Governo Lula

1º de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2010

Luiz Inácio Lula da Silva elegeu-se para a presidência na quarta tentativa. Ex-operário, líder sindical e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) sua plataforma política, de inspiração socialista, sofreu com o impacto global da queda do Muro de Berlim e enfrentou uma disputa desigual com o segmento conservador brasileiro tradicionalmente no poder. Para alcançar os votos necessários à eleição, houve uma alteração estratégica da plataforma eleitoral, fruto de acirrados debates internos ao PT, com alianças à direita e o compromisso de manter as políticas econômica, fiscal e monetária.

No primeiro mandato, o Governo alcançou considerável crescimento econômico, potencializado pela conjuntura internacional favorável, com significativo aumento de empregos com carteira assinada. Ao mesmo tempo, Lula cumpriu promessas eleitorais implementando a agenda de políticas sociais e programas de redistribuição de renda. Em 2005, o Governo foi alvo de uma série de denúncias de corrupção, o chamado escândalo do Mensalão, detonador de profunda crise política. Ainda assim a popularidade do Presidente, sustentada no impacto positivo das medidas que adotou junto com a ampliação de alianças partidárias - inclusive com o PMDB, foram fatores que garantiram o segundo mandato.

Na reforma administrativa que teve início em janeiro de 2003, o Governo transformou a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SEDH) em Secretaria Especial e criou duas novas secretarias especiais, todas com status de Ministério: a de Políticas para as Mulheres (SEPM) e a de Políticas de Promoção da Equidade Racial (SEPPIR). Paralelamente, lançou os programas Luz para Todos e Fome Zero – uma reformulação da ação de transferência de renda iniciada com o Comunidade Solidária de Fernando Henrique Cardoso.

Seguindo as premissas da Constituição de 1988 e da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS/ 1993), em consonância com os resultados da 4ª Conferência Nacional de Assistência Social (Brasília, dezembro de 2003), o Governo desfragmentou os programas de assistência social. Criou em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pela gestão de um Sistema Único de Assistência Social (com os CRAS e os CREAS) e do Fundo Nacional de Assistência Social. Nesse contexto, o Fome Zero evoluiu para o Bolsa Família (PBF) unificando diversos programas de transferência de renda então em curso (Bolsa Escola, Auxílio-Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação).

Em 2004 também foi lançado o Programa Brasil sem Homofobia, uma atitude ousada que trouxe fôlego ao debate sobre políticas públicas de garantia da liberdade sexual, direitos da população LGBT e combate à homofobia. Foi instituído ainda o Programa Universidade para Todos (Prouni), de importante impacto para a democratização do ensino, transformado em Lei em 2005.

No mesmo ano, iniciou-se um novo ciclo de conferências nacionais nos moldes propostos pela Constituição de 1988, de produzir bases democráticas para a formulação/ reformulação de planos e programas específicos. Destacam-se as conferências nacionais de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007), de Promoção da Igualdade Racial (2005 e 2008), LGBT (2008) e de Comunicação Social (2009). Nesse contexto, a 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos (2008) pela primeira vez foi convocada e coordenada pelo Poder Executivo, através da SEDH-PR. Na área da saúde foi relevante o lançamento em 2004, pela Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento Inseguro e a reedição da Norma Técnica que versa sobre o atendimento ao aborto legal, excluindo a exigência do Boletim de Ocorrência para a realização da interrupção da gravidez nos casos de estupro. Dando seguimento a compromissos assumidos na 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (2004) e consubstanciados no 1º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2005), a SEPM-PR criou a Comissão Tripartite que elaborou uma proposta legislativa de descriminalização do aborto.

A SEPM-PR teve papel central na promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, significando o reconhecimento da violência doméstica e sexual como um grave problema social. O programa Mulher: Viver sem Violência criou a linha direta 180 (uma central de assistência com atendimento gratuito e confidencial), e lançou o Pacto Nacional Violência contra a Mulher (2007), assinado pelo nível federal com estados e municípios que se comprometessem com medidas para o funcionamento da rede de assistência a mulheres e adolescentes vítimas de violência (envolvendo Segurança Pública, Saúde, Assistência Social e Justiça). No mesmo ano, o Ministério da Justiça lançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) que articula políticas de segurança com ações sociais, prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência. A plena implementação da Lei Maria da Penha está entre os objetivos deste Programa.

Entretanto essas iniciativas foram interceptadas por críticas e barreiras. No campo específico dos direitos das mulheres e dos direitos humanos, pressões religiosas e de aliados conservadores determinaram ambiguidades e recuos por parte do Executivo e do Legislativo, como mostram alguns exemplos:

Outro recuo se deu em 2007, com uma proposta governamental de Reforma da Previdência que frustrou o movimento de mulheres e a categoria de trabalhadores/as rurais por ameaçar direitos conquistados na Constituição de 1988. Alinhada aos interesses do empresariado, largamente visibilizados pela grande mídia, esta proposta mudava o regime de pensões eliminando a diferença de idade entre homens e mulheres para o acesso à aposentadoria, desvinculando o valor da aposentadoria rural do salário mínimo e transferindo esse direito para a política de assistência social. Foi criado o Fórum Nacional de Previdência Social (FNPS) para debater o tema, no qual foi barrada a participação de representação das mulheres por não serem consideradas uma categoria e sem levar em conta que eram 70% no quadro de exclusão do Sistema Previdenciário, por estarem no trabalho informal e doméstico. O FNPS manteve o diferencial de cinco anos para a aposentadoria das mulheres e também o regime de segurado especial para trabalhadoras/es rurais e camponesas/es. Porém, o debate sobre a aposentadoria das donas de casa e das demais trabalhadoras domésticas sem remuneração não foi enfrentado e tampouco se avançou com medidas para a inclusão previdenciária das milhões de trabalhadoras que estão na informalidade.