2008 – PL 1135 - Rejeitado em duas comissões da Câmara dos Deputados

Após 17 anos de uma complexa tramitação o Projeto de Lei 1135 de 1991 (PL 1135) foi rejeitado pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) em maio de 2008 e em julho pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). O texto propõe alteração do Código Penal para descriminalizar o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento. Desde 2008, a tramitação está estancada com o PL arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados à espera da votação de um recurso para que seja apreciado em sessão plenária. A conjuntura não aponta perspectivas de avanço neste processo. Embora o PL 1135 conte com o consistente apoio dos movimentos de mulheres e seja coerente com os compromissos assumidos pelo Brasil no ciclo de conferências da ONU, cresceu a reação pela rejeição da proposta, em um Congresso de perfil cada vez mais conservador.

Etapas de tramitação:

1991-2001 - O PL 1135 foi apresentado pelo deputado Eduardo Jorge (PT-SP) e pela deputada Sandra Starling (PT-MG) em 1991. Sua tramitação foi dinamizada dez anos depois, quando a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/ RJ), que era relatora do conjunto de projetos que propunham alteração do Código Penal no tema do aborto, apresentou um substitutivo ao PL 1135 recomendando a aprovação de todas as propostas liberalizantes e a rejeição dos projetos restritivos.

2004-2005 - O relatório de Feghali aguardava discussão na CSSF, quando o PL 1135 foi apoiado na 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres de 2004, que aprovou recomendação pela descriminalização e legalização do aborto. Respondendo positivamente a esta demanda a recém-criada Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) instituiu uma Comissão Tripartite (CT) (Executivo, Legislativo e Sociedade Civil) que formulou proposta específica de Anteprojeto de Lei, a ser encaminhada pela Presidência da República ao Congresso Nacional. Na ocasião, a CNBB fez pressão para ser incluída nesta comissão, na qualidade de sociedade civil, mas àquela altura foi possível negar o pedido, em nome da garantia da laicidade do Estado. A CT encerrou seu trabalho quando já eram fortes as pressões diretas da CNBB sobre o Governo Federal, que teve enfraquecida sua determinação em entregar o texto ao Congresso. As pressões de ativistas do campo dos direitos das mulheres foram fortes e o Governo acabou cedendo. Sob muita expectativa e às vésperas do Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto (28 de Setembro), a Ministra da SEPM fez a entrega solene da proposta nas mãos da relatora do PL 1.135, em uma histórica sessão da CSSF. Feministas comemoraram entoando o Hino Nacional, cientes de que a batalha seria difícil. Ainda em 2005, o PL 1135/91 foi posto em debate na CSSF com nova redação, adaptada pela relatora Jandira Feghali para incorporar o conteúdo do anteprojeto proposto pela CT. Nesse contexto nasceu a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida contra o Aborto, arregimentando forte resistência. Foi assim que, em tumultuadas negociações, o texto do PL 1135 foi resumido à simples retirada, do Código Penal, dos artigos que criminalizam o aborto (descriminalização), sem especificar regras e condições nas quais o procedimento poderia ser realizado (legalização), conforme rezava a proposta da CT. Este texto resumido não chegou a ser votado nesta legislatura.

2006 - Em 2006 o PL 1135 dormitou, enquanto no processo eleitoral se reelegia o Presidente da República, com apoio de evangélicos e católicos. Jandira Feghali não se elegeu ao Senado após fortes ataques contra sua candidatura pelo fato dela ser defensora da descriminalização do aborto.

2007 - Em 2007 o PL 1.135/91 retornou à pauta da CSSF, então sob a presidência do deputado evangélico Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP), da igreja Sara Nossa Terra. Mudalen se autonomeou Relator e emitiu o parecer pela rejeição da proposta, portanto, pela continuidade da criminalização das mulheres. Convocou quatro audiências públicas para debater a matéria, das quais três se realizaram. Foram audiências peculiares onde o debate de ideias foi coordenado de modo a minimizar argumentações técnicas ou do marco democrático e valorizar as manifestações religiosas. Argumentações de especialistas com base no marco legal brasileiro e na tese de que o aborto é questão de saúde pública, e os próprios dados epidemiológicos do Ministério da Saúde foram sistematicamente desqualificados pelo grupo conservador que chegou a alegar que a aprovação do texto enxuto a que o PL tinha sido reduzido significaria a legalização do aborto até o nono mês de gravidez. O ano se encerrou sem a realização da quarta audiência pública.

2008 – Neste ano foram nomeados para presidir a CSSF e a CCJ - e trataram de acelerar a tramitação do PL 1135 nessas comissões - respectivamente, o médico Jofran Frejat (PR/DF) e Eduardo Cunha (PMDB/RJ), economista, evangélico e autor de um projeto de lei que transforma o aborto em crime hediondo (PL 7443/2006). Experientes, eles lançaram mão de manobras regimentais para acelerar a tramitação forçando a rejeição do PL. O debate na CCJ (onde houve audiência pública) aconteceu em clima de tensão e foi marcado pela irracionalidade, longe de tangenciar aspectos relevantes sobre a constitucionalidade e juridicidade da matéria, como seria da competência desta Comissão.