza também teve longa atuação como docente, lecionando durante dez anos, sendo sete em cursos do ensino superior.
Após alguns anos atuando na iniciativa privada, Flávia entrou no TJ de São Paulo, em outubro de 2018, como juíza de Direito, 1ª instância do Estado. O tribunal que Flávia compõe conta com aproximadamente 2.500 magistrados, dos quais cerca de apenas 1% se autodeclaram pretos – um cenário que pode demonstrar a desigualdade racial no sistema de justiça brasileiro.
Para seguir quebrando as barreiras estruturais impostas a corpos negros, Flávia se mudou para Brasília quando foi convidada, em 2021, pelo então ministro do STF Luís Roberto Barroso, para compor seu gabinete como juíza-auxiliar, cargo que exerceu por dois anos. Após a eleição de Barroso à presidência do STF, em agosto de 2023, Flávia não demorou a trocar de função. Com a aprovação da criação da Ouvidoria do STF, em dezembro do mesmo ano, a pesquisadora foi mais uma vez nomeada por Barroso, agora como juíza-ouvidora do Supremo, a primeira a exercer o cargo.
“É de felicidade do destino que a primeira pessoa a assumir o cargo da Ouvidoria seja uma mulher negra. E é importante destacar que a nomeação de pessoas negras para cargos dessa dimensão não deve ser vista como uma manobra para evitar críticas ou agradar parte da população. Eu acredito que essas pessoas são indicadas por conta de sua capacitação e do bom trabalho apresentado. Eu, por exemplo, tenho duas graduações, um mestrado e sou doutoranda. Será que é só o fato de ser uma mulher negra que me colocou onde estou hoje?”, questiona.
Ainda que seja uma recente aprovação da Suprema Corte, a criação da Ouvidoria é parte do projeto de reestruturação do STF, e parte da transformação da antiga Central do Cidadão. Essa que, até então, era a unidade responsável por gerir canais de comunicação destinados à interlocução direta com a sociedade. O canal, porém, era de menor atuação. E com a criação da Ouvidoria, o objetivo, além de ampliar as atividades, é aumentar suas atribuições.
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